NICK BEAMS - WSWS
Os políticos burgueses e a imprensa continuam trabalhando para apresentar a assim chamada crise da dívida pública como se fosse o destino de um indivíduo que, tendo entrado em dificuldades econômicas, vê-se agora obrigado a fazer sacrifícios em troca de ajuda financeira. O resgate de Portugal é o exemplo mais recente dessa prática. Ao anunciar a decisão de seu governo interino de buscar ajuda emergencial à União Europeia, o primeiro-ministro demissionário José Sócrates declarou que ele buscava ajuda financeira ao “nosso país” [...] “em nome do interesse nacional”.
Como aqueles da Grécia e da Irlanda anteriormente, o objetivo do resgate português, estimado a alcançar o total de ao menos 80 bilhões de euros, é salvar os bancos europeus pela imposição de um aprofundamento nos cortes aos padrões de vida e condição social da classe trabalhadora.
Os acontecimentos que prepararam o anúncio de quarta-feira à noite seguiram um padrão já conhecido. Primeiro implementaram-se medidas de austeridade as quais, dizia-se, evitariam a necessidade de um resgate. Mas as implacáveis pressões vindas dos mercados, das agências de classificação de risco e dos bancos continuaram, culminando no rebaixamento da dívida portuguesa a um status de quase “bônus lixo” e no anúncio, por parte dos bancos do país, de que não poderiam mais contrair dívidas públicas em seus livros.
Uma das descobertas científicas mais importantes de Karl Marx foi a demonstração de como as operações do “livre mercado” faziam parecer que a pilhagem e o roubo, e o empobrecimento das massas de que vêm acompanhados, eram fruto de “acontecimentos naturais” para os quais não havia saída. E assim foi neste caso. O rápido aprofundamento da crise das finanças portuguesas nos últimos meses, que apareceu como o resultado de inevitáveis forças de mercado, era uma operação destinada a forçar o governo a pedir o resgate, e assim assegurar que as perdas sofridas pelos maiores bancos europeus seriam garantidas pelo Estado.Assim que a decisão de pedir o resgate foi anunciada, os bancos portugueses comemoraram ao ver os preços de suas ações subirem entre 4% e 6% nas negociações de quinta-feira.
Quantias enormes de dinheiro estão em risco, juntamente com a solvência de todo o sistema bancário e financeiro europeu. De acordo com dados do Banco de Compensações Internacionais - às vezes chamado por “banco central dos bancos centrais” - a exposição total dos bancos estrangeiros à Grécia, Irlanda, Portugal e ao próximo alvo em potencial, Espanha, é de US$ 2,5 trilhões. Destes, bancos alemães têm uma exposição de US$ 569 bilhões, franceses de US$ 380 bilhões e britânicos de US$ 431 bilhões.
A importância do resgate para os bancos é demonstrada pelos números fornecidos pela empresa financeira japonesa Nomura Securities. A empresa calculou que, se as dívidas da Irlanda, da Grécia e de Portugal fossem “reestruturadas” - seja por meio de amortizações ou prolongamentos dos prazos para pagamento - as perdas diretas e indiretas dos bancos da zona do Euro totalizariam US$ 240 bilhões. Este número subiria para US$ 480 bilhões caso a Espanha fosse incluída. Os bancos alemães estavam entre os mais fortemente expostos e arcariam com uma perda de US$ 185 bilhões, equivalentes a aproximadamente um terço de seu capital total, caso as dívidas dos quatro países chamados “periféricos” fossem reestruturadas.
Um dos principais motivos de o Banco Central Europeu, juntamente com o governo alemão de Angela Merkel, ter se oposto à reestruturação da dívida é o temor de que qualquer enfraquecimento dos bancos europeus seria vantajoso aos bancos americanos, que se fortaleceram com o fornecimento de gigantescos fundos e empréstimos a juros beirando a zero feito pelo Federal Reserve americano.
O resgate português veio acompanhado de comentários na imprensa econômica de que ele marcaria o fim da peste financeira que se iniciou em abril-maio de 2010. Em editorial intitulado “Traçando os limites na areia ibérica”, o Financial Times insistiu que este resgate deveria ser o último e que “fazer direito o resgate português interessa a toda a Europa e, acima de tudo, à Espanha”.
Mas não há razões objetivas para se pensar que a crise não se estenderá. Como notou o editor de economia do Guardian, Larry Elliot: “Quando se trata de fundamentos econômicos não há muito o que escolher entre Portugal e Espanha”. E concluiu: “Então, enquanto possa ser confortável para os formuladores de políticas em Bruxelas e Frankfurt acreditarem que a crise da dívida pública chega ao fim com o resgate português, é muito mais provável que o pedido de ajuda feito quarta-feira à noite de Lisboa marca o início de uma fase nova e mais perigosa da crise”.
Esta “fase nova e mais perigosa” virá acompanhada de ataques ainda mais profundos sobre a classe trabalhadora do que aqueles que já foram implementados até o momento.
Aqui faz-se necessário formular um balanço político dos eventos do ano passado desde a emergência da “crise da dívida pública”. O anúncio do pedido de resgate português não produziu nenhuma perturbação nos mercados financeiros. De fato, os mercados de ações tiveram altas e o Euro saiu fortalecido diante do Dólar.
Esta resposta não significa um sinal do fortalecimento do sistema financeiro europeu. Ela foi resultado de fatores políticos, e não econômicos. A relativa calmaria que seguiu o anúncio do resgate era expressão do fato de que os mercados financeiros chegaram à conclusão de que, mesmo que a situação financeira esteja piorando, o aparato político oficial trabalhará para assegurar que suas demandas sejam impostas. Em Portugal, os dois principais partidos parlamentares, o Partido Socialista e a oposição de direita, o Partido Social Democrata, são ambos comprometidos com a imposição de medidas de austeridade a favor dos bancos, qualquer que seja o resultado das eleições de 5 de junho no país.
Já o chamado Bloco de Esquerda divulgou uma declaração de que apresentará um “plano em resposta à situação da dívida”. Mas os mercados financeiros já levaram em conta os partidos de “esquerda” e as direções sindicais com base nas experiências dos últimos 12 meses na Grécia, Irlanda e mesmo em Portugal. Eles já “incluíram na fatura” de seus cálculos que em todos os países esses aparatos opõem-se veementemente ao desenvolvimento de uma luta política independente da classe trabalhadora pela derrubada dos governos do capital financeiro.
As forças desta luta, porém, estão surgindo. Os atos de milhares de jovens trabalhadores e famílias no dia 12 de março, organizados independentemente dos aparatos oficiais, apontam o caminho a ser seguido. Este movimento precisa ser armado com um programa socialista internacionalista, pelo estabelecimento de um governo operário na luta pelos Estados Unidos Socialistas da Europa. Esta é a perspectiva do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI-1953).
[Traduzido por movimentonn.org]
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