Marcolino Moco* – À Mesa do Café
Voltasse o tempo para trás, e revivesse o 4 de Abril de 2002, não me imaginaria hoje a escrever este texto, em pleno período eleitoral, dez anos depois do reacender de esperanças que aquele dia trouxe, após cerca de 40 anos de guerras de libertação nacional, umas, e fratricidas, outras. Neste momento imaginar-me-ia calmo e sereno a espera do dia de colocar o meu boletim de voto numa urna, a favor do candidato da minha preferência para presidenciais, ou do meu partido em legislativas, nos termos duma constituição resultante de anteriores consensos nacionais, arduamente reunidos.
Mas não. Tenho de acordar por essas horas, abandonados os projectos de outros de tipos de literatura, para estar aqui debruçado sobre estas eleições ensombradas com perspectivas de manifestações contra correntes e possíveis fraudes; e por outras legítimas manifestações, por problemas sociais não resolvidos em tempo oportuno, devido a prioridades castiças;
com compatriotas meus a pedir-me “um conselho de mais velho” no facebook e nas conversas do dia-a-dia, sobre se vale a pena ou não permanecer nesta ou naquela cidade, no dia 31 de Agosto e proximidades. E um panfleto electrónico cobarde a invocar discursos de “somalizações de Angola” proferidos há vinte anos, em contextos completamente ultrapassados.
É agora que se vê tão claro, como vejo este laptop em que teclo, a falha rotunda da “arquitectura da paz” do Presidente José Eduardo dos Santos, ele próprio envolvido numa campanha anti-reconciliatória, com a necessidade premente de voltar à gastíssima tecla da invocação inconsequente, quiçá, perigosa dos que “partiram o país”. Uma campanha em que, por razoabilidade histórica, em inícios da segunda década do século XXI, ao perfazer 70 anos de vida e 33 anos de poder efectivo, até por respeito à sua própria palavra, já não devia participar. E tudo estaria muito muito bem, sem qualquer tipo de colapso daqueles que vaticina o autor do barato e anacrónico panfleto electrónico, caso a oposição tenha um bom resultado nestas eleições que se realizam num escandaloso “ plano inclinado” a seu desfavor.
É hoje que vivemos, de facto, as consequências da partida prematura de Neto que, apesar dos erros, em contextos em que dificilmente um homem do seu tempo e carácter contornaria, nos deixou um sinal claro de uma liderança criativa; e mesmo um sinal de arrependimento sobre os seus equívocos humanos, em direcção a uma verdadeira reconciliação nacional.
Não partisse Neto tão cedo, acredito hoje que com Holden Roberto (que cedo entendeu que nada se ganhava com lutas fratricidas) e mesmo com Jonas Savimbi, cujas motivações do tumultuado pensamento e acção política começam agora a ser reavaliados, teríamos hoje uma Angola diferente daqui temos hoje, onde nenhuma liderança consegue erguer-se acima sequer de meros interesses familiares, num país onde tudo chegaria para todos. E é pena!
Como é que é ainda hoje necessário que um partido tão grande, como o MPLA, tenha de rebuscar discursos incendiários do passado, para ganhar eleições, criando pretextos para que a oposição faça o mesmo, renovando ódios e desestabilizando o futuro?
Mas nunca “tudo está perdido”. Lideranças abertas e criativas hão-de acontecer em Angola.
Terão de acontecer. Por isso já consegui recupera-me da recaída de Benguela para escrever este texto. Nem voltei a soçobrar, quando jovens do Huambo me apresentaram aqueles semblantes derreados numa aparentemente insuperável incredulidade no futuro, em conferência que lhes proferia sobre “O perfil económico e social da província do Huambo”, com as minhas ideias optimistas sobre o ulterior desenvolvimento do Província, com a reabilitação do CFB e requalificação da Barragem do Gove.
Por isso escrevi “Angola: a terceira alternativa”, deixando a minha contribuição para o reencontrar de caminhos perdidos, em direcção a uma Angola verdadeiramente reconciliada na sua diversidade e unidade desejadas e possíveis.
Em “Angola: a terceira alternativa” falo sobretudo do que se pode e deve fazer, independentemente do que resultar destas eleições, para nos libertamos do autoritarismo por vezes “sorridente” que vivemos hoje em Angola. Mas falo também do que ainda assim se pode e deve fazer nestas eleições para, quanto mais não seja, aliviarmos este regime que muitos,
com toda a razão, já chamam, no mínimo, de ditadura de disfarçada terminologia democrática.
O meu conselho de “mais velho” aos que mo pedem, é que não abandonemos cidade nenhuma e votemos contra o que demais grave aconteceu neste país depois das eleições legislativas de 2008: um golpe jurídico-constitucional contra a paz e a reconciliação nacional, que fora antecipado de outro golpe espectacular, contra a debutante democracia dentro do próprio MPLA, dez anos antes, no seu Congresso de Dezembro de 1998.
Tenho garantias informais para vos dizer que a haver confusão, ela não virá da oposição e nem mesmo do verdadeiro MPLA, mas da escassa minoria que quer amedrontar algum eleitorado incómodo, que poderia evitar o reforço de um golpismo que já nos trouxe tantas surpresas desagradáveis:
- Jovens e seus apoiantes de braços e cabeças partidas em manifestações pacíficas;
- Míngua de água e luz em cidades, bairros e povoações, enquanto somas enormes de dinheiro são desviadas para excentricidades colectivas e individuais;
- Compra e ou destruição dos maiores símbolos da nossa consciência ético-moral, cívica e religiosa;
- Banalização da Lei, da Justiça e dos magistrados, que já haviam atingido um alto grau de honradez e profissionalismo, mesmo nos tempos em que cantavam as armas;
- Usurpação superiormente comandada de terras ancestrais de muita gente, destruição do seu património habitacional em troca de tendas (em tempo de paz!) ou pura mata;
Tudo reforçado com o monopólio da comunicação social em todos os sentidos, até o controlo de cada uma das nossas vidas, através de familiares e exclusivas redes telefónicas;
Entre tantas e algumas delas indizíveis desgraças.
Huambo, aos 20 de Agosto de 2012
* Marcolino Moco é ex-primeiro-ministro de Angola
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