Beatriz Gamboa
Enquanto o lider da
oposição, da Fretilin, Mari Alkatiri, anda embevecido e profundamente
mergulhado num projeto em Oecusi desde há uns largos meses o governo chefiado por
Xanana Gusmão continua à solta. Também à solta continua a corrupção. Corruptos
e corruptores crescem como cogumelos.
A inflação também
cresce, o desemprego é enorme e permanente, a pobreza alastra, a criminalidade
e a prostituição está a atingir indices de crescimento inadmissiveis. Os ricos
estão cada vez mais ricos (graças ao que roubam ao povo timorense) e os pobres
estão cada vez mais pobres. A miséria alastra e a esperança por melhores dias
definha. Perante tal realidade não é de admirar que os timorenses se dediquem
cada vez com mais fervor aos deuses e aos santos, as igrejas, os cultos,
abarrotam de desesperados – já que a elite eleita nada resolve e vota a maioria
à miséria os timorenses suplicam para que lhes valham as entidades
transcendentes dos céus. Sim, porque assim o inferno é cá na terra.
Mas… aparentemente
algo vai mudar. Alkatiri e Xanana estão no ponto de viragem. Dizem. O governo
vai ser remodelado. Em muitos pontos ambos os líderes históricos estão de
acordo. Os rumores vão neste sentido e os timorenses agarram-se à esperança de
que assim aconteça. Se acontecer a maioria que padece espera que a polícia seja
menos corrupta e impreparada, mais civilizada. Que os políticos não sejam tão
gananciosos e não se recheiem de privilegios que num país como Timor-Leste não
fazem sentido – como é o caso das pensões vitalicias e mais mordomias
reservadas a deputados e outros que exerceram poderes. Que na realidade os
corruptos sejam incriminados de uma vez por todas e que não seja prática um ou
outro caso para exemplo ou somente a raia-miuda. Que as exibições de riqueza e
vidas faustosas que pela certa ultrapassam os vencimentos de governantes,
funcionários do governo e outros (amigos e familiares) sejam investigados,
etc., etc. Já agora, que os acessores ao serviço no governo sejam competentes e
que não usufruam de vencimentos e benesses principescas.
Então sim. Os
timorenses poderão acreditar nos políticos, nos juízes, nas polícias, nos
empresários dos circulos ministeriais e outros, nos familiares desses mesmos,
nos líderes históricos e não históricos. Isso, em vez de esperar que uma
qualquer mesinha ou um qualquer santo ou santa alivie a carga de um povo herói
que está a ser espoliado e votado à soberba de incompetentes, de
irresponsáveis, de gananciosos e vis oportunistas que em mais de uma década têm
mantido os “tesouros” de todos a saque e em beneficio maior de somente alguns
(até de estrangeiros).
Que se confirmem os
rumores e que a soberba e falsidades sejam derrubadas em prol das melhorias devidas
aos timorenses e prometidas mas nunca cumpridas como devem ser.
Nem a propósito a
rebusca de uma entrevista de Mari Alkatiri, da Fretlin, com cerca de ano e meio
de passagem mas muito atual. Mari Alkatiri que agora (parece) se entendeu com
Xanana Gusmão e vice-versa. Retomando até a amizade perturbada desde há
décadas, ao que parece.
É caso para
perguntar: O que mudou em Timor-Leste neste último ano e meio? O que vai mudar?
Prestem especial
atenção à entrevista e às fotos recentes.(BG)
Mari Alkatiri. “Xanana
Gusmão é o maior corruptor deste país”
Jornal i - 17 Mar 2012
Critica o
primeiro-ministro por corromper a mente dos timorenses e lança farpas à falta
de nexo com que o governo gasta o dinheiro do petróleo
Mari Alkatiri,
muçulmano numa terra de cristãos, secretário-geral da FRETILIN, diz: “Em termos
de religião sou da minoria, mas em termos de política sou da maioria.” Vítima
maior da crise de 2006, explica que tem a consciência tranquila e não hesita em
afirmar que Xanana Gusmão é o “maior corruptor deste país” que, garante, se
“tornou um laboratório de experiências”.
O ministro da
Economia e Desenvolvimento, João Gonçalves, diz que “Timor é um país rico mas
com gente pobre”. Será que é legítimo dizer isto depois de dez anos de
independência?
Enquanto a
população for pobre, o país nunca será rico. Riqueza é aquilo que nós
produzimos, não é aquilo que a natureza nos concede. O que a natureza nos
concede é o crédito, e questiono, há ou não capacidade de gerir esse crédito
para produzir riqueza? Sempre afirmei em Conselho de Ministros que cada dólar
saído do petróleo é cotado como crédito. Há que definir uma taxa de juro, para
ver se há ou não capacidade de reproduzir isso.
E como vê o país a
nível económico?
