domingo, 13 de janeiro de 2013

Droga: “MULAS” EUROPEIAS DE PÓ BRANCO PERUANO




LE FIGARO, Paris – Presseurop – foto AFP

Duramente atingidos pela crise, Roberta, avó espanhola, e Jeremy, padeiro francês, responderam às sereias tentadoras do dinheiro fácil. A sua missão era passar cocaína no Peru. Vegetam hoje, numa prisão de Lima.


Aeroporto de Lima, 19 horas. Na sala de embarque, os voos noturnos com destino à Europa foram já anunciados. Debruçado num passadiço por cima da área das bagagens, um agente da Dirandro (Direção Antidroga da Polícia Nacional do Peru) observa o bailado dos passageiros, detetando os que lhe parecem nervosos ou a evitar ostensivamente cães e polícias fardados. Em baixo, outros agentes analisam os rostos: olhos vermelhos e cavados, língua branca e hálito carregado de látex denunciam inevitavelmente as “mulas” que ingeriram cocaína.

De repente, num movimento impercetível, um homem e respetiva mala são extraídos da multidão. O suspeito é levado para um gabinete da Dirandro, onde é algemado no tornozelo e no pulso. A mala aberta revela um tapete de jogos para crianças... Os inspetores não levam mais de dez minutos a extrair dos forros acolchoados cerca de três quilos de cocaína pura, cuidadosamente acondicionada em sacos de plástico pretos. “Desta vez, é um romeno”, diz o comandante Anderson Reyes, chefe do Departamento Antidroga do aeroporto, onde são apanhados, em média, oito quilos de cocaína por dia. “Há também gregos, búlgaros, franceses e, claro, espanhóis, os mais numerosos... Este ano, o número ultrapassou o dos passadores peruanos. Todos dizem a mesma coisa: a crise económica é que os levou a fazer isto.”

Cotonete azul assinala presença de cocaína

O fenómeno é desmesurado: dos 695 europeus presos no Peru, 90% foram apanhados por transporte de droga. Em 2011, o país tornou-se o maior exportador de cocaína para a Europa. As “mulas” que escapam às malhas da polícia chegam a ganhar dez mil euros. Para os outros, a viagem acaba muitas vezes na prisão de Callao, vizinha do aeroporto. Uma prisão com uma fama terrível, semelhante à do bairro que a rodeia.

Um grupo de franceses e espanhóis sai do pavilhão reservado a estrangeiros e entra num dos pátios, onde foram dispostas algumas cadeiras. Rapidamente, os traficantes profissionais esquivam-se, mas os outros ficam para contar o que aconteceu nesse filme incrível em que se tornou a sua vida. É o caso de Timoteo, ex-porteiro de discoteca em Barcelona: “Só tinha trabalho aos fins de semana, a minha mulher estava grávida e tínhamos dois meses de renda de casa em atraso. Foi então que me apresentaram um tipo chamado David. Ele propôs-me ganhar um monte de dinheiro nesta viagem ao Peru, com todas as despesas pagas, sem riscos. Hesitei, mas ele voltou à carga. Há profissionais, em Espanha, cuja função é recrutar pessoas em situações críticas, como eu. Procuram-nas, aliciam-nas.”

A seguir, falou Jeremy. Este jovem parisiense, de uma família judia praticante, padeiro em Bruxelas, foi recrutado por um cliente: “Reservaram-me um quarto em Miraflores, o bairro chique de Lima. Pediram-me para fazer de turista, mais nada. Deram-me um número de telemóvel para contactos locais e, no último dia, um italiano pediu-me para destruir o cartão do telemóvel e ir a outro hotel, onde me foi dada a mala. No dia D, no ‘check-in’, mandaram-me sair da fila. Um polícia enfiou uma faca na minha mala e enfiou um cotonete no corte. Disse-me: ‘Se sair azul, é porque tem cocaína…’ E, claro, que saiu azul.” Jeremy sabe porque foi contratado: “Não sou delinquente, não consumo drogas, tenho um bom aspeto europeu, que passa bem nos controlos alfandegários europeus... e precisava de dinheiro.” O perfil aplica-se a Jean-Christian, outro dos 15 presos franceses no Peru, que sobrevive fazendo massagens aos seus companheiros de prisão; e a Ivan, funcionário na Câmara de Madrid; e a Gustavo, desempregado, detentor do recorde do grupo pelo transporte de dez quilos de cocaína numa única viagem. Foram todos condenados pela mesma tabela: seis anos e oito meses.

Liberdade condicional ao fim de dois anos e meio

Ao fim de dois anos e meio, os europeus beneficiam de liberdade condicional e, geralmente, conseguem sair da cadeia, não podendo, contudo, regressar aos seus países. Começa, então, outro pesadelo. “Essas pessoas não são traficantes profissionais e são forçadas a deixar ilegalmente o Peru, com todos os riscos que isso implica”, denuncia Castillo Torres, do gabinete de Defesa do Povo. “Para os que não conseguem fazê-lo, a alternativa é a rua ou algumas casas religiosas que os acolhem.”

A Casa Acogida, em Callao, é uma dessas instituições. Não tem qualquer placa na fachada. A campainha, que se encontra por trás de uma porta gradeada, não está identificada. “Num bairro como este, é melhor ser discreto”, explica Julia, enquanto abre a porta. Aos 58 anos, esta avó de Barcelona, que devia estar a mimar os netos, foi detida no aeroporto de Lima, com a mala “a transbordar” de cocaína. Passamos diante de um altar dedicado à Virgem Maria, decorado com algumas flores, antes de subir a um piso onde há uma sala. Roberta já ali está sentada. Esta antiga comerciante apresenta-se sem rodeios: “Tenho 62 anos e não conseguia viver com a minha reforma... Tinha quatro quilos amarrados à volta do corpo.”

A história destas “narco-avós” é tão assustadora que sentem necessidade de mostrar a pilha de fotocópias com os detalhes dos seus julgamentos e condenação. “Trabalhei durante 35 anos num serviço de geriatria”, conta Julia. “Quando a bolha imobiliária estourou em Espanha, o meu filho, com quem vivia, ficou sem trabalho. Tem quatro filhos, já não conseguia pagar as contas. Foi então que um amigo me disse que tinha feito duas viagens para o Peru, sem problemas... Apresentam-te a miragem daquele dinheiro que tanta falta te faz e cais que nem uma patega!”.

Traduzido do francês por Ana Cardoso Pires

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