Estado do Emigrante
– Direto da Redação
O Conselho de
representantes de emigrantes não deu certo, todo mundo sabe. E por que não deu
certo ? Porque o MRE, Ministério das Relações Exteriores, traiu os emigrantes
na I Conferência Brasileiros no Mundo, para adotar um formato de política de emigração
que lhe garantia uma importante verba como tutor dos emigrantes.
Antes de escrever
esta coluna, fui ao sítio Brasileiros no Mundo e vi como foi resumido e
deturpado o vídeo do final da I Conferência. Quem ouvir o final do vídeo
compreenderá também que o objetivo simplista do MRE, em 2008, era o de criar
apenas a Conferência anual Brasileiros no Mundo, no qual os emigrantes seriam
representados por um pequeno grupo de privilegiados, encarregado de apresentar
as reivindicações dos brasileiros do exterior.
Essas
reivindicações seriam compiladas num documento chamado Ata Consolidada. A
seguir, a recém-criada Subsecretaria das Comunidades Brasileiras no Exterior
levaria tais demandas à direção do MRE, que, por sua vez, deveria levá-las ao
governo. Os diplomatas da época, Oto Maia, Moscardo, Gradilone e o próprio
Celso Amorim deviam pensar ser fácil tapear as lideranças emigrantes com esse
projeto primário e chinfrim, revelador do nível de consideração em que são
tidos os emigrantes pelos diplomatas.
Mas armada a
ratoeira, o rato não entrou. E aqui começou uma história de conscientização
política e revolta, jamais esperada pelo Itamaraty, mas que vem lhe valendo um
desprestígio crescente. Os emigrantes não são trouxas e hoje a Subsecretaria
SGEB virou um rabo de foguete, que pode custar um péssimo fim de carreira para
diplomata. Pode ser também um péssimo começo de carreira.
Porque o rato não
entrou na ratoeira ? Porque ficou evidente, naquela I Conferência Brasileiros
no Mundo, o mínimo e o ridículo oferecido aos emigrantes. A política brasileira
de emigração oferecida pelo Itamaraty era de provocar gargalhadas em países com
experiência na matéria, como Portugal, Itália e até a França.
Diante das migalhas
oferecidas, redigimos um abaixo-assinado no qual rejeitávamos como insuficiente
a Ata Consolidada e pedíamos uma Comissão de Transição para se criar um órgão
institucional emigrante. Houve 135 assinaturas para 170 presentes. Era maioria
mais que absoluta. Porém, acabou sendo rejeitada pelo presidente da mesa, Oto
Maia, por não haver consenso, como se no Parlamento os projetos fossem
aprovados por consenso e não pela maioria.
Embora o tal
abaixo-assinado tivesse sido discutido e filmado durante 45 minutos, no final
da I Conferência Brasileiros no Mundo, acabou sendo ignorado na Ata Consolidada
pelo relator da Europa e só foi mencionado diante de nossos protestos.
Protestos inúteis, porque na última versão da Ata Consolidada desapareceu por
completo, num ato de prestidigitação do Itamaraty, que eu considero como fraude
vergonhosa.
Por que ? Porque
nessa altura era importante a verba do governo para o Itamaraty tutelar os
emigrantes. Qualquer tentativa de se desviar essa verba para um órgão
institucional emigrante, uma Secretaria dos Emigrantes, independente, se tornou
tabú e sacrilégio.
Em lugar de uma
Comissão de Transição, pedida pela maioria, o Itamaraty ofereceu um Conselho de
Representantes, CRBE, mas previamente emasculado, uma espécie de órgão eunuco,
sem qualquer autonomia e sob tutela, cujos membros funcionariam como uma
espécie de entregadores de café para os diplomatas – voluntários e sem verba
nem para viagens fariam o trabalho de campo e entregariam ao seus tutores, bem
pagos, que lhes afagariam a cabeça como agradecimento.
O CRBE foi eleito
por 0,02 % dos emigrantes e houve fraudes. Embora para os emigrantes nada
representasse, foi para alguns eleitos a chance de terem um cartão de visita
com brasão da República, prestígio e alguns holofotes do show Focus Brasil,
financiado também pelo Itamaraty. Entre o mito, engodo e enganação, o CRBE veio
se arrastando até aqui.
Diante de minhas
denúncias, tentaram me expulsar de um cargo de suplente. O tiro saiu pela
culatra. Quem acabou saindo foi o autor da proposta de minha expulsão. Ao me
titularizar, descobri um CRBE inerte. Embora considerado órgão de interlocução,
tinha sido desconectado do Itamaraty. Os diplomatas perceberam que, na
tentativa de criarem um conselho dócil e submisso, tinham formatado um órgão
inócuo e inútil.
Continuamos
denunciando esse CRBE cheio de astros apagados, nas nossas conferências em
Zurique, Berna, Genebra, Bienne, Boston, Nova Iorque, Newark e nos nossos
textos pela mídia alternativa. Mas já não estávamos tão sós como no início.
Hoje somos milhares no Facebook e o projeto de uma verdadeira política de
emigração circula mesmo entre parlamentares e políticos.
Ao mesmo tempo, a
presidente Dilma também foi informada do fiasco da política brasileira de
emigração. E fechou a torneira das verbas – nem reunião presencial do CRBE e
nem Conferência Brasileiros no Mundo, mesmo se isso é exigência de Decreto.
Depois de
abandonado alguns meses pelo Itamaraty, que rejeita o filho mal formatado, nos
chegou, enfim, uma carta do novo diretor da Subsecretaria das Comunidades
Brasileiras no Exterior, o embaixador Sérgio França Danese, cuja experiência
anterior era parlamentar.
Veio em linguagem
diplomática, mas quem entende itamaratês, pode ler, segue em anexo. Com a
experiência de jornalista, acostumado a ler nas entrelinhas dos discursos e
comunicados oficiais, tenho uma péssima informação.
Com medo dos
protestos e sem verba, o Itamaraty não fará outra Conferência Brasileiros no
Mundo. Poderia aproveitar o mês de novembro, mês de eleições no Brasil, para
eleger novo CRBE, porém esse conselho, suspenso e em moratória, deverá ser
revisto e ter outro formato. Em outras palavras, o Itamaraty decidiu aplicar a
eutanásia ativa no CRBE.
A opção do
embaixador Danese é a de deixar vencer os mandatos dos membros do CRBE. Assim,
o Itamaraty poderá imaginar, quem sabe, outra solução menos minimalista para
tutelar os emigrantes sem tanta confusão e falta de resultados. Como bom
diplomata, em respeito aos antecessores, fala em não abrir mão do patrimônio
construído (!).
Seria melhor não só
ignorar tudo feito até agora, não vejo nenhum patrimônio construído a lamentar,
e entregar a nós emigrantes a sequência. Aceitar o fracasso e o erro de se
imaginar que um órgão sem verba, sem autonomia, sem independência, de
emigrantes tutelados por diplomatas, pudesse funcionar e dar certo.
Seria bom se a
presidenta tivesse cinco minutos para os emigrantes e, diante do fracasso do
CRBE que é também do Itamaraty, criasse uma Comissão de Transição para uma
Secretaria dos Emigrantes ou, para ganhar tempo, já criasse a Secretaria dos Emigrantes,
mas, é claro, com emigrantes que defendem esse projeto.
Rui Martins
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