LE
FIGARO, Paris – Presseurop – foto AFP
Duramente atingidos
pela crise, Roberta, avó espanhola, e Jeremy, padeiro francês, responderam às
sereias tentadoras do dinheiro fácil. A sua missão era passar cocaína no Peru.
Vegetam hoje, numa prisão de Lima.
Aeroporto de Lima,
19 horas. Na sala de embarque, os voos noturnos com destino à Europa foram já
anunciados. Debruçado num passadiço por cima da área das bagagens, um agente da
Dirandro (Direção Antidroga da Polícia Nacional do Peru) observa o bailado dos
passageiros, detetando os que lhe parecem nervosos ou a evitar ostensivamente
cães e polícias fardados. Em baixo, outros agentes analisam os rostos: olhos
vermelhos e cavados, língua branca e hálito carregado de látex denunciam
inevitavelmente as “mulas” que ingeriram cocaína.
De repente, num
movimento impercetível, um homem e respetiva mala são extraídos da multidão. O
suspeito é levado para um gabinete da Dirandro, onde é algemado no tornozelo e
no pulso. A mala aberta revela um tapete de jogos para crianças... Os
inspetores não levam mais de dez minutos a extrair dos forros acolchoados cerca
de três quilos de cocaína pura, cuidadosamente acondicionada em sacos de
plástico pretos. “Desta vez, é um romeno”, diz o comandante Anderson Reyes,
chefe do Departamento Antidroga do aeroporto, onde são apanhados, em média,
oito quilos de cocaína por dia. “Há também gregos, búlgaros, franceses e,
claro, espanhóis, os mais numerosos... Este ano, o número ultrapassou o dos
passadores peruanos. Todos dizem a mesma coisa: a crise económica é que os
levou a fazer isto.”
Cotonete azul
assinala presença de cocaína
O fenómeno é
desmesurado: dos 695 europeus presos no Peru, 90% foram apanhados por
transporte de droga. Em 2011, o país tornou-se o maior exportador de cocaína
para a Europa. As “mulas” que escapam às malhas da polícia chegam a ganhar dez
mil euros. Para os outros, a viagem acaba muitas vezes na prisão de Callao,
vizinha do aeroporto. Uma prisão com uma fama terrível, semelhante à do bairro
que a rodeia.
Um grupo de
franceses e espanhóis sai do pavilhão reservado a estrangeiros e entra num dos
pátios, onde foram dispostas algumas cadeiras. Rapidamente, os traficantes
profissionais esquivam-se, mas os outros ficam para contar o que aconteceu
nesse filme incrível em que se tornou a sua vida. É o caso de Timoteo,
ex-porteiro de discoteca em Barcelona: “Só tinha trabalho aos fins de semana, a
minha mulher estava grávida e tínhamos dois meses de renda de casa em atraso.
Foi então que me apresentaram um tipo chamado David. Ele propôs-me ganhar um
monte de dinheiro nesta viagem ao Peru, com todas as despesas pagas, sem
riscos. Hesitei, mas ele voltou à carga. Há profissionais, em Espanha, cuja
função é recrutar pessoas em situações críticas, como eu. Procuram-nas,
aliciam-nas.”
A seguir, falou
Jeremy. Este jovem parisiense, de uma família judia praticante, padeiro em
Bruxelas, foi recrutado por um cliente: “Reservaram-me um quarto em Miraflores,
o bairro chique de Lima. Pediram-me para fazer de turista, mais nada. Deram-me
um número de telemóvel para contactos locais e, no último dia, um italiano
pediu-me para destruir o cartão do telemóvel e ir a outro hotel, onde me foi
dada a mala. No dia D, no ‘check-in’, mandaram-me sair da fila. Um polícia
enfiou uma faca na minha mala e enfiou um cotonete no corte. Disse-me: ‘Se sair
azul, é porque tem cocaína…’ E, claro, que saiu azul.” Jeremy sabe porque foi
contratado: “Não sou delinquente, não consumo drogas, tenho um bom aspeto
europeu, que passa bem nos controlos alfandegários europeus... e precisava de
dinheiro.” O perfil aplica-se a Jean-Christian, outro dos 15 presos franceses
no Peru, que sobrevive fazendo massagens aos seus companheiros de prisão; e a
Ivan, funcionário na Câmara de Madrid; e a Gustavo, desempregado, detentor do
recorde do grupo pelo transporte de dez quilos de cocaína numa única viagem.
Foram todos condenados pela mesma tabela: seis anos e oito meses.
Liberdade condicional
ao fim de dois anos e meio
Ao fim de dois anos
e meio, os europeus beneficiam de liberdade condicional e, geralmente,
conseguem sair da cadeia, não podendo, contudo, regressar aos seus países. Começa, então, outro pesadelo. “Essas pessoas não são traficantes profissionais
e são forçadas a deixar ilegalmente o Peru, com todos os riscos que isso
implica”, denuncia Castillo Torres, do gabinete de Defesa do Povo. “Para os que
não conseguem fazê-lo, a alternativa é a rua ou algumas casas religiosas que os
acolhem.”
A Casa Acogida, em
Callao, é uma dessas instituições. Não tem qualquer placa na fachada. A
campainha, que se encontra por trás de uma porta gradeada, não está
identificada. “Num bairro como este, é melhor ser discreto”, explica Julia,
enquanto abre a porta. Aos 58 anos, esta avó de Barcelona, que devia estar a
mimar os netos, foi detida no aeroporto de Lima, com a mala “a transbordar” de
cocaína. Passamos diante de um altar dedicado à Virgem Maria, decorado com
algumas flores, antes de subir a um piso onde há uma sala. Roberta já ali está
sentada. Esta antiga comerciante apresenta-se sem rodeios: “Tenho 62 anos e não
conseguia viver com a minha reforma... Tinha quatro quilos amarrados à volta do
corpo.”
A história destas
“narco-avós” é tão assustadora que sentem necessidade de mostrar a pilha de
fotocópias com os detalhes dos seus julgamentos e condenação. “Trabalhei
durante 35 anos num serviço de geriatria”, conta Julia. “Quando a bolha
imobiliária estourou em Espanha, o meu filho, com quem vivia, ficou sem
trabalho. Tem quatro filhos, já não conseguia pagar as contas. Foi então que um
amigo me disse que tinha feito duas viagens para o Peru, sem problemas...
Apresentam-te a miragem daquele dinheiro que tanta falta te faz e cais que nem
uma patega!”.
Traduzido do
francês por Ana Cardoso Pires
Sem comentários:
Enviar um comentário