José Ribeiro –
Jornal de Angola, opinião
Maria Eugénia Neto
enfrentou com coragem o regime fascista e colonialista de Lisboa. Até à sua
fuga para Marrocos, na companhia do seu bebé, do marido, Agostinho Neto, e de
Luís Cabral, que veio a ser Presidente da Guiné-Bissau, nunca a polícia
política portuguesa conseguiu levá-la aos Tribunais Plenários. E quando levaram
o seu marido, ela teve um comportamento digno e corajoso. Quem viu conta que
chegou a ser comovente.
Foi esta grande
mulher que acompanhou e deu a sua vida à luta de libertação dos povos das
ex-colónias portuguesas, desde os seus primórdios até ao triunfo final, sempre
na companhia de Neto, o Presidente Poeta, o fundador da Nação Angolana, aquele
por quem se esperou e aquele que nunca desistiu, apesar de muitos não o
compreenderem e lhe exigirem uma vida acrescida de sacrifícios.
Na História de Portugal não há nenhuma mulher com a dimensão de Maria Eugénia
Neto. Por isso muitos a odeiam. Mas Maria Eugénia Neto tem um amor e um carinho
especial pelo povo português. Mostrou isso sempre e muito especialmente em
1978, quando os Presidentes Ramalho Eanes e Agostinho Neto decidiram, em
Bissau, dar livre curso à História e reatar as relações que outros dirigentes
portugueses cortaram, envenenaram ou simplesmente desprezaram. Houve um momento
em que a cimeira podia ter dado em fracasso. Mas Maria Eugénia Neto,
discretamente, fez tudo para que ela fosse um sucesso. Naquele momento, ela foi
a melhor embaixadora que Portugal podia ter nas suas relações com o mundo que
fala em Português.
As elites portuguesas actuais não são capazes de compreender a dimensão de uma
mulher que lutou ao lado de Agostinho Neto, o jovem angolano que saiu de Icolo
e Bengo para estudar medicina em Coimbra, o homem que combateu Salazar e lutou
pela liberdade em Portugal, que fez desmoronar o colonialismo português e
ajudou a varrer da África Austral o apartheid. No Portugal de hoje, poucos têm
estatuto, sabedoria e humildade para compreender que Agostinho Neto, Maria
Eugénia e o MPLA marcaram de forma peculiar a História portuguesa do século XX.
E esses poucos andam escondidos ou preocupados com a crise. Isso explica,
talvez, a desorientação que atravessa os jovens portugueses. Muitos deles
me perguntam porque razão apenas os angolanos são julgados e condenados em
Portugal.
Maria Eugénia Neto é a grande mulher que simboliza a relação profunda entre
Angola e Portugal. Sem ela, essa relação histórica é uma mentira. Pois bem, os
fascistas nunca conseguiram levá-la aos Tribunais Plenários porque ela se
escapou por entre as suas garras. Mas no Portugal de hoje, dominado pela crise
financeira, por elites corruptas e pela perda de valores de toda a natureza,
ela foi julgada no Tribunal Criminal de Lisboa e condenada! Uma obscura juíza
salvou, finalmente, a pátria de Camões!
Como tudo aconteceu? Nos órgãos judiciais portugueses há gente que se move pela
vontade de vingança em relação a Angola. Gente de má consciência produziu um
livro sobre os acontecimentos de 27 de Maio de 1977 que é um insulto à memória
de Neto. A viúva, Maria Eugenia Neto, reagiu à agressão e considerou a autora
do aborto histórico e literário, mentirosa e desonesta. Eu, que acompanhei de
perto todos aqueles acontecimentos, li o livro e achei que a resposta de Maria
Eugénia Neto foi comedida e delicada face a um livro que está cheio de mentiras
deliberadas, manipulações grosseiras, omissões graves e deturpações
fraudulentas. Para atingir o objectivo pretendido, os autores recorrem a tantas
armadilhas “metodológicas” que se torna difícil aceitar o livro como sendo
escrito por uma historiadora. No fundo, a obra é um tributo notável à
desonestidade intelectual, à aldrabice, ao ressentimento, ao ódio contra Angola
e à lavagem histórica de figuras, como Monstro Imortal, Nito Alves, Cita Vales
e Zé Van-Dúnem, responsáveis pela desgraça que bateu à porta de muitas famílias
angolanas e portuguesas . A juíza disse, na sentença, que na audiência não se
julgou o livro nem os factos históricos ali tratados com desonestidade e
mentira. Então, o que se julgou?
Eu não comento a decisão judicial nem os factos históricos. Apenas trato do
assunto numa perspectiva jornalística. No livro foi usada a mentira e a
desonestidade para levar o leitor a concluir que Agostinho Neto “foi pior
do que Pinochet”. Isto é insulto grosseiro, agressão violenta à memória de
Neto. Eu sei – porque vivi os acontecimentos, não estava a dar aulas numa
escola do enisno básico em Portugal – que Neto foi alvo de um golpe traiçoeiro,
engendrado por um grupo movido pela ambição, que desejava a tomada do poder pela
força “revolucionária” e que esse grupo recorreu à prática de assassinatos. Estes são os factos. A culpa foi exclusivamente dos golpistas, que antes do
golpe já exigiam a Neto uma “purga” dentro do MPLA. Quem é sério e honesto sabe
que uma historiadora não se pode limitar a ouvir os irmãos dos golpistas, os
amigos, os ressentidos e os portugueses que, por culpa de Monstro
Imortal, Nito Alves, Cita Vales e ZéVan-Dúnem tiveram de abandonar
Angola. Algumas dessas pessoas estiveram envolvidas no julgamento a Maria
Eugénia Neto, sendo parte interessada.
O livro “Purga em Angola”, sendo de uma parcialidade total e insultuosa,
suscitou a reacção proporcional e contida de Maria Eugénia Neto. Maria Eugénia
Neto foi, portanto, julgada por responder ao insulto, mas foi considerada
culpada de um crime que não cometeu. Lembro que, há dias, o Ministério Público
de Lisboa mandou arquivar uma queixa apresentada por generais angolanos contra
um “activista” que os acusou de assassinos e torturadores. O magistrado que
apreciou a queixa mandou arquivá-la, porque o autor de tão graves acusações
apenas fez uso da “liberdade de expressão”.
O mesmo serviço que assim decidiu, recusou agora a Maria Eugénia Neto o mesmo
direito. Dois pesos, duas medidas.
Finalmente, um Tribunal português conseguiu julgar Agostinho Neto e os seus
camaradas, na pessoa de Maria Eugénia Neto. Pobre justiça portuguesa!
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