segunda-feira, 6 de junho de 2011

O “DIKTAT” DA HEGEMONIA




MARTINHO JÚNIOR

Três meses depois do que escrevi em “Salvar o(s) Rei(s)”, (http://pagina--um.blogspot.com/2011/03/salvar-os-reis.html), confirma-se o “diktat” da hegemonia garantindo a continuidade das monarquias árabes e o acondicionamento das revoltas à lógica capitalista e a um dos seus “produtos dilectos do mercado”, a cada vez mais ficção “democracia representativa”.

As monarquias não foram tocadas na sua essência pelas revoltas e os maiores riscos que elas tiveram, morreram com a destruição da Praça Pérola do Bahrein, envoltas numa cortina de silêncio e de pó, só rompido por poucos ousados que não se deixam iludir e estão com os Povos.

O jornalista Robert Fisk do “The Independent”, um desses ousados com conhecimento directo da situação e portanto um testemunho idóneo, referiu-se a esse silêncio nos seguintes termos (http://www.jornada.unam.mx/2011/05/15/index.php?section=opinion&article=025a1mun):

“Christopher Hill es el ex secretario de Estado estadunidense adjunto para el este asiático que fungió de embajador en Irak. Era un diplomático muy obediente y poco elocuente. Pues el otro día escribió que la noción de un dictador que reclama para sí el derecho soberano de abusar de su pueblo se ha vuelto inaceptable.

Así es, pero Hill no mencionó lo que ocurre si es que se vive en Bahrein.

En esta pequeña isla, una monarquía sunita formada por califas gobierna a la mayoría chiíta, que ha respondido a las protestas democráticas con sentencias a muerte, arrestos masivos, castigos de prisión a médicos que permitieron que pacientes murieran después de las protestas y una invitación a las fuerzas sauditas a entrar al país.

Los gobernantes también han destruido decenas de mezquitas chiítas con todo el celo de un secuestrador del 9/11. Al mismo tiempo, recordemos que la mayor parte de los asesinos del 11 de septiembre eran, ciertamente, sauditas.

¿Qué reacción tenemos ante esto? Silencio. Silencio en los medios estadunidenses, silencio en la mayor parte de la prensa europea, silencio de nuestro amados CamerClegg (en alusión al primer ministro y ministro del Exterior británicos, respectivamente David Cameron y Nick Clegg, N de la T.) así como de la Casa Blanca. Y lo que es todavía más vergonzoso, silencio de los árabes que saben con quién deben quedar bien, y esto significa también silencio por parte de Al Jazeera.

Con frecuencia aparezco en su programación en inglés y árabe, que por lo demás es excelente, pero que omitan mencionar a Bahrein es vergonzoso, como una mancha de excremento en la dignidad que han aportado al quehacer periodístico en Medio Oriente.
El emir de Qatar –a quien conozco y encuentro muy agradable– no debería humillar de esta forma a su imperio de televisión”.

(…)

“Ni para qué decir que el presidente estadunidense, Barack Obama, tiene sus propios motivos para guardar silencio.

Bahrein es el cuartel de la quinta flota estadunidense y los estadunidenses no quieren tener que marcharse de su cómodo puerto (aunque sin dificultad alguna bien podrían marcharase a los Emiratos Árabes Unidos o a Qatar en el momento que lo deseen).

Además, tienen toda la intención de defender a Bahrein de la mítica agresión iraní”.

Num outro artigo, o mesmo Robert Fisk fez a reportagem de alguns dos acontecimentos sangrentos ocorridos no Bahrein (http://www.rebelion.org/noticia.php?id=122736):

“Masacre, es una masacre, gritaban los médicos. Tres muertos. Cuatro muertos. Un hombre pasó frente a mí en una camilla en la sala de emergencias, la sangre chorreando en el piso de una herida de bala en el muslo. A pocos metros, seis enfermeros estaban luchando por la vida de un hombre pálido, barbudo, con sangre que le manaba del pecho. Tengo que llevarlo al quirófano ahora, gritaba un médico. ¡No hay tiempo, se está muriendo!

