Leocardo – Hoje Macau, opinião
O
Hotel Grand Lisboa, em Macau, foi eleito no último mês de Agosto um dos dez
edifícios mais feios do mundo por um conhecido website de viagens. É claro que
isto é tudo uma questão de gosto, mas eleger um dos maiores e mais conhecidos
investimentos “casineiros” do território um edifício “feio” tem muito que se
lhe diga. Isto leva-nos a perguntar: é Macau uma cidade feia e desarrumada?
Terá existido um erro de “casting” que levou à construção desenfreada e mal
planeada? Será que a nossa querida terra, que tanto amamos, tem edifícios que
ferem a vista a quem tenha o mínimo de bom gosto? Grand Lisboa à parte, penso
que sim.
É certo que Macau é
uma cidade próspera, com uma economia que se recomenda e um exemplo de sucesso,
mas os turistas que nos visitam não o fazem pela mesma razão que visitam
Barcelona, Paris ou Veneza. Macau não é uma cidade bonita. É uma cachopa que
não ficou rica graças aos seus lindos olhos. Mas já foi mais formosa, e a
cidade velha – se tal conceito se pode aplicar à sua pequenez – é bem prova
disso. Aliás a aposta na preservação dos edifícios históricos e do património
foi muito bem feita, e até nos valeu o reconhecimento da UNESCO. Valha-nos
isso, pelo menos.
Mesmo assim basta
dar uma olhadela do terraço de um prédio mais alto para verificar uma série de
equívocos, casos de desleixo gritantes, autêntico terrorismo urbano praticado
por patos-bravos e gente incompetente. São edifícios novos e altos encaixados
ao lado de outros rasteiros e decadentes, caixas de fósforos improvisadas com o
único intuito de vender e enfiar gente lá dentro. Outros envelhecidos e
castigados pelo clima quente e húmido, que há muito precisavam de restauração,
e cuja degradação se nota mais durante os dias cinzentos. É cinzento sobre
cinzento, com grades enferrujadas nas janelas a lembrar gaiolas. Como alguém
uma vez disse, Macau vista de alguns pontos parece uma favela. Ninguém se
preocupa muito com a estética, e onde existe um terreno o que importa é
construir, vender, e lá vão sempre os mesmos a sorrir a caminho do banco. E às
vezes constrói-se depressa e mal, sem qualidade, e assim vão aparecendo casos
como o do edifício Sin Fung, e quem sabe outros idênticos no futuro.
O mais curioso e
até engraçado é a designação que se atribui a muitos destes projectos, tantos deles
feios que até dão pena. Alguns edifícios são designados por “jardim” (花园), sem que
ali exista uma florzinha que se cheire, e baptizados com nomes apetecíveis,
como “Mar Dourado”, “Nova Cidade” ou “Mares do Sul”. O próprio Sin Fung
significa “Caridade Abundante”, que se explica pelo facto de um dia o terreno
ter pertencido à Associação de Beneficência Tung Sin Tong. Que bonito, só é
pena esta história linda ter acabado tão mal. Não sei se é alguma piada, ou se
é alguma tradição com “feng-shui” à mistura, mas a verdade é que muita da gente
que vive nestes locais com nomes tão bonitos só o faz porque não tem outra
alternativa. Na zona do Terminal Marítimo existe um complexo habitacional, o
“Centro Internacional de Macau”, nome firme, que inspira confiança, dotado de
moradias espaçosas onde residir chegou a ser considerado um luxo. Actualmente é
o retrato do degredo e do abandono, serve de morada a todo o tipo de marginais,
onde floresce o alojamento ilegal – as tais “pensões ilegais”. É um local muito
pouco recomendável. Este é um caso grave de desleixo e que ilustra bem o que se
vai passando em Macau.
O Centro Internacional foi-se tornando decadente à vista de
todos, e ninguém fez nada para o impedir.
