sexta-feira, 14 de março de 2025

UA: ESCRAVATURA E REGIMES COLONIAIS CLASSIFICADOS COMO GENOCÍDIO

Kossivi Tiassou | Deutsche Welle

A União Africana (UA) declarou a escravatura, deportação e o colonialismo como crimes contra a humanidade e genocídio contra os povos africanos. Mas que impacto poderá ter esta decisão no continente?

A UA declarou, recentemente, a escravatura, deportação e o colonialismo como crimes contra a humanidade e genocídio contra os povos africanos. A decisão foi tomada numa cimeira recente da organização em Addis Abeba, na Etiópia, e marca um ponto de viragem no reconhecimento dos danos sofridos nos últimos cinco séculos pelo continente africano.

Que análise pode ser feita destas classificações e que possíveis consequências podem advir desta decisão da União Africana?

Robert Dussey, ministro dos Negócios Estrangeiros do Togo, fala numa "vitória para África". No seu entender, trata-se de um "passo crucial" para que o continente africano "assuma o controlo do seu próprio destino".

Didier Houénoudé, especialista em arte saqueada durante a colonização, considera que esta resolução pode reforçar a posição de África nas negociações internacionais sobre desigualdades e reparações históricas em curso.

"Isto significa que a União Africana pode pedir às nações ocidentais que estiveram envolvidas e praticaram o tráfico transatlântico de escravos uma indemnização para as vítimas que sofreram com estas práticas", afirma.

O historiador, que se encontra atualmente em Dresden, na Alemanha, acredita que esta decisão poderá facilitar a restituição dos artefactos saqueados durante a era colonial.

"A maior parte das obras que se encontram nos museus foram adquiridas ilegalmente e devem ser devolvidas", salienta Didier Houénoudé, acrescentando ainda que "expor os restos mortais dos antepassados num museu é um desrespeito flagrante". "Um museu não é feito para isso. Os restos mortais dos antepassados devem ser enterrados", considera.

Possíveis consequências jurídicas

A resolução da UA estabelece um quadro jurídico que define oficial e internacionalmente os atos de escravatura, deportação forçada e colonização como crimes contra a humanidade e atos de genocídio, sublinhando que foram "planeados e metodicamente executados" em detrimento das populações africanas.

No entanto, o jurista alemão Christian Tomuschat deixa um alerta. "Respeito a opinião de que a colonização constituiu um crime contra a humanidade. É possível aprovar uma resolução deste tipo, mas ela não tem consequências jurídicas, mesmo à luz da doutrina moderna do direito internacional", afirma, explicando que "existem regras clássicas do direito internacional que estipulam que qualquer injustiça deve ser reparada através de indemnizações, mas não podem ser aplicadas retroativamente aos séculos XVII, XVIII e XIX".

Esta iniciativa da União Africana surge em resposta aos apelos de grupos de direitos humanos e da sociedade civil africana e da diáspora que, há muito, pedem que os colonialistas reconheçam os seus crimes contra o povo africano.

O que diz o direito internacional?

O Tribunal Penal Internacional (TPI), reconhecido por 125 Estados, é responsável pelo julgamento de indivíduos acusados de genocídio ou de crimes de guerra. O artigo 7.º dos seus estatutos define os crimes contra a humanidade.

De acordo com esta disposição, um crime contra a humanidade refere-se a "qualquer um dos seguintes atos quando cometido como parte de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra qualquer população civil, com conhecimento do ataque". Estes atos incluem: assassinato, extermínio, escravidão, deportação, tortura, violação, escravatura sexual e apartheid.

Esta definição inclui igualmente a perseguição de qualquer grupo ou comunidade identificável com base em critérios políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou relacionados com o género.

Para além deste quadro jurídico, nenhum outro mecanismo jurídico internacional permite que os Estados africanos exijam reparações vinculativas. No entanto, alguns juristas consideram que esta resolução poderia incentivar iniciativas em instituições como o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ).

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