sábado, 15 de junho de 2013

Brasil: NÃO É UMA LUTA SOBRE VINTE CENTAVOS




Temos presos políticos! Cenário em S.Paulo, sob brutalidade da polícia, truculência do governador e omissão do prefeito em que votei

Marília Moschkovich – Outras Palavras - Foto: Ninja 

Na segunda-feira, dia 10 de junho, expliquei aos meus alunos do primeiro ano do ensino médio: o Estado detém o monopólio legítimo sobre o uso da violência física. Mal sabia eu que no dia seguinte o Estado, essa supra-organização fundamentada na dominação racional (já diria Weber) daria um exemplo claro da minha explicação, nas ruas da cidade onde nasci, cresci e participei de manifestações.

Venho de uma família de militantes. Aprendi desde bem cedo que ir às ruas causa mudanças sociais, incomoda. Aprendi também que ir às ruas é, no Brasil e em qualquer lugar do mundo, colocar a sua própria segurança e integridade física em jogo. É uma troca. Nos colocamos vulneráveis ali porque a causa é maior. A causa pode ser o direito à cidade, o direito de ir e vir, o fim de um regime autoritário ou eleições diretas. É uma causa sempre maior do que julgamos ser nossa segurança pessoal, individual.

[Aos que ainda não aprenderam, que fique claro: cidadania não tem nada de “individual”. “Individual” é direito do consumidor. Cidadania é necessariamente coletivo.]

Cidadania é a coragem de arriscar sua individualidade pelo bem-estar do maior número de pessoas o possível. O risco que protestar representa à segurança dos indivíduos felizmente nunca fez ninguém deixar de exercer a própria cidadania. Mesmo nos tempos em que ela foi proibida.

Esse é um dos melhores motivos para no indignarmos com o que aconteceu em São Paulo no dia 11 de junho, e com o que está acontecendo hoje, dia 13 (apenas dois dias depois). Para saber mais, recomendo a cobertura da Fórum, a cobertura em tempo real da Folha (apesar dos pesares), o incrível tumblr “O que não sai na TV”, a cobertura da Agência Pública de notícias em seu Facebook e, claro, a página do Movimento Passe Livre.

Um resumo dos fatos poderia ser o seguinte: temos presos políticos. O fato de termos, nesse momento da história do Brasil, presos políticos, diz muito sobre a relação entre Estado e cidadania que estamos vivendo. Jornalistas, trabalhadores e estudantes foram deliberadamente encarcerados no dia 11. Mesmo com alvará de soltura de dois presos, eles foram transferidos para presídios, dificultando a liberação. Fianças desproporcionais foram estabelecidas. Na manifestação marcada para hoje, estima-se que 60 pessoas tenham sido presas na primeira hora de concentração (ou seja, antes mesmo de começar a manifestação), entre elas um jornalista da Carta Capital. Sessenta cidadãos e cidadãs foram detidos pela possibilidade de haver protestos. Líderes do movimento estão sendo investigados pela Abin com base em atuação nas redes sociais e alguns foram caçados e presos no ato agora há pouco, pelo que informam os manifestantes.

Aí eu pergunto: que porra é essa? Que porra é essa?

Em 2013 precisaremos cobrir o rosto para que a polícia não nos filme, como já avisou por meios dos jornais que faria? Precisaremos combinar local de manifestações no boca-a-boca, usando codinomes, como se fazia durante o regime militar? Foi pra isso que centenas de pessoas arriscaram sua segurança, sua integridade física e suas vidas durante a ditadura?

Minha mãe, meus professores, meus heróis e heroínas foram presos, torturados, mortos para que eu pudesse ter o direito constitucional de me manifestar numa democracia. A PM corrupta (mantida corrupta e mantida no poder pelo PSDB que ocupa o governo do estado há 20 anos) empoderada pela ausência e omissão do prefeito em quem eu votei e pra quem fiz campanha, está jogando esse direito no lixo. Está fazendo pouco com a nossa cara. Está impedindo o exercício da cidadania.

Como bem disse o blogueiro no “Esquema”, essa luta obviamente não é mais sobre 20 centavos (leia aqui). Assim como a luta em Istambul não é sobre o Parque Gezi. Assim como a luta em Belo Monte não é (e nunca foi) sobre uma usina hidrelétrica.

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