É triste olhar para
o verdadeiro atentado que tem sido cometido nos últimos anos na zona histórica
da cidade, onde o comércio tradicional tem sido obliterado por lojas caras,
envidraçadas, com reclames luminosos pirosos e gritantes, e que muito pouco têm
a ver com a matriz de Macau. São as joalharias, as relojoarias, as
ourivesarias, os cosméticos, as lojas de roupa e calçado de marca. Tudo
destinado aos turistas da China continental, que guiados pela sede consumista
pouco se importam que ali se esteja a atentar contra um património qualquer. E
que venham muitos turistas, que venham mais, que aquelas rendas são bastante
caras. Ali não cabe nada de original, indústrias criativas locais e outras
brincadeiras.
Mesmo os casinos
não destoam desta grande farsa. Falei há pouco de Veneza, e existe mesmo no
território uma Veneza em ponto pequeno, e penso que não preciso de nomeá-la –
todos a conhecemos. É uma Veneza de papel e plástico, com canais de imitação
por onde deslizam sobre água de piscina Gôndolas tristonhas conduzidas por
gondoleiros risíveis. Só quem nunca visitou aquela pitoresca cidade italiana
pode achar uma ponta de piada a esta quase insultuosa cópia. Mesmo os restantes
empreendimentos “casineiros” no COTAI não são propriamente bonitos ou
interessantes. Construções de luxo sem um pingo de originalidade ou interesse,
cheios de lojas e mais lojas inacessíveis ao residente local médio, e que
apenas servem a população de Macau com pontuais locais de entretenimento, mesmo
assim caros. Os aterros e os seus casinos serviram o seu propósito original:
gerar receitas e criar empregos, mas em termos de beleza e de estética deixam
muito a desejar.
Na península de
Macau temos na zona do NAPE uma “strip” que muitos comparam à de Las Vegas. Os
que nunca foram a Las Vegas, claro. Existe ali um mastodonte baptizado com o
nome de um célebre monumento parisiense que vai contra todas as regras de bom
senso e que chega mesmo a exceder a altimetria recomendável para aquela zona da
cidade, que até está regulada por lei. É mais uma prova do princípio do “posso,
quero e mando” que por aqui impera quando se trata de fazer dinheiro. Existe
perto do centro um hotel-casino cuja temática é inspirada nas casas reais
europeias. Uma macedónia indigesta de motivos, onde convivem lado a lado
guardas do palácio de Buckingham e Marias Antonietas de peitos robustos.
Perante tudo isto o Grand Lisboa até não fica muito mal na fotografia. Tudo
para turista chinês ver, claro, enquanto se encaminha indiferente para aquilo
que realmente interessa: o casino.
Não podia deixar
aqui de mencionar outros casos lamentáveis de edifícios que estão vetados ao
abandono, que ocupam um espaço significativo, à vista de todos, e que se
encontram completamente desaproveitados. São exemplo disso o edifício do antigo
Tribunal, na Praia Grande, que demora a encontrar uma solução definitiva para o
seu uso; o Centro Católico, na Rua do Campo, que a Diocese podia reabilitar e
tornar num espaço funcional, depois de pelo menos 15 anos sem servir nenhum
propósito; o Hotel Estoril, outrora um dos mais belos de Macau, e actualmente uma
ruína decadente; o casino flutuante, outrora uma referência, actualmente a
naufragar na zona do Fai Chi Kei, qual barco fantasma; e o caso mais grave de
todos, o Hotel Internacional, na Av. Almeida Ribeiro, com um passado
respeitável, e que hoje parece ter sido rebentado por um ataque terrorista.
Assim como estes devem existir outros na mesma situação, um pouco por todo o
território. Não haverá uma forma de obrigar que os seus proprietários resolvam
estes atentados urbanísticos com que todos os dias nos deparamos?
Se existe realmente
um plano de ordenamento, seja ele para bairros antigos, novos ou seja para o
que for que nos querem meter à frente dos olhos, está a ser eternamente adiado
ou grosseiramente ignorado. Para os turistas que chegam, mastigam, deitam fora
e depois vão embora, pouco importa. Mas e para nós que somos obrigados a viver
aqui e vemos a nossa cidade a tornar-se cada vez mais velha, feia e abusada?
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