DANIEL DOS SANTOS – EXPRESSO DAS ILHAS, opinião
Muito se tem dito e escrito sobre o MpD depois da sua derrota nas eleições legislativas de 6 de Fevereiro último. Em concreto, das muitas críticas que se lhe dirigem saltou à vista uma que nos prendeu a atenção, a de saber se, claro, o MpD, é um partido político ou um movimento social.
A causa principal desta discussão tem origem, não de raro em raro, na designação que se lhe atribuiu. Em vez de partido, chamou-se-lhe movimento. Não é pelo nome que um partido ou um movimento social se definem, mas seguramente pelas suas características, funções, princípios e objectivos que elegem. Comecemos pelos movimentos sociais.
Sem entrar em muitas considerações científicas, que podem tornar enfadonha a leitura deste texto, importa que se diga que são da fresca data os estudos sobre os movimentos sociais. Na década de 60 do século passado, sociólogos norte-americanos e europeus ocuparam-se da análise deste complexo problema, procurando inseri-la na óptica do comportamento colectivo humano e na de conflitos de classes que caracterizam as sociedades de hoje.
Isto basta para mostrar que está longe de ser consensual qualquer esforço destinado a esclarecer a questão, como também parece estar a tentativa para a definir, tal a acuidade que requer. De qualquer modo, é costume que a sociologia política ponha em confronto, embora haja outras, duas grandes noções de movimento social: uma de J. D. McCarthy e de M. N. Zald; outra de Alain Touraine, que é a mais aceite.
Os dois primeiros entendem-no como «um conjunto de opiniões e de crenças comuns a uma população que manifesta preferências pela mudança de alguns elementos da estrutura social e/ou da distribuição de recompensa numa sociedade» (F. Chazel). A definição que J. D. McCarthy e de M. N. Zald propõem não está isenta de críticas, pois é considerada bastante imprecisa e vaga por não atender ao papel das elites neste processo.
Em contraste com esta corrente de pensamento, Alian Touraine, a quem as ciências sociais devem um estudo acurado sobre os movimentos sociais, elaborou um outro paradigma de análise assente em três princípios: identidade, oposição e totalidade. Antes, porém, faz-se necessário deixar claro que um movimento social define-se pelo seu carácter essencialmente reivindicativo (G. Rocher) e luta para fazer triunfar as suas ideias, causas, valores e interesses.
Ademais, tem um amplo campo de acção, tendo em atenção que é, em regra, uma organização privada com finalidade pública cujos objectivos são de diversa índole, podendo citar-se, à guisa de exemplo, a luta pela promoção dos direitos das minorias, pela abolição da pena de morte, pela paz, pela destruição de bombas e centrais nucleares, pela igualdade do género, pela proibição de fumar em recintos públicos, etc., etc.
Seguindo a esteira de Alain Touraine, a identidade é o primeiro princípio de um movimento social, que, logo que se constitua, necessário se torna que exponha com clareza os interesses que defende, saiba em nome de quem fala e, ao mesmo tempo, defina quem representa. Em essência, importa que escolha algo que o identifique socialmente junto dos poderes públicos.
O segundo traço, não menos importante, dos movimentos sociais é o princípio da oposição na linha do qual se lhes impõe que elejam os seus adversários que, por inércia, resistência ou apatia, tentam impedir que atinjam os seus objectivos, sendo certo que se batem por causas que não são, muitas vezes, reconhecidas pelas sociedades.
Alain Touraine identificou um último princípio de um movimento social, o da totalidade, que se explica pela adopção por aquele de uma orientação filosófica que tenha por pano de fundo ideias que julga superiores e que faz crer que sejam universais para toda a sociedade em nome da qual diz lutar. Se é verdade que um movimento social se inspira num pensamento, como escreve Guy Rocher, não é menos certo também que alega sempre o interesse nacional para o defender.
De entre as três funções dos movimentos sociais, há uma sobre a qual nos atemos por instantes: a de pressão.
Além da função da mediação e a do esclarecimento da consciência colectiva, os movimentos sociais exercem pressão sobre o poder político com a única finalidade de alcançar os seus fins. Este é um dos seus principais objectivos: pressionar o governo, o Estado, a Administração Pública, as autarquias, melhor dizendo, todas as esferas do poder.
