Fabíola Ortiz, Rio de Janeiro – Opera Mundi
Em encontro pelos 90 anos do PCB, pensadores dizem que "indignados" ainda não sabe o que querem, só o que não querem
Num momento de grande incerteza social e econômica causada pela crise global que atinge, em efeito dominó, países da zona do euro como Portugal, Espanha e Grécia e mobiliza países como Alemanha e França para aprovar pacotes de ajuda internacional mediante a adoção de medidas impopulares, intelectuais e representantes políticos de esquerda se reuniram, no Rio de Janeiro, para discutir rumos para este cenário ainda sombrio.
O jornalista e escritor português Miguel Urbano Tavares se mostrou pessimista diante do que classificou como uma crise estrutural sem saída. Para ele, mesmo num quadro de protestos e manifestações de jovens “indignados”, como o Occupy Wall Street, ainda faltam projetos ou propostas alternativas.
“Não se pode separar a crise europeia de uma crise global, política, econômica, militar e ambiental. Há uma crise global estrutural e não cíclica. Uma crise que não tem saída, a saída é a agressão e o saque de recursos dos povos que temos assistido nessa repetição de guerras”, argumentou Miguel Urbano, ao criticar o que denomina de “campanha de desinformação que fabrica crises e falsifica a história”.
Aos 86 anos de idade, Miguel Urbano veio ao Brasil, talvez numa de suas últimas visitas ao país, para falar sobre a crise global e a retirada de direitos sociais a convite do PCB (Partido Comunista Brasileiro) que realizou, na última semana, um evento comemorativo de seus 90 anos.
“Milhões de homens e mulheres começaram a sair às ruas em protesto, o Ocupa Wall Street, esses jovens sabem o que não querem, sabem o que recusam, mas quando se lhes perguntam qual é o vosso projeto, eles não têm ideia de qualquer tipo de alternativa ao sistema e como lutar organizadamente”, discutiu.
Na avaliação do representante do PCPE (Partido Comunista de los Pueblos de España), Severino Menendez, esta crise estrutural afeta principalmente países onde o capitalismo estava em maior desenvolvimento, entre eles, a Espanha.
O quadro espanhol é grave, analisa Menendez ao Opera Mundi. Com uma população de 43 milhões de habitantes, um quarto de sua população vive na pobreza. A Espanha já alcança níveis de desemprego acima dos 20% da população economicamente ativa, sendo que entre os jovens de até 30 anos, o desemprego atinge os 50%.
“A situação está muito grave para as condições de vida dos trabalhadores. Antes, os bancos davam muitos empréstimos para uma família comprar uma casa própria. As casas subiram muito de preço, inclusive acima do valor de mercado de forma especulativa e os bancos emprestavam dinheiro muito barato. Uma família que hipotecava uma casa a um preço médio de 200 mil euros ficaria pagando durante 30 anos, 500 euros por mês. Se uma pessoa da família fica desempregada, a renda familiar cai e a referência do crédito sobe. O que aconteceu: os bancos estão expulsando as famílias de suas casas e continuam reclamando o resto do dinheiro”.
Nos últimos cinco anos, Menendez estima que 350 mil casas já foram retiradas das famílias espanholas e muitas não tem para onde ir. “É um problema de superprodução e o sistema entra em contradição consigo mesmo. Este é reflexo direto da crise estrutural”, analisa.
O clima é de insegurança e medo entre os espanhois, admite Menendez. “A população não está realmente mobilizada, a população está com muito medo. Se geraram falsas expectativas e a indignação de jovens que não podem trabalhar, tudo isso gera protestos de forma não organizada. O movimento das praças ou dos indignados está frouxo, desinflado. É como uma onda no mar, se desfaz automaticamente”.
A perda dos direitos sociais está afetando muitos trabalhadores que passam a ter mais horas de jornada de trabalho e a receber menores salários, além de aprovações recentes de leis espanholas que “permitem despedir um funcionário mais facilmente”. A seguir neste rumo, Menendez não vê um prognóstico muito favorável e vislumbra o aumento da miséria, retrocesso e precarização das condições de vida.
