Sónia Nunes - Ponto Final (mo)
O
Governo afasta a proposta do Ministério Público de tornar público o crime de
abuso sexual de menores. A lei já permite que as autoridades actuem quando as
vítimas têm menos de 12 anos e não há queixa, destaca o gabinete do secretário
para a Segurança, que nega também a alegada tendência de aumento do número de
casos.
A diferença vai do
seis ao 60. O Ministério Público (MP) diz que os crimes sexuais contra menores
subiram 60 por cento este ano, com 11 casos registados até Maio. Já o gabinete
do secretário para a Segurança dá conta de seis casos até Junho e desmente a
tendência de agravamento que o órgão de investigação criminal tem vindo a
alegar para pedir que as ofensas à autodeterminação sexual de crianças passem a
ter natureza de crime público.
Os dados usados
pelo Governo e que contrariam a tese do MP para passar a actuar em todos os
casos de abuso sexual contra menores, sem depender de queixa da vítima ou do
seu representante, são da Polícia Judiciária (PJ). Em 2010, foram instaurados
21 casos de violação, abuso e coacção sexual contra menores de 16 anos. O
número desceu para 13, em 2011, subiu para 15, no ano passado e, este ano, vai
em seis.
“De acordo com
estes dados (da PJ), não poderemos concluir que existe uma tendência de
agravamento” dos crimes, aponta Vong Chun Fat, chefe do gabinete do Secretário
para a Segurança, em resposta a uma interpelação escrita de Mak Soi Kun. O
deputado perguntou ao Governo se concorda em tornar público o crime de abuso
sexual de menores e sustentou a posição com os dados revelados pelo MP.
“Nestes últimos
anos, este tipo de crime tem aumentado constantemente (…). Como se trata de
crimes semipúblicos, a mera agravação das penas não é suficiente para os
erradicar. Isto porque algumas vítimas e encarregados de educação optam por
retirar a queixa, o que resulta em impunidade para os infractores”, defendeu
Mak Soi Kun, na interpelação ao Governo.
No ano passado, o
tribunal recebeu 15 casos do MP envolvendo crimes sexuais, segundo os dados
divulgados à imprensa em Março pelo procurador-adjunto Vong Vai Va. Nestas
estatísticas, o número de acusações deduzidas representa 34 por cento do total
de inquéritos instaurados pelo MP por violação, abuso sexual de crianças,
estupro e coacção sexual. A desistência de queixa por parte da vítima – ou dos
pais, no caso de serem menores – foi uma das razões que Vong Vai Va admitiu
para muitos dos casos não chegarem a julgamento.
Privacidade da vítima
acima da condenação
Números à parte, o
Governo defende que a manutenção da natureza sem-pública dos crimes sexuais
contra menores serve para proteger as vítimas – princípio que coloca acima de
qualquer outro objectivo legal. “A protecção dos direitos de privacidade [das
vítimas] deve ser maior do que o direito de sanção aplicada aos criminosos
pelos organismos judiciais”, argumenta o chefe do gabinete de Cheong Kuok Va,
que toma como referências as anotações de Manuel Leal Henriques e M. Simas
Santos ao Código Penal de Macau.
“A lei deve
conceder às vítimas o direito de decisão sobre a desistência do direito à
privacidade para exercer o direito de sancionar os criminosos através dos
órgãos judicias”, reforça Vong Chun Fat, ao apontar o motivo para a maioria dos
crimes sexuais dependerem de queixa das vítimas. O gabinete do secretário para
a Segurança destaca ainda que, durante a fase de inquérito ou de julgamento, as
vítimas “vão relembrar toda a ocorrência do abuso sexual” e enfrentar as
“perguntas dos órgãos judiciais, dos executores da lei” e “ainda da crítica da
sociedade”, quando o caso deixar de estar em segredo de justiça. “A moralidade
tradicional poderá prejudicar de forma mais grave as vítimas”, diz também Vong.
Na segunda linha de
argumentação do Governo está o que já está previsto na lei: o crime passa a ter
natureza pública quando as circunstâncias dos casos são “bastante graves” – o
crime resultou na morte ou suicídio da vítima, por exemplo – e envolvem menores
de 12 anos. Nestes casos, destaca Vong Chun Fat, “na situação de não existência
de queixa (…), o MP possui o dever de iniciar o processo penal, a fim de
proteger a vítima e sancionar o criminoso”.
A posição do
Governo surge em contracorrente com a posição da Associação de Luta Contra os
Maus Tratos às Crianças de Macau e académicos da área do serviço social que, à
semelhança do MP, também defendem a transformação do abuso sexual de crianças
(entenda-se menores de 14 anos) em crime público.
A violação é o
único crime sexual em Macau que não depende de queixa da vítima para haver uma
acção penal contra o agressor – é também o que tem taxas de resolução e de
acusação “relativamente elevadas”, segundo o procurador-adjunto Vong Vai Va. Em
2012, dos 44 inquéritos abertos pelo MP para investigação de alegados crimes
sexuais, 27 diziam respeito a casos de violação – foi deduzida acusação em
quatro. Nos últimos dez anos (e com uma média anual entre 20 a 30 processos por
violação) houve matéria para julgamento em 60 casos, num total de 174.
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