Casamance
Geografia e mosaico cultural
Casamance é uma região do Senegal, a sul da Gâmbia e a norte da Guiné-Bissau cortada pelo rio Casamance. Clima quente e baixa altitude, com algumas montanhas no sudeste. Usualmente dividida em Baixa Casamance, a região de Ziguinchor, próxima ao litoral e a cidade principal, com aproximadamente um milhão de habitantes e Alta Casamance, regiões de Sédhiou e de Kolda.
Território com 32 mil 350 km quadrados, vastas florestas, agricultura fértil e com enormes reservas petrolíferas, constitui um vasto mosaico étnico, sendo os grupos principais os Diola, Mandingas, Wolof, Peul, Mancagne, Manjacas, Soninké, Serer e Bainucas.
Alguns dados históricos
A História anterior á colonização é inserida na História da região, passando pelos desenvolvimentos do Imperio do Gana e do Imperio do Mali e dos reinos posteriores. Foi sempre uma região de reinos tributários. A história colonial inicia-se, segundo alguns historiadores, em 1445 com a chegada do navegador português Dinis Dias. Uma segunda versão histórica defende que foram António da Noli e Alvise Cadamosto, que percorreram a costa da foz do rio Geba, em 1446, por ordem do Infante D. Henrique.
A colonização portuguesa foi activa na foz dos rios Casamance, Cacheu e Geba. Os comerciantes franceses já em 1459 frequentavam esta região de Casamance, principalmente a feitoria de Ziguinchor, no litoral, estabelecida pelos portugueses e vocacionada para o comércio de escravos. No século XVIII, durante o consulado do Marquês do Pombal, existiram diversas escaramuças entre portugueses e franceses, não só ao nível dos grupos de comerciantes ou lançados, mas também envolvendo tropas destacadas para a região, que exerciam o controlo dos rios.
A Conferência de Berlim (1884-1885) decidiu que os franceses passariam a exercer o controlo de toda a região de Baixa Casamance, a 13 de Maio de 1886. Em troca a França cedeu a Portugal a região de Cacine, no sul da actual Guiné-Bissau. Em 1908 os portugueses foram obrigados a ceder a região de Alta Casamance aos franceses que passaram a exercer o seu domínio por toda a Casamance. Os franceses não integraram Casamance no Senegal, estabelecendo as fronteiras desta colónia entre a colónia do Senegal e a colónia portuguesa da Guiné.
Durante o processo de independência, Casamance ficou ligada ao Senegal através de um compromisso assinado entre Senghor e o Movimento das Forças Democráticas de Casamance. Segundo esse acordo Casamance faria parte do território do Senegal durante 20 anos, após o que poderia tornar-se independente.
A questão de Casamance
O MFDC foi fundado em 1947 pelos líderes diolas Emile Badiane e Victor Diatta e pelos fulanis Édouard Diallo e Ibou Diallo. O acordo assinado em 1960 com Senghor salvaguardava o desejo de independência ao fim de 20 anos.
Em 1980, “a bem das duas nações” Senghor, apoiado pela diplomacia francesa, entendeu que não fazia qualquer sentido a separação de Casamance do resto do território senegalês e fez tábua rasa do acordo assinado 20 anos antes. As reivindicações independentistas fizeram-se ouvir nas ruas das principais cidades de Casamance e em 1982, em Ziguinchor, numa participada manifestação que reuniu mais de cem mil pessoas reivindicando a independência do território, as forças de segurança senegalesas provocaram mais de mil mortos.
Perante o aumento da repressão o MDFC optou pela luta armada, encontrando na Guiné-Bissau alguns aliados de peso. Em 2005, o presidente Nino Vieira, da Guiné-Bissau e o presidente Abdoulaye Wade, do Senegal, em conjunto com o comandante das forças do MFDC, César Badiate, que tinha assinado um acordo com o governo senegalês e renunciado á independência em contrapartida da autonomia, opondo-se á restante direção do MFDC realizaram uma operação militar conjunta para erradicar o foco da guerrilha separatista. Sem qualquer resultado positivo, o governo senegalês tem também obtido a mediação da Gâmbia, contrapondo á instabilidade das lideranças de Bissau, que se encontram divididas quanto á questão de Casamance, mudando algumas vezes de atitude.
O braço armado do MFDC é o Atika, que em língua diola significa guerreiro e foi formado em 1985. Foram assinados diversos acordos de cessar-fogo, mas nenhum foi consistente. Na década de 1990 o padre católico Augustin Diamacoune Senghor foi nomeado líder do MFDC e seguiu o mais possível uma política de diálogo com as autoridades senegalesas.
Os cessar-fogos sucederam-se mas sem produzir qualquer efeito.
Em Março de 2001 o MFDC e o governo senegalês assinam um acordo de paz, que permitiu a libertação de prisioneiros, o regresso de refugiados e o início do processo de desminagem, mas não trouxe qualquer avanço na questão da independência, o que provocou uma cisão interna no MFDC e ao recomeço dos combates. O padre Senghor reunificou o MFDC e assina novos acordos de cessar-fogo em 2004 e 2005. Estas últimas conseguiram a desmobilização parcial de algumas forças separatistas e a diminuição da violência. Mas em 2006 os combates foram retomados. Em Janeiro de 2007 o padre Senghor morreu e as divergências entre as diferentes facões do MFDC agravaram-se, gerando forte confrontos entre as facões rivais.
Os acordos sucessivos continuam a manter-se e a serem desrespeitados até hoje. Casamance é um imenso laboratório experimental, onde cruzam-se genuínos desejos de independência, com questões de inter-relacionamento étnico e cultural, interesses de classe e interesses estrangeiros, tendo uma vez mais a França por detrás das manobras de diversão e manipulação na região da Africa Ocidental que teima em considerar e tratar como o seu quintal das traseiras. Uma França generosa, sempre disposta a partilhar com os parceiros europeus e os amigos Norte-Americanos, algumas fatias dos produtos do seu enorme quintal e a espalhar as migalhas pelos seus dealers e agentes locais.
Para terminar. Uma manobra de mestre dos interesses neocoloniais. O governo agenciado do Senegal negociou (com a autorização e supervisão dos seus parceiros maiores da Securité) uma substancial concessão das reservas petrolíferas de Casamance, com a petrolífera estatal da Malásia. O financiamento é da Banca Francesa, os comissionamentos das operadores de suporte francesas, o suporte logístico e de segurança das companhias francesas. A mão-de-obra é proveniente da Malásia, mais barata e do Senegal, claro, a custo quase zero. E a Marselhesa como musica de fundo…
Fontes
Linda J. Beck; Patrimonial democrats in a culturally plural society : democratization and political accommodation in the patronage politics of Senegal; University of Wisconsin, Madison, 1996.
Séverine Awenengo; À qui appartient la paix ? Résolution du conflit, compétitions et recompositions identitaires en Casamance (Sénégal); Journal des Anthropologues, 2006, n° 104-105.
Boucounta Diallo; La crise casamançaise : problématique et voies de solutions; L'Harmattan, Paris, 2009. ISBN 978-2-296-09884-8
Moustapha Gueye; Pluralisme et rôle des médias dans les conflits en Afrique de l'ouest dans les années 1990 : Le cas spécifique de la Casamance (Sénégal); Université Paris 2, 2008, (thèse de doctorat de Sciences de l'information)
* Ver todos os artigos de Rui Peralta – também em autorias na barra lateral
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