Bem diferente é o partido político cuja realidade é antiga, embora a noção que se lhe dá seja recente. Além do mais, é bastante numerosa a definição que o suporta. Edmund Burke foi provavelmente o primeiro pensador a propor uma definição de partido político, tendo-o descrito em 1770 como um «conjunto organizado de homens unidos para trabalhar em comum pelo interesse nacional com base em algum princípio especial ao redor do qual todos se acham de acordo».
Em 1816, Benjamin Constant, influenciado por Burke, subscreve que «um partido é uma reunião de homens que professam a mesma doutrina política», após o que apareceu Hans Kelsen a sugerir que «os partidos são formações que agrupam homens de mesma opinião para lhes garantir uma influência verdadeira sobre a gestão dos negócios públicos».
Todavia, a escola realista de Ciência Política, herdeira do pensamento de Maquiavel, sem fazer pouco das definições de Burke, Constant e Kelsen, criticou-as por terem negligenciado um elemento importante e decisivo que distingue os partidos das demais organizações: a intenção de conquistar o poder político. François Goguel e George Burdeau perfilham-se entre os primeiros a introduzir este critério capital na conceitualização dos partidos.
A ideia de conquistar parcial ou totalmente o poder ganhou força na sociologia política e estimulou o desenvolvimento de outras investigações como as de Joseph Lapalombara e Myron Weiner. Hoje a comunidade científica adoptou, em linhas gerais, a noção que estes dois politólogos deram dos partidos em 1966 como forma de os distinguir não somente dos protopartidos do séc. XVIII, mas também dos grupos de pressão e dos movimentos sociais.
Para Lapalombara e Myron Weiner, um partido moderno, tal como o conhecemos, é uma organização durável, estruturado do nível local ao nacional, visando conquistar, manter e exercer o poder político e procurando buscar o apoio popular através de eleições ou de outras formas.
Daí resulta que existem quatro critérios constitutivos dos partidos, o primeiro dos quais é a continuidade da organização, ou seja, a esperança de vida de um partido deve ser superior à dos seus dirigentes, tornando-o assim diferente de bandos, clientelas, facções que tendem a desaparecer com os seus fundadores. O segundo critério - uma organização completa - distingue-o dos grupos parlamentares, pois estes não se estruturam de base ao topo.
O terceiro é a vontade deliberada de exercer directamente o poder, sendo este o ponto que diferencia os partidos dos movimentos sociais. Estes não têm por objectivo a conquista do poder político, desejam apenas influenciá-lo a tomar medidas a seu favor. Sindicatos, associações e ordens profissionais, clubes desportivos ou culturais situam-se neste quadro, pois a única coisa que tentam fazer é exercer pressão sobre o Poder e não obtê-lo.
Ao contrário, os partidos lutam pelo Poder. Querem ter deputados nos parlamentos local, regional e nacional, dirigir e participar nos governos e ganhar, numa só palavra, as eleições. Estamos em presença do mais importante critério que separa os partidos dos grupos de pressão e dos movimentos sociais.
O último critério é a busca do apoio popular, que distingue os partidos dos clubes. Estes, ainda que sejam políticos, não tomam parte nas eleições nem na vida política parlamentar, podendo até ser, como diz o politólogo Jean Charlot, um laboratório de ideias de que os partidos se servem na luta ideológica que anima as sociedade modernas.
A julgar por estas linhas, que não se alongam por o espaço de que dispomos não o permitir, bem se conclui que o MpD não é um movimento, embora assim se designe, mas um partido no sentido pleno da palavra. Cumpre todos os requisitos sociológicos, mormente o de conquistar o Poder. Pelo Direito, temos uma mão cheia de partidos em Cabo Verde , in casu, o PAICV, o MpD, a UCID, o PTS e o PSD, mas se nos dermos ao trabalho de os analisar sob o prisma da sociologia política poucos restarão.
Quando se diz, amiúde, que o MpD precisa de ser mais partido está-se a querer dizer que deve ser mais organizado, mais disciplinado e, em contraposição, embora não seja desejável, menos flexível. Em democracia, é muito importante que os partidos sejam flexíveis, não equivalendo o facto necessariamente à indisciplina, pois o que se quer é que sejam um espaço de pluralismo, de dissenso e de consenso.
*Opinião de Daniel dos Santos – 16 abril 2011
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