Otros estaban todavía más cerca de la muerte. Un pobre joven –18, 19 años quizá– tenía una terrible herida en la cabeza, un agujero de bala en la pierna y sangre en el pecho. El médico a su lado se volvió hacia mí, las lágrimas cayendo sobre la bata manchada de sangre. Tiene una bala fragmentada en su cerebro y no puedo sacarle los pedazos, los huesos de la izquierda de su cráneo están totalmente destrozados. Sus arterias están todas rotas. No lo puedo ayudar. La sangre caía como cascada al suelo. Era penoso, vergonzoso e indignante. Estos no eran hombres armados sino los que acompañaban al cortejo y que volvían del funeral. Musulmanes chiítas, por supuesto, muertos por su propio ejército bahreiní en la tarde de ayer.

Un camillero estaba regresando con miles de otros hombres y mujeres del funeral en Daih de uno de los manifestantes muertos en la Plaza Pearl en las primeras horas del jueves. Decidimos caminar al hospital porque sabíamos que había una manifestación. Algunos de nosotros llevábamos ramas como prendas de paz que les queríamos dar a los soldados cerca de la plaza, y estábamos gritando ‘paz, paz’. No fue una provocación –nada contra el gobierno–. Luego, de pronto, los soldados comenzaron a disparar. Uno estaba disparando una ametralladora desde un vehículo blindado. Había policías, pero se fueron cuando los soldados comenzaron a dispararnos. Pero, sabe, la gente en Bahrein cambió. No querían salir corriendo. Se enfrentaban a las balas con sus cuerpos.”

A Arábia Saudita que enviou contingentes militares e policiais para reforçar os dispositivos do Bahrein a fim de abafar a revolta, foi “salva”, pois temia-se que o “efeito dominó” fizesse efeito na sua costa Leste.

O jornalista Pepe Escobar do “Asia Times Online” referiu como o Rei da Arábia Saudita assumiu medidas financeiras dirigidas para investimentos na sociedade, a fim de evitar os levantamentos com inspiração na democracia, (http://www.diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=12732:revolucao-a-vez-do-barein-e-da-arabia-saudita&catid=86:resenhas&Itemid=107):

“Mas não surpreende que a revolta tenha eclodido nem bem o rei Abdullah pôs o pé nos seus tapetes, e apesar de toda a ação preventiva para evitar que surgissem espasmos pró-democracia entre as massas, com lançamento de um programa de 35 bilhões de dólares, que inclui um ano de benefícios para jovens desempregados, além da criação de um fundo nacional de desenvolvimento que permitirá que os jovens comprem casa, abram pequenos negócios e casem.

Em teoria, a Arábia Saudita prometeu nada menos que 400 bilhões de dólares em programas, até o final de 2014, para melhorar a educação, a saúde pública e a infraestrutura. Economista-chefe do Banco Saudita Fransi, John Sfakianakis, diz, eufemisticamente, o rei tenta criar ampla via para o enriquecimento, sob a forma de bem-estar social”.

Ao mesmo tempo, a bandeira monárquica do Emir da Cirenaica e do Rei Idris, era retirada dos baús bafientos da história para se tornar símbolo duma revolta que desde os primeiros minutos nada tinha a ver com as outras: enquanto nos outros países árabes os manifestantes iam para as praças de mãos vazias, desde as primeiras horas em Benghazi os revoltosos passearam-se com armas, até chegarem ao ponto de serem reforçados com o AFRICOM, a OTAN, a CIA e os serviços de inteligência da Grã Bretanha e da França, entre outros.

O Qatar associou-se às ingerências e começou por ganhar o prémio do primeiro carregamento de petróleo a partir de Benghazi.

Na Líbia pouco ou nada impede que a monarquia possa vir a ser restaurada.

Nas últimas semanas ficou também evidente que um dos objectivos era assassinar Kadafi.

De facto, quando está em jogo tanto dinheiro como o que a Líbia possui disperso no exterior, particularmente na Europa e nos Estados Unidos, quando a dívida pela compra de petróleo à Líbia é de tão grandes proporções, o saque em plena crise financeira torna-se uma tentação incontornável e o assassinato de Kadafi, se possível de toda a sua família, a “pedra filosofal” para se atingirem os objectivos.

Mais que o petróleo, o dinheiro da Líbia está na agenda prioritária das potências, de seus agentes e de seus instrumentos, daí a “cirurgia” da OTAN, que agora chegou à fase dos helicópteros.

A entrada em acção de unidades heli-transportadas por parte da OTAN, deixa antever uma solução análoga à que foi recentemente utilizada no Paquistão, em Abbottabad, contra Bin Laden, desta vez associada a uma cobertura aérea sem precedentes.