Este país deixou de
ter economia para ter simplesmente especulação financeira. Falam do crescimento
económico, que não é mais do que dinheiro injectado pelo fundo de petróleo. É
consumismo barato, na base da importação, e isto é completamente insustentável.
O problema é que se saiu do princípio básico do economista: “Economia é a
gestão dos recursos escassos, mas a base é a gestão.” Em Timor- -Leste é o
contrário, os recursos é que determinam. Porque se há muito dinheiro, então é
ele que vai resolver o problema. O dinheiro traz felicidade a uma percentagem
mínima de pessoas e o resto é que paga.
E, com tanto
dinheiro, nem foi possível resolver o problema das estradas?
Na minha época
tínhamos pouco dinheiro e conseguimos manter as estradas. Porquê? A questão
central é a gestão. Nós tínhamos duas formas de gerir as infra-estruturas
rodoviárias, através da manutenção de rotina (por exemplo, limpar as valetas) e
da manutenção periódica. Só depois vem a reabilitação, e essa é a melhor forma
de manter as infra- -estruturas rodoviárias.
Mas, verdade seja
dita, o terreno não permite grandes construções.
Sim, é verdade,
naturalmente que agora, com dinheiro, a engenharia resolve tudo. Gastou-se
tanto dinheiro e não se usou a técnica e a tecnologia. Tudo feito a olho. Antes
mesmo de desempenhar as funções de jurista, fui topógrafo e trabalhei nas
estradas. Quando começaram a alargar o troço que liga à fronteira com a Indonésia,
disse logo que nas primeiras chuvadas as pedras viriam todas por aí abaixo.
Dito e feito, agora as estradas estão quase intransitáveis.
De acordo com o
Plano Estratégico de Desenvolvimento, as estradas irão sofrer grandes
alterações.
É tudo megalómano,
completamente invertido: 70% do Orçamento é para infra-estruturas, que tipo de
economia irão dinamizar? Há que definir primeiro isso. É impossível sermos a
nova Singapura dentro de uns anos. Tudo tem de ser feito com suor e trabalho,
não com dinheiro do petróleo.
Muito se tem falado
da base militar dos Estados Unidos em Darwin, cujo principal interesse passa
por tentar contrariar a crescente pujança da China por vias comerciais,
diplomáticas e militares. Mas também se fala no interesse no petróleo do mar de
Timor.
Acredita nesta última teoria?
Se quer que lhe
diga, a base militar não me preocupa, porque os EUA, quando querem, estão em
minutos em qualquer lado [risos] e a explicação da China é falsa. A China não é
ameaça externa e nem importam as ideologias. A China exporta produtos baratos,
cada vez com maior qualidade. Os próprios EUA precisam da China para
desenvolver a sua economia. Quem é que não precisa de quem neste mundo? Os EUA
têm excelentes relações com Timor. Temos interesses sobrepostos e não
conflitos, portanto, o próximo passo é encontrar uma solução.
No entanto, o jogo
de interesses mata uma nação.
Sim, claro, mas
temos de gerir com competência e tem de haver um consenso nacional para haver
reconhecimento. Não podemos politizar o que não é político e tentar apelar às
consciências patrióticas para desenvolver o problema do mar de Timor. Assim não
vamos a lado nenhum. Fizemos o acordo, conseguimos 90% (com a Sunrise passamos
de 18% para 50%) e nunca mais se mexeu. Naturalmente que com 10 mil milhões de
dólares julgamos ser muito ricos, e a gastar como estamos a gastar, daqui a 15
anos não há dinheiro. Tem-se gasto muito, mas sem resultados.
Como vê o actual
governo?
O governo já não
existe há muito tempo e nós [oposição] não queremos utilizar outros meios para
o derrubar. Queremos meios legais e, apesar de não reconhecermos este governo,
nunca demos um passo para trazer milhares de pessoas para as ruas e protestar.
Optamos, sim, por fazer uma oposição didáctica. Pode dizer-se que tem sido
governação com muito dinheiro mas sem resultados. Nós [FRETILIN] reabilitámos
mil escolas, construímos 150 novas escolas de qualidade, novos centros de saúde
em todos os subdistritos, hospitais de referência e, dentro de dois, três anos,
iremos ter mais de mil médicos formados, através da cooperação cubana. Durante
a minha governação, disse ao ministro da Educação que uma universidade sem os
cursos de Direito e Medicina não é universidade. A nível rodoviário, a maioria das
pontes construídas são do meu tempo, mas acabaram por ser inauguradas pelo
actual governo. Até houve um caso caricato em que o actual primeiro-ministro
inaugurou uma ponte a pensar que era um projecto dele. Contudo, o ministro das
Infra-Estruturas disse no discurso que o projecto era do primeiro governo
[risos].
Fez menção à
educação. Durante estes dez anos houve sempre a questão da língua portuguesa.