Na próxima quinta-feira, dia 29 de março, uma greve geral no país promete parar os serviços públicos e levar muitos espanhois às ruas.
Grécia: dívida de 160% do PIB
Já na Grécia, país que mergulhou numa profunda crise desde 2008 e tem hoje uma dívida equivalente a cerca de 160% do seu Produto Interno Bruto (PIB), a maior relação entre os países da zona do euro, uma recuperação a curto prazo ainda é muito difícil, avalia Giorgos Marinos, membro do bureau político do comitê central do partido comunista grego KKE e deputado nacional no parlamento.
O PIB grego fechou 2011 no negativo caindo 7,5% e a previsão para este ano não é animadora, deve registrar um crescimento negativo de 5%.
A Grécia tem enfrentado dificuldades para refinanciar suas dívidas e, com isso, desperta a preocupação de muitos investidores sobre a saúde da economia grega que, apesar de seguidos pacotes de ajuste e ajuda financeira externa, o futuro da Grécia ainda é incerto.
Em abril de 2010, o governo grego aceitou um primeiro pacote de ajuda dos países europeus e do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 110 bilhões de euros ao longo de três anos. Como condição para receber o aporte financeiro, o país teve que ser obrigado a aprovar drásticos cortes orçamentários.
“São medidas anti-populares muito duras sem precedentes no nosso país. Essa agressividade é demonstrada pelas medidas bárbaras e crueis que estão sendo adotadas como condição para o empréstimo, mas nenhum centavo desse empréstimo vai para o povo grego. Todo este pacote internacional vai, no seu conjunto, para bancos e financiar os industriais, donos de empresas navais e não para ajudar o sistema de saúde e educação”, disse Marinos ao Opera Mundi.
O deputado grego é contrário aos pacotes de ajuda internacional da União Europeia e defende a saída da Grécia da zona do euro como forma de combater a crise. “A crise é do sistema, o povo não tem responsabilidade pela dívida pública. Os responsáveis são os que devem pagar. Somos contrários à Grécia receber o pacote da União Europeia”.
O volume de dívida pública grega supera, em muito, o limite de 60% do PIB estabelecido pelo pacto de estabilidade que foi assinado pelo país para integrar a zona euro.
Risco real de calote
Segundo Marinos, a crise desde 2008 foi fruto de um período anterior de taxas de crescimento de mais de 3% num período de 20 anos. “Taxas de crescimento altas que resultaram numa grande cumulação de capitais”.
O deputado grego não descarta o risco real do calote grego. “Há a possibilidade de uma bancarrota descontrolada no país”, admite Marinos ao dizer ainda que as medidas de cortes nos salários e em benefícios sociais já quebraram muitas famílias gregas.
“Falamos de uma queda de 40% no valor dos salários. Hoje em dia, o jovem trabalhador não recebe mais de 430 euros por mês, um valor que não basta para mais de uma semana”, disse.
Com uma população de 11 milhões de gregos, 1.3 milhão estão sem trabalho. A taxa de desemprego ultrapassa os 20% da população economicamente ativa do país, segundo as cifras oficiais. A pobreza no país dobrou nos últimos quatro anos e atingiu 40% da população.
Um eventual calote da economia grega terá “consequências graves, seria uma miséria sem fim”, anuncia Marinos. “O dilema hoje para os gregos é aceitar e permanecer nessa miséria e barbárie com a bancarrota, ou derrocar esse sistema e construir uma nova sociedade.
O país vem enfrentando violentos protestos nas ruas com a revolta da população que rejeita o plano de cortes na previdência, aumento de impostos, redução dos salários e demissões de funcionários públicos, condições para a liberação de novas parcelas de resgate internacional. Desde a primeira greve nacional, em dezembro de 2009, já foram realizadas mais de 25 greves gerais no âmbito nacional, além de dezenas de greves particulares em empresas privadas e centenas de manifestações.
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