quinta-feira, 20 de março de 2025

Angola | Ordens Supremas Contra a Liberdade -- Artur Queiroz

<> Artur Queiroz*, Luanda ---

Hoje entrei no Estabelecimento Prisional de Viana onde as minhas fontes me puseram na rota de um grave atentado ao Estado de Direito. A Direcção Geral dos Serviços Prisionais engavetou o processo da Liberdade Condicional de Carlos São Vicente. Faz o papel de Tribunal, condena e executa as penas. Técnicos da instituição foram à prisão entrevistar o recluso Carlos São Vicente. E fizeram-lhe esta pergunta: Está arrependido dos crimes que cometeu? 

O recluso percebeu que estava ante mais do mesmo. Acusado sem tino. Pronunciado por invenções e papéis apócrifos. Julgado sem provas. Condenado muito antes do julgamento. Isto só não ficou comprovado porque quando recorreu para o Tribunal Supremo e o Tribunal Constitucional ainda estava em vigor o Decreto Presidencial, que dava dez por cento da “recuperação de activos” confirmada por sentença judicial, a juízes e procuradores. E agora, na hora da Liberdade Condicional, volta tudo ao princípio. Nem sequer valorizam o parecer da Agência dos Direitos Humanos da ONU que considerou o julgamento ilegal e recomendou ao Estado Angolano que indemnize Carlo São Vicente pelos prejuízos causados a um inocente.

Ante a pergunta: Está arrependido? Carlos São Vicente respondeu com silêncio. Os técnicos da Direcção Geral dos Serviços Prisionais leram assim o silêncio: Não está preparado para a liberdade condicional! A entrevista decorreu no Estabelecimento Prisional de Viana. O recluso estava presente na “reunião de análise e decisão”. 

A direcção da cadeia concluiu clara e inequivocamente que Carlos São Vicente está “apto à liberdade condicional”. E em conformidade com este parecer, o processo foi remetido à Direcção Provincial dos Serviço Prisionais, no dia 24 de Abril 2024, faz um ano daqui a pouco mais de um mês. Estes serviços tinham o dever de remeter o processo ao Tribunal da Comarca de Luanda, para um magistrado judicial lavrar a sentença. Engavetaram o processo, que chegou depois das ordens supremas. O chefe impôs prisão perpétua a Carlos São Vicente.

Face ao parecer “apto à liberdade condicional” Carlos São Vicente devia ser libertado no dia 22 de Junho de 2024. A partir dessa data temos este quadro kafkiano: Detido pouco tempo depois da Procuradoria-Geral da República informar a sua congénere de Genebra, que nada existia contra Carlos São Vicente. Acusado com base em invenções e falsidades. Julgado e condenado sem provas. Mantido ilegalmente na prisão. Refém do chede de posto. 

Os funcionários do chefe de posto foram ao Estabelecimento Prisional de Viana para entrevistarem Carlos São Vicente. Engavetaram o processo da Liberdade Condicional com este argumento: Não reparou os danos causados ao Estado Angolano! O Tribunal condenou Carlos São Vicente a pagar uma indemnização astronómica ao Estado. Um número absurdo, atirado para o ar, sem qualquer fundamento. A Lei não é o forte do chefe de posto. E quando ele é a única autoridade disponível, dá abusos e injustiças. Vamos falar da Reparação de Danos. 

A Procuradoria-Geral da República expropriou a totalidade do património de Carlos São Vicente e sua família. A “recuperação de activos” começou antes de ser detido no dia 22 de Setembro 2020. Antes mesmo de o processo chegar à fase da Instrução Contraditória, onde finalmente Carlos São Vicente pôde defender-se das tropelias do chefe de posto e suas ordens supremas. As expropriações só aconteceram porque tinham a certeza absoluta de que Carlos São Vicente ia ser condenado irremediavelmente. Atropelos gravíssimos aos Direitos, Liberdades e Garantias. Constituição da República espezinhada por quem jurou defendê-la. Esta é a parte que menos interessa ao ditador de trazer por casa e sua quadrilha.

Estamos ante um gravíssimo caso de corrupção. O mais grave de todos, após as eleições de 2017. Os “activos recuperados” pertencentes a Carlos São Vicente não foram inventariados. Não existe qualquer inventário desse valioso património. Não existe um cadastro de cada imóvel ou activo. Nem sequer existem fotografias! Muito menos uma avaliação. Para cada um comer o seu bocado sem prestar contas. Eu revelo a em primeira mão uma parte dos bens conficados. Após as eleições de 2025, se a democracia prevalecer, vão ter de prestar contas. 

A PGR de Hélder Pita Grós e da procuradora Eduarda Rodrigues apropriou-se de quatro edifícios de habitação numa das zonas mais valiosas de Luanda. Quanto valem? Essa avaliação (indispensável) não foi feita.

Foi confiscado um edifício de apartamentos em zona nobre. Quanto vale? Pita Grós e Eduarda Rodrigues não revelaram.

Foram confiscados oito edifícios de escritórios. Quanto valem? Zero.

O duo metralha ao serviço do chefe de posto (não do Estado Angolano) confiscou três centros logísticos a Carlos São Vicente. Cada um tem 14 armazéns e dois edifícios de apoio. Levaram toda a mercadoria que lá se encontrava. Valor? Isso não interessa nada.

Confiscado um armazém com parque de camiões e muita mercadoria. Valor? Zero.

Confiscado um centro de oficinas com hangar e edifício de escritórios. Mercadoria e maquinaria. Quanto vale? Uma missanga da dona Eduarda. 

Confiscado o edifício do Thyke Hotel com 32 andares. Leram bem, são 32 andares mesmo. Mais quatro caves, para estacionamento e piso técnico.

Confiscados dois edifícios da rede BINA Hotel com 20 andares, cada um. Mais edifícios dos restaurantes, ginásios e piscinas. Valor? Uns trocos nos bolsos dos confiscadores às ordens do chefe de posto, que emite ordens supremas.

Confiscados 20 edifícios da rede IKA hotel. Valor? Isso não vale nada para a dona Eduarda (já está a gozar os rendimentos?) e o senhor Hélder, temeroso de um assalto à próstata.

Confiscados 61 (sessenta e um) edifícios da rede IU Hotel. Mais uns trocos.

Confiscados automóveis ligeiros e pesados às dezenas! Serviços de táxi e camionagem particular dos recuperadores de activos.

Há muito mais mas hoje fico por aqui. Um economista angolano de alto nível fez a meu pedido a avaliação deste património. Disse-me que numa perspectiva conservadora, vale mais do que cinco mil milhões de dólares.

* Jornalista

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