Constança Cunha e Sá
– Jornal i, opinião
Para efeitos
internos, o governo achou por bem esconder a sua decisão de cortar 4 mil
milhões na despesa atrás de um estudo encomendado ao FMI – em que este
apresenta um menu completo de medidas radicais de austeridade, que, a pretexto
dos mais desfavorecidos, levam ao empobrecimento generalizado da sociedade,
nomeadamente dos mais desfavorecidos. O estudo, feito em meia dúzia de dias e
assente em dados desactualizados, foi saudado pelo primeiro-ministro com
enlevo, que viu nele um ponto de partida “muito bem feito” para um debate, que
não vai acontecer, sobre as funções do Estado.
Aparentemente, não
ocorreu ao governo que a posição negocial do país teria tudo a ganhar se o tal
ponto de partida surgisse de Portugal e não de um dos seus credores. Mas como
se sabe o Dr. Passos Coelho não tem por hábito preocupar-se com pormenores
desta natureza. A sua política externa traduz-se no silêncio e na subserviência
e, não por acaso, o júbilo com que o governo aceitou esta espécie de relatório
foi curiosamente travado por um alemão que preside ao Parlamento Europeu e pelo
Sr. Juncker, que, na hora da despedida, defendeu que as condições aplicadas a
Portugal deviam ser suavizadas. O interesse nacional mora onde menos se espera.
Não vale a pena
perder tempo com a forma como o debate, defendido pelo governo, foi lançado,
esta semana, à margem dos parceiros sociais, dos partidos da oposição e da própria
Assembleia da República. A divulgação do menu do FMI serviu para dourar os
cortes que se avizinham e para incutir medo: tenham medo, muito medo, porque
tudo pode acontecer. Da redução das reformas aos despedimentos na função
pública, à diminuição do subsídio de desemprego, ao corte dos vencimentos até
às taxas da saúde e ao despedimento de 50 mil professores, não houve nada que
escapasse à fúria do FMI. Nada não! Porque, no meio de todo aquele arrazoado,
não há uma única palavra para o sector empresarial do Estado, nem para as
autarquias ou para as empresas municipais. Para não falar das famigeradas PPP.
Entretanto, o dito debate
sobre as funções do Estado, que a maioria dos analistas económicos tanto
enaltece, tem o prazo de validade de três ou quatro semanas – já que a Comissão
Europeia fez saber que em Fevereiro quer que as medidas essenciais estejam
identificadas e quantificadas. Esta pequena imposição, que o primeiro-ministro,
obviamente, desvaloriza, confirma uma evidência simples: o governo prepara-se,
não para debater as funções do Estado, mas sim o corte, a torto e a direito, de
4 mil milhões de euros, acordado com a troika na sequência da quinta avaliação
e da derrapagem orçamental de 2012. Pode perguntar-se porquê 4 mil milhões. Mas
isso é um mistério insondável que o governo não se deu ao trabalho de
esclarecer. Como o ridículo não mata, a maioria quer agora criar uma comissão
eventual, na Assembleia da República, para debater o que não tem quaisquer
condições de ser debatido. Paz à sua alma!
1 comentário:
Excelente texto !
Os meus sinceros parabéns à Constança e à "Página Global".
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