Como classifica esta aversão pela língua de Camões?
Sempre houve
pressão contra a língua. Obviamente que sempre a defendi e disse num colóquio
que, se o tétum se quiser desenvolver, tem de estar ligado ao português. E se o
português quiser afirmar- -se tem de se submergir no tétum. Não há outra
solução. Se adoptarmos o inglês, o tétum desaparece, porque a língua inglesa é
dominante, não coabita, e se adoptarmos a língua indonésia seríamos uma
extensão da província. Não estou a dizer que o inglês e o bahasa deveriam ser
banidos do ensino, porque é a nossa relação com a região e o mundo.
E ainda há o
programa das línguas maternas, o Ita Nian Rai.
Isso é impossível!
É a balcanização do país. Deve-se fazer um esforço para desenvolver todas as
línguas e não confundir isso com a necessidade de ter uma língua unificadora.
E o que tem a dizer
do conflito entre a nova e a velha geração?
Para a nova
geração, a língua portuguesa é de um certo saudosismo, ao que eu respondo: “Eu
já tenho identidade, vocês é que ainda não têm.” Qual a identidade que eles
querem ter?
Mas eles não levam
a mal?
Claro que levam a
mal. Não gostam quando eu falo desta forma. E volto a perguntar, vocês querem
ser uma extensão da Indonésia ou do norte da Austrália, ou querem ser um povo
independente?
E qual é a resposta?
Nenhuma. Como
disse, tétum e português devem andar juntos. Até há casos em que políticos que
estudaram português na mesma altura que eu usam termos que não existem. Por
exemplo, a palavra cometimento [commitment em inglês] não existe. Compromisso é
compromisso, e se há termos em português, usem o português! O timorense até
entende o que é o compromisso, compromisso com Deus, por exemplo.
Entrando agora no
campo da religião, nunca se sentiu incomodado por um muçulmano tomar as rédeas
de um país maioritariamente católico?
Em termos de
religião sou da minoria, mas em termos de política sou da maioria. O país é
maioritariamente católico porque a FRETILIN é maioritariamente católica – essa
é que é a realidade. Senão, o país não seria maioritariamente católico, e este
é um elemento de cultura da unidade nacional. Eu sou parte deste povo. Ultimamente
tenho dito que “a lei define, a Constituição define, mas patriotas somos nós
todos”, não podemos por via da lei tornar uma pessoa nacionalista. Não se
entende que o sacrifício que todos nós fizemos tinha um inimigo comum [a
Indonésia]. Agora a tendência é fabricar inimigos para poder unir grupos, isto
é, os grupos de artes marciais.
Após muitos
problemas causados pelos grupos de artes marciais, o governo decretou
tolerância zero. Acha que esta medida irá pôr cobro à violência?
Claro que não, tal
como as outras anteriores não serviram de nada! A questão fundamental para os
jovens é o emprego. Como criar emprego? Para competir no mercado de trabalho
tem de se ter capacidade. Como criar capacidades? Criando centros de emprego.
Porque, senão, depois ocupam o seu tempo a praticar artes que não são marciais.
Devia haver uma lei enquadradora e definir critérios. Por exemplo, para a
unidade de reserva militar só conseguiram 100 pessoas porque a selecção foi
muito rigorosa, de forma a não apanhar ninguém ligado às artes marciais.
Queríamos 500 e só conseguimos 100 e, desses 100, 20 não aguentaram, e foi
então criada a força de segurança. Diziam que essa força era a minha segurança
privada em 2006, mas acabaram por fazer segurança não a mim, mas ao Xanana.
Como é a sua
relação com Xanana Gusmão?
Quando me encontro
com Xanana em sítios públicos brincamos um com o outro, na galhofa. Uma coisa
são as diferenças políticas, outra são as relações pessoais. E se há algum
crítico dele, sou eu. Xanana é o maior corruptor deste país, porque quem
corrompe as mentes é o maior corruptor de todos. Custa-me a acreditar que uma pessoa
que esteve na luta, na prisão, fosse desencadear uma crise como a que aconteceu
em 2006. Demiti-me porque não queria guerra e, para mim, 2006, 2007, 2008 já
ficaram para trás. Podemos, juntos, olhar para a frente ou não? Da minha parte,
não há remorso nenhum, até porque tenho a minha consciência tranquila. Nem
sequer me quero considerar vítima porque quem assume as funções como eu assumi
tem de estar sujeito a tudo.
Como define o
Timor-Leste destes dez anos? E como vê o país no futuro?
Timor-Leste
tornou-se um laboratório de experiências que, bem aprendidas, podem ajudar o
país a crescer. Para o futuro há que definir as áreas de consenso para todos,
principalmente os partidos políticos.
Leia mais sobre
Macau e Timor-Leste – e outros países daquela região do mundo - em TIMOR
LOROSAE
NAÇÃO
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