Bradford DeLong - Público, opinião
As duas primeiras
vertentes da crise do euro – uma crise bancária que resultou da alavancagem
excessiva em ambos os sectores público e privado, seguida de uma acentuada
queda na confiança nos governos da zona euro – têm sido abordadas com sucesso,
ou pelo menos parte delas. Mas isso deixa o terceiro, mais longo e mais
perigoso factor subjacente à crise: o desequilíbrio estrutural entre o Norte e
o Sul da zona euro.
Primeiro, as boas
notícias: o receio de que os bancos da Europa poderiam desmoronar, com a fuga
dos investidores em pânico pela sua segurança, produzindo uma grande depressão
europeia, parece ter agora terminado. Da mesma forma, o medo, alimentado
inteiramente pela política disfuncional da União Europeia, de que os governos
da zona euro pudessem faltar aos compromissos – causando, desse modo, as mesmas
consequências terríveis – começou a dissipar-se.
Se a Europa pode evitar uma depressão profunda, isso depende da forma como
lidará com estes dois aspectos da crise. Mas se a Europa, como um todo, puder
evitar décadas perdidas de crescimento económico, o que ainda persiste na
balança, isso depende se os governos do Sul da Europa conseguem restaurar
rapidamente a competitividade.
O processo, pelo qual o Sul da Europa se tornou pouco competitivo em primeiro
lugar, foi conduzido pelos sinais dos preços de mercado – pelos incentivos que
esses sinais lançaram aos empresários e pela forma como as respostas racionais
de cada empresário se desenrolaram em termos macroeconómicos. Os europeus do
Norte, com dinheiro para investir, estavam dispostos a emprestá-lo, com
extraordinárias condições de pagamento, a quem quisesse gastá-lo no Sul e o
vasto poder de compra pré-2007 fez com que as entidades patronais tivessem
vontade de aumentar os salários rapidamente.
Como resultado, o Sul da Europa adoptou uma configuração económica em que os
níveis dos salários, dos preços e da produtividade faziam sentido, contando que
gastasse 13 euros por cada 12 euros que ganhasse, com o Norte da Europa a
financiar o euro em
falta. O Norte da Europa, entretanto, adoptou níveis
salariais e de produtividade que faziam sentido, contando que gastasse menos de
um euro por cada euro que ganhasse.
Agora, se, como parece ser o caso, a Europa não quer que o Sul gaste mais do
que ganha e que o Norte gaste menos, então, os salários, os preços e a
produtividade têm de mudar. Se não olharmos para a geração anterior e
lamentarmos as décadas “perdidas”, os níveis de produtividade da Europa do Sul
precisam de subir em relação aos níveis da Europa do Norte; e os níveis dos
salários e dos preços precisam de descer em cerca de 30%, para que o Sul possa
pagar a sua caminhada com exportações e para que o Norte da Europa possa gastar
os seus proventos nesses produtos.
Se a intenção é preservar o euro, e evitar a estagnação, cinco medidas
políticas poderiam ser tomadas:
1) o Norte da Europa poderia tolerar uma inflação mais alta – uns dois pontos
percentuais extra, durante cinco anos, iriam tratar de um terço do total
ajustamento Norte-Sul;
2) o Norte da Europa poderia expandir a democracia social, ao tornar os seus
Estados-providência mais generosos;
3) o Sul da Europa poderia reduzir os seus impostos e serviços sociais
substancialmente;
4) o Sul da Europa poderia reconfigurar as suas empresas para se tornarem
motores da produtividade;
5) o Sul da Europa poderia impor a deflação.
A quinta opção talvez seja a menos sábia, pois implica as décadas perdidas e o
colapso da UE que a Europa está a tentar evitar. A quarta opção seria
maravilhosa; mas, se alguém soubesse como elevar as empresas do Sul da Europa
até aos níveis de produtividade das do Norte, isso já teria acontecido.
Sendo assim, resta-nos uma combinação das três primeiras opções, também
conhecida como “políticas para relançar o crescimento na Europa” – uma frase
que surge em cada comunicado internacional. Mas os comunicados nunca entram em pormenores. Os
tecnocratas da Europa compreendem o que é que a adopção de “políticas para
relançar o crescimento na Europa” significa. Pelo menos alguns dos políticos
europeus. Mas os eleitores europeus não compreendem, uma vez que os políticos
temem que explicar as políticas limitaria o avanço das suas carreiras.
Mas se a Europa não adoptar algum tipo de combinação das três primeiras opções,
como sendo objectivos políticos dos próximos cinco anos, terá de enfrentar uma
dura escolha: ou perder décadas para o Sul da Europa (e, quem sabe também para
o Norte da Europa) ou continuar com os desequilíbrios de pagamento Norte-Sul
que terão de ser financiados por meio de transferências fiscais – ou seja,
sobrecarregando o Norte.Os políticos do Norte da Europa deveriam ser mais
explícitos sobre o que realmente significam as “políticas para relançar o
crescimento na Europa”. Caso contrário, daqui a dez anos, serão obrigados a confessar
que a hesitação de hoje obrigou a enormes obrigações fiscais adicionais no
Norte da Europa. Algo que poderá vir a ser o ultimato para o falhanço de uma
carreira.
Tradução: Deolinda Esteves/Project Syndicate
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