Relatório do Centro
de Integridade Pública (CIP) de Moçambique denuncia casos de favorecimento de
empresas ligadas a ocupantes de cargos públicos, inclusive do atual presidente
da República, Armando Guebuza.
Os interesses de
empresários que ocupam cargos públicos no governo de Moçambique têm sido
privilegiados em uma série de concessões e parcerias aprovadas pelo Conselho de
Ministros nos últimos quatro anos.
A denúncia é do
Centro de Integridade Pública (CIP), fundado em 2005 para promover a
transparência política em Moçambique. Uma base de dados de interesses
empresariais no país mapeia a atuação de políticos no governo que têm
interferido na economia nacional.
O documento enumera
oito casos em que firmas registradas no nome de integrantes da alta hierarquia
do governo e membros da FRELIMO foram beneficiadas. A Frente de Libertação de
Moçambique governa o país desde a independência em 1975.
Privilégio para
quem está no governo
Entre os
favorecidos destaca-se a SPI Gestão e Investimentos. O conglomerado pertence
aos deputados da Assembleia da República de Moçambique Teodoro Andrade Waty e
Manuel Tomé, além do administrador do Instituto Nacional de Turismo, José
Augusto Tomo Psico.
O responsável pelo
levantamento no CIP, Milton Machel, dá destaque para a exploração de uma linha
ferroviária e um porto em Techobanine, na província de Maputo. A sociedade Bela
Vista Holdings, composta pela SPI, foi autorizada de se encarregar do
empreendimento sem concurso no fim de 2011, quando a Lei das Parcerias
Público-Privadas já estava em vigor, explica Machel.
"No caso da
parceria público-privada que foi concessionada à Bela Vista Holdings S/A, que é
um consórcio entre a SPI, a empresa pública CFM [Portos e Caminhos de Ferro de
Moçambique] e a Salamanga Investimentos, é o caso que revela de forma mais
clara que o poder político ignora a existência de determinadas leis",
explica.
Beneficiada mais de
uma vez
Em 2008, a SPI foi
beneficiada em outra decisão do Conselho de Ministros. Nessa ocasião, ela
aparece como acionista da empresa Afrodrill, contratada por adjudicação direta
para executar obras que levariam água potável para zonas rurais de Moçambique.
Outros nomes do
governo também detém ações da companhia, segundo Milton Machel. "A
Afrodrill contém 80% da carteira de empreendimentos do governo, no que diz
respeito aos furos de água nas zonas rurais. Também faz parte dessa empresa a
Lindex, uma empresa do antigo ministro da Indústria e Comércio", conta.
Machel explica que
na época em que foi dada essa concessão, António Fernandes ocupava o cargo de
ministro da Indústria e Comércio e que por ser membro do Conselho de Ministros,
participou na tomada de decisão sobre assuntos que beneficiariam os seus
interesses como empresário, esclareceu o jornalista investigativo do CIP.
Para além disso,
existe ainda outro caso envolvendo a SPI que não entrou no relatório, conta.
"Em 2009 ou em 2010, a SPI ganhou o direito de vender um patrimônio que
pertencia ao Banco de Moçambique, nomeadamente um edifício na África do Sul
onde funcionava a representação do Ministério do Trabalho", relata Michel
contando que na altura ainda fez um levantamento sem concluir como aconteceu
todo o processo.
Atualmente, com a
descoberta de grandes jazidas minerais em Moçambique, o estudo também
demonstrou a criação de empresas de extração em nome dos mesmos políticos que
já detinham outras companhias nos ramos mais rentáveis anteriormente. O setor
energético também aparece no documento com três empresas recentemente abertas,
como a Marrangue Engineering, comandada pelo ex-ministro dos Recursos Minerais,
Castigo José Correia Langa.
O presidente está
na lista
O nome do atual
presidente de Moçambique, Armando Guebuza, é citado no relatório como detentor
do conglomerado empresarial Focus 21, junto aos filhos. Atuante principalmente
no setor de serviços, a Focus 21 aparece como interessada na atividade de
casinos no país justamente quando a lei que facilita os negócios no ramo entra
em processo de revisão.
O mapeamento do CIP
mostra como novas empresas foram criadas por integrantes do governo para
explorar setores de maiores rendimentos de acordo com a época.
Nos tempos em que a
economia moçambicana girava em torno da pesca, no início dos anos 1990, tiveram
destaque empresas como a Mavimbi, detida pelo atual presidente da República,
Armando Guebuza, e já então ocupante de cargos de alta hierarquia no governo.
Alguns anos depois, também a extração madeireira foi privilegiada segundo o
CIP.
A reportagem da DW
África entrou em contato com a FRELIMO, cujo líder é Armando Guebuza, mas não
foi atendida. Para o Centro de Integridade Pública, os casos dificilmente serão
investigados porque os responsáveis pela fiscalização também são indicados
políticos do próprio governo envolvido nas denúncias.
Autora: Patrícia
Álvares - Edição: Bettina Riffel / António Rocha
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