Os crimes multiplicam-se na Líbia e agora há notícias de terem sido lançadas bombas disseminadoras de granadas múltiplas (202) sobre a cidade de Misrata, a partir de navios da USNavy, a fim de culpar Kadafi de bombardeamentos sobre as populações (http://www.cubadebate.cu/noticias/2011/06/02/eeuu-usa-bombas-de-racimo-contra-libia-infografia/).

A União Africana não teve outra alternativa táctica: percebeu o enredo, percebeu que está perante precedentes que intoxicarão ainda mais a sua vida em África nos próximos anos, senão nas próximas décadas.

As elites africanas aprestam-se a procurar as soluções de diálogo e de paz que deveriam ter sido implementadas na altura da aprovação da Resolução 1973 pelo Conselho de Segurança da ONU há três meses atrás, quando elas próprias estão sob o ponto de vista estratégico, totalmente enredadas nas teias do capital e do império.

A sua posição é simultaneamente desconfortável, patética, obsoleta, ambígua… sem capacidade para fazer frente ao monstro do império!

Angola é um exemplo dessa ambiguidade: ao mesmo tempo que na União Africana assume no colectivo uma posição contra as ingerências externas que incendeiam a Líbia, entre elas a do AFRICOM e da OTAN, a nível bilateral, hoje dia 1 de Junho de 2011, recebe o Secretário da Marinha dos Estados unidos, Ray Mabus, que vem procurar o reforço das relações militares.

A acompanhar a visita, está em águas angolanas a fragata USS Robert Bradley, um navio da Navy muito assíduo em águas africanas e capaz de lançar bombas disseminadoras de granadas…

Se Kadafi dá sinais de procurar impedir a destruição do seu país, os rebeldes da Líbia, cujas forças adoptaram agora o rótulo de “Exército de Libertação Nacional”, mantêm-se intransigentes: um não rotundo, a juntar-se a outros anteriores, esperou a viagem do Presidente da África do Sul, Jacob Zuma, em nome da União Africana, em mais uma tentativa de encontrar soluções de diálogo e de paz para o conflito, um não entre o deflagrar das bombas do AFRICOM e da OTAN em solo africano!

Como um Presidente dum país que não abandonou a lógica capitalista como mantém inalterável a preponderância do “lobby” dos minerais desde os tempos de Cecil John Rhodes, poderá ir mais além deste esforço táctico tão previsível quão inócuo.

Que outros sinais de impotência serão precisos para uma África cujas elites tiveram horizontes tão curtos que têm desprezado os ensinamentos que nos chegam da América Latina?

África deveria estar pronta a instituir o seu próprio Tribunal Penal Internacional junto da União Africana e começar a sentar no banco dos réus as aves de rapina que continuam a esvoaçar sobre seu corpo suculento, desta feita sentar no banco dos réus os responsáveis pelas potências (Estados Unidos, Grã Bretanha, França, etc.) e pelo AFRICOM e pela OTAN, pelos amplos danos humanos e materiais provocados pela solução da guerra na Líbia.

Esses responsáveis pelo menos não deveriam pisar mais o solo africano e quem facilitasse isso deveria ser apontado imediatamente por se colocar contra os interesses do continente, em termos de oportunidade na direcção do diálogo, da paz e das possibilidades em relação à democracia.

O relacionamento bilateral militar entre Angola e os Estados Unidos provam precisamente o contrário.

Por quê e para quê receber os vasos de guerra da US Navy, quando eles, depois de tanta “boa vontade” que é transmitida em cada “partnbership”, já começaram a dilacerar solo africano?

África deveria voltar-se muito mais sobre si própria, a exemplo do que a Eritreia está a conseguir e implementar relações mais profícuas com os emergentes e com a América Latina, ALBA em particular, algo pelo qual sempre me tenho batido, considerando ser estrategicamente um erro dispersar capacidades na direcção do império arrogante e unilateral, dos Estados Unidos e da Europa!

Essa dispersão por via de relacionamentos múltiplos, não vai “salvar” as mercenárias elites africanas, cujo “valor republicano” nada tem a ver com o “valor” dos reis das arábias…

O que se passou em benefício das monarquias árabes em função do “diktat” da hegemonia ultrapassou o domínio da ficção e agora é de certo modo toda a África que está em risco, com este tipo de “jogos africanos”: os Povos levarão por tabela, em muitos casos levarão com as bombas lançadoras de granadas (sempre que a contra propaganda justificar) e poderão pagar a factura mais pesada!

