terça-feira, 18 de março de 2025

Portugal | TRISTE ZIZÂNIA

Resta saber se o compromisso com uma campanha esclarecedora e fora da lama, com propostas e compromissos fortes, com a rejeição frontal desta zizânia indecorosa e pantanosa, reforçará a esquerda. Digo-vos que estou certo de que sim.

Francisco Louçã | Esquerda.net, opinião

Do que apodrece se nota que, à medida que o tempo passa, o odor se torna mais forte e repugnante. Assim é com esta crise política, demasiadas vezes anunciada e, de facto, inscrita nas manobras (agora diz-se “estratégias”, para dourar a palavra e fingir uma elevação em relação a tacticismos, como notou António Guerreiro neste jornal) que começaram logo na noite eleitoral de 10 de Março do ano passado.

A tragicomédia da crise foi sempre a opção número um de Montenegro, que quer imitar Cavaco Silva e António Costa e almejava a maioria absoluta que cada um deles provocou. O que contudo lhe falta é o pretexto: Cavaco usou a queda do governo provocada pelos votos contrários e Costa usou o drama do orçamento chumbado. O guião está todo escrito, mas exige uma aparência de vitimização. Ora, para Montenegro esse estratagema não é possível: foi ele quem escolheu manter enquanto primeiro-ministro uma empresa com sede em sua casa e de que era beneficiário; foi ele quem reconheceu perante o Tribunal Constitucional que era sua propriedade; foi ele quem, obrigado a alguma cosmética, anunciou que tinha passado a sua empresa para os filhos; foi ele quem se colocou na situação de violação da regra da exclusividade e que tentou tapar a peneira com desculpas trapalhonas. Restou-lhe a corrida para o abismo, mas do que não se livra é da evidência de que as eleições são o truque para não dar explicações sobre uma ilegalidade. Montenegro não tem condições para ser primeiro-ministro, nem sequer para ser candidato ao cargo.

São portanto as eleições mais bizarras da nossa história. Não são provocadas pela demissão de um governante por se ter descoberto um envelope de dinheiro contado e que não era dele, mas do chefe de gabinete; aqui é tudo de Montenegro do princípio ao fim. São eleições para o salvar de explicações ao país. Quer que Portugal o encubra e o premeie. Pode-se disfarçar toda esta ambição com uma zizânia apimentada mas, francamente, das danças rituais no debate da moção de confiança não restará qualquer memória. Em consequência, o PSD arrisca-se a ter o pior resultado da sua história.

Resta saber se o compromisso com uma campanha esclarecedora e fora da lama, com propostas e compromissos fortes, com a rejeição frontal desta zizânia indecorosa e pantanosa, reforçará a esquerda. Digo-vos que estou certo de que sim.

Este texto é parte da intervenção de Francisco Louçã no podcast “Um pouco mais de azul”, onde também participam o jornalista Fernando Alves e a poeta Rita Taborda Duarte. O podcast completo aqui

* Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.

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