Ana Sá Lopes – Jornal
i, opinião
Santana Lopes, que
“saiu de rastos”, tem uma lucidez a anos-luz da moeda actual
Desde que tomou
posse, Passos Coelho empenhou-se em introduzir no discurso político o fardo da
culpa – a dos outros – que o seu governo se encarregaria de redimir, através da
imposição de castigos e penitências variadas.
A culpa começou por ser, em simultâneo, generalizada – os portugueses tinham vivido acima das suas possibilidades – e personificada num homem monstrificado, José Sócrates, que tinha levado o país à bancarrota. Na entrevista que publicamos nesta edição, o insuspeito Pedro Santana Lopes – ex-primeiro--ministro, militante do PSD e grande adversário de Sócrates – encarrega-se de desmontar coisas simples, como a influência da construção errada do euro e da crise internacional no comportamento dos mercados face à economia portuguesa em 2009. Mas o governo – por ignorância extraterrestre, obssessão ideológica ou apenas estratégia de contorcionismo para fins de sobrevivência – optou pelo discurso de pároco que condena os desvios do rebanho (e do anterior pastor) varrendo para debaixo dos móveis todo o lixo de uma construção europeia débil que nos trouxe aqui.
À medida que o tempo foi correndo, a culpa – que era inicialmente de todos, do
país inteiro que “tinha vivido acima das suas possibilidades” – começou a ser
segmentada: os funcionários públicos, esses preguiçosos, que enxameiam o Estado
com as suas “benesses” e salários mais altos do que no privado; os reformados,
esses privilegiados cujo sustento sai caro ao Estado e é impossível replicar na
geração seguinte.
O governo esforçou-se em promover uma guerra estúpida entre trabalhadores do público e do privado e outra guerra, ainda mais abjecta, entre gerações – tendo como objectivo a velha máxima do “dividir para reinar”. Infelizmente para Pedro Passos Coelho, a maioria dos portugueses recusou-se a alinhar na guerra – não só porque os pais reformados sustentam os filhos de-sempregados que um Memorando da troika bombista para a economia gerou, mas também porque, mais do que o governo parece transmitir, os portugueses começam devagarinho a entender a origem do problema e da chamada crise das dívidas soberanas. Alguém terá dito que Passos Coelho faria de Santana Lopes, em seis meses, “um estadista”. Basta ler a entrevista adiante para se perceber que Santana, que “saiu de rastos”, como o próprio diz, tem uma lucidez a anos-luz da que hoje temos. Quem criticou a má moeda deve estar actualmente em agonia.
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