Mesmo que Kadafi saia do poder, que relações serão possíveis entre os africanos e os rebeldes submissos e agenciados da Líbia, os rebeldes que afrontam agora todo o continente à sombra do poder do AFRICOM e da OTAN e em estreita conexão com esses instrumentos de ingerência do império?

Provavelmente, países “exemplarmente democráticos” (para Sarkozy), como a Costa do Marfim, a Guiné Conacry, ou o Níger, merecedores de serem observadores ao nível do G8, terão então a palavra a dizer do seu completo desmascaramento e o resto de África segui-los-á no encalço sem melhores soluções!

As repúblicas árabes por seu turno, tiveram “jogos” distintos em relação às monarquias por parte da hegemonia.

Os dois regimes mais pressionados depois das transformações na Tunísia e no Egipto, têm sido os da Síria e o do Irão, por razões óbvias.

Em relação aos dois, os “jogos” terão sido importantes na Síria, onde a influência da CIA se tem feito sentir no quadro das revoltas.

A jornalista Sara Flounders em “A Síria e o imperialismo dos EUA”, escreveu no “Global Research” com tradução no “Resistir Info” (http://resistir.info/moriente/siria_06mai11_p.html ):

“A Wikileaks denuncia o papel dos EUA.

Um artigo intitulado Os EUA apoiaram secretamente grupos da oposição síria, de Craig Whitlock (Washington Post, 18 de Abril) descreveu com grande pormenor as informações contidas em telegramas diplomáticos americanos que a Wikileaks enviou a agências noticiosas de todo o mundo e publicou no seu sítio web. O artigo resume o que esses telegramas do Departamento de Estado revelam sobre o financiamento secreto de grupos políticos da oposição, incluindo a difusão de programação anti-governamental no país através de televisão por satélite.


O artigo descreve esses esforços, financiados pelos EUA, como fazendo parte de uma campanha já antiga para derrubar Bashar al-Assad, o líder autocrático do país que assumiu o poder durante o mandato do presidente George W. Bush e continuou com o presidente Barack Obama, apesar de Obama ter afirmado estar a reconstruir as relações com a Síria e ter enviado um embaixador para Damasco pela primeira vez em seis anos.



Segundo um telegrama de Abril de 2009 assinado pelo principal diplomata americano em Damasco na altura, as entidades sírias consideravam obviamente quaisquer fundos americanos destinados a grupos políticos ilegais como equivalentes a um apoio à alteração do regime. O artigo do Washington Post descreve com algum pormenor as ligações entre a TV Barada da oposição, financiada pelos EUA, e o papel de Malik al-Abdeh, que está na sua direcção e distribui vídeos e protestos actualizados. Al-Abdeh também está na direcção do Movimento para a Justiça e Democracia, que é presidido pelo seu irmão, Anas Al-Abdeh. Os telegramas secretos relatam receios persistentes entre os diplomatas americanos de que os agentes de segurança sírios tenham descoberto o rasto do dinheiro a partir de Washington".


A repressão no Bahrein parece ter inspirado em parte a iniciativa da repressão na Síria, que se iniciou de forma extensiva e sangrenta a partir do início de Maio, em especial nas cidades da fronteira sul, com Deraa à cabeça.

A Síria teve um papel importante no apoio à Palestina e ao Líbano, mas agora que entre os palestinianos há alguma distensão, está a funcionar como catalisador dos factores de desestabilização que permitem à hegemonia sobrepor-se às potencialidades de desagregação.

As elites africanas estão a fazer um mau serviço a África ao inibir a mobilização de factores sociais e psicológicos que inibam a mobilização popular.

As elites estão a privilegiar a sua subserviência por via da lógica capitalista e isso é meio caminho para que o arco de crise penetre profundamente no continente.

Não foi feito o diagnóstico geo estratégico da situação, nem sequer se avaliou as causas profundas da crise que vem a caminho e, por isso, a África está à mercê da hegemonia do império e de todas as nervuras espalhadas de norte a sul do continente, desde a “África branca” à África do Sul.

Essa é uma versão “do Cabo ao Cairo” num novo estilo neo colonial!

Martinho Júnior - 1 de Junho de 2011.

Nota:
Na ilustração – o conceito da bomba transportadora de 202 granadas de fragmentação, um dos presentes que a África já não espera: já foi “aplicado” a Misrata!

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