Philip Oltermann - The Guardian, Londres – Presseurope
Muitos países, incluindo o Reino Unido, admiram os alemães por serem "laboriosos", mas essas qualidades pertencem a um passado distante, aponta um colunista do diário The Guardian.
Primeiro, a boa notícia: os britânicos podem estar finalmente a ultrapassar o trauma da guerra. Uma sondagem do YouGov, publicada na semana passada, sugere que a apreciação britânica sobre a Alemanha é cada vez menos associada a homens sinistros com botas da tropa. O Reino Unido pode continuar extremamente cética em relação à União Europeia e ao papel da Alemanha na mesma, mas os britânicos fazem uma análise muito ponderada sobre a forma como os alemães governam o seu país – políticos, bancos, escolas e hospitais são todos mais positivamente classificados do que os seus equivalentes britânicos. Na verdade, a Alemanha é o segundo país mais admirado na Grã-Bretanha, à frente dos EUA e apenas atrás da Suécia.
O melhor adjetivo associado pelos britânicos à Alemanha é agora "laboriosa": irónico, pois o acelerado ritmo de trabalho costumava ser a razão pela qual as pessoas não gostavam do país. Em 1906, o sociólogo Max Scheler explicava a antipatia internacional pelos seus compatriotas devido ao seu "prazer no trabalho em si – sem objetivo, sem razão, sem finalidade". Na mesma época, o seu colega Max Weber cunhava a expressão "ética protestante do trabalho", para realçar a aura quase religiosa em torno do trabalho, na sua terra natal. A Alemanha parece agora encarnar esse ideal mais do que nunca: a partir de domingo, os seus dois mais altos cargos são ocupados por pessoas de origem protestante – Angela Merkel é a filha de um pastor luterano e o novo Presidente, Joachim Gauck, foi ele próprio pastor protestante.
Agora, a má notícia: depois de abandonar uma visão da Alemanha que já perdeu validade há mais de 50 anos, a Grã-Bretanha parece ter abraçado um estereótipo ainda mais antigo. A verdade é que os alemães não trabalham mais do que os britânicos. Se alguma coisa se pode dizer é que estão a trabalhar cada vez menos.
Num relatório da UE de 2010, sobre férias, a Alemanha aparece no topo da lista, com 40 dias por ano – em comparação com os 33 dias dos "preguiçosos" da Grécia. Numa era de padrões de trabalho flexíveis e de telemóveis sempre ativos, é manifestamente difícil definir horas exatas de trabalho; mas nenhuma pesquisa recente coloca a Alemanha à frente da Grã-Bretanha, onde os empregados de escritório trabalham 43,6 horas por semana, quando a média da UE é de 40,3.
Debate nacional sobre esgotamento
Passou despercebido na comunicação social britânica, mas a Alemanha promoveu recentemente um debate nacional sobre a Síndrome de Esgotamento Profissional, ou seja, a exaustão relacionada com o trabalho. Nos últimos seis anos, dirigentes políticos, chefes e treinadores de futebol abandonaram os cargos devido ao stress. Na sua conferência anual, realizada no mês passado, até os bispos católicos alemães reclamaram de fadiga laboral – está-se mesmo a ver o que Weber teria feito com isto…
Uma investigação recente revelou que poucos psiquiatras conseguem definir com precisão esgotamento profissional em termos médicos, mas isso não desalenta os alemães. Apenas significa que a Alemanha está mais voltada para o futuro quando se trata de dar significado ao trabalho no século XXI das redes sem fios. Na versão britânica de roda de hamster, quando o diretor-executivo Lloyds, Antonio Horta-Osório, esteve seis semanas de baixa por esgotamento, foi motivo de chacota na Imprensa, que gozou com uma "misteriosa doença".
Talvez valha a pena pensar se, afinal, existe uma ideia padronizada alemã sobre o trabalho. A nova história de Harold James sobre o fabricante prussiano de aço e armas Krupp cita o fundador da empresa a sugerir que a ética protestante do trabalho podia ter menos a ver com longas horas no local de trabalho e mais com dar um sentido ao trabalho: "O propósito do trabalho deve ser o bem comum", defendia Alfred Krupp, “só assim o trabalho se torna uma bênção, uma oração." A recente decisão da Volkswagen de desligar os telemóveis dos empregados fora do horário de trabalho pode ser um indício de que esse ideal não morreu.
Será que o novo amor britânico pela vertente "laboriosa" germânica nos diz mais sobre a ansiedade britânica do que sobre a concretização alemã? Se os alemães trabalham moderadamente, soltam uma boa gargalhada pelo caminho e ainda conseguem ser a mais bem-sucedida economia da Europa, porque andam as pessoas a trabalhar tão laboriosamente no Reino Unido?
Traduzido do inglês por Ana Cardoso Pires
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