José Goulão –
Jornal de Angola, opinião
O mundo já se
habituou a este cenário, a esta rotina que há duas décadas começou por ser
esperançosa e que, com o desgaste do tempo e a denúncia dos comportamentos
associados, acabou por se tornar burocrática e, agora, enganadora e trágica.
As negociações de
paz israelo-palestinianas recomeçaram. Será desta?, pergunta um jornal de
referência que tanto poderia ser português, como inglês como chinês porque as
referências também se parecem cada vez mais com negociações assim, pouco
recomendáveis.
É claro que não será desta, nem de nenhuma outra vez qualquer em que o formato,
os intérpretes e os mediadores sejam os mesmos ou semelhantes. Todos sabemos a
resposta, do mesmo modo que o tal jornal da retórica pergunta.
Estas negociações onde nada se negoceia a não ser as fórmulas de propaganda que vão ser transmitidas a cada uma das clientelas – as que ainda se deixam iludir – estão viciadas. Hipotecam tempo, tão importante como a própria sobrevivência, para o lado palestiniano; oferecem tempo generoso para a estratégia de facto consumado do lado israelita; e desperdiçam mais água na bacia de Pilatos onde as administrações americanas, umas atrás das outras, vão lavando as mãos e garantindo “nós bem tentámos...”
Porque voltaram então a sentar-se à mesma mesa, e agora, os comparsas (ou substitutos) que há três anos se não viam? Mudou alguma coisa nas posições comuns? Haverá sinais de desgaste nas estratégias que todos os lados têm vindo a tomar, incluindo o destroçado sector político palestiniano? Nada disso. Existe, tão só, uma convergência de episódios conjunturais e de oportunismos viscerais.
John Kerry, o secretário de Estado norte-americano, apresentado agora como o novo profeta da paz no Médio Oriente, emerge espezinhando a desgraça em que por culpa própria caiu a sua antecessora, Hillary Clinton, instalando um palco de onde pretende projectar-se como o próximo presidente dos Estados Unidos. Será desta?, alguém perguntará, talvez o mesmo jornal.
Mahmud Abbas, o presidente palestiniano cujo mandato há muito expirou, regressa às negociações sem que haja uma moratória, pelo menos declarada, nas acções de colonização israelita que inviabilizam qualquer solução satisfatória e digna para o povo palestiniano – dos territórios e da diáspora. Este regresso acontece no momento de mais profunda divisão no universo palestiniano. Uma administração da Autonomia de fachada em Ramallah; a Faixa de Gaza isolada nas mãos do Hamas, por sua vez a contas com uma situação de extrema vulnerabilidade depois de uma das acusações feitas ao presidente egípcio deposto por golpe de Estado ser a de “cumplicidade” com este grupo palestiniano. Além do inimigo israelita e americano, o Hamas tem agora o inimigo egípcio e americano depois de Ramallah e Gaza terem deitado fora todas as hipóteses de um entendimento nacional.
Mahmud Abbas poderá ter caído na tentação dos apelos israelitas e de Washington, mas o que está em jogo, relembra-se, é a criação de um Estado palestiniano viável, contínuo, nas fronteiras de 1967, com capital em Jerusalém Leste e com solução do problema dos refugiados. No contexto negocial existente, Abbas não está em condições de obter nada disto e já fala até na possibilidade de entrar pelo movediço terreno da troca de territórios que Israel lhe oferece.
Do lado israelita tudo caminha bem enquanto caminhar assim. Além de ter como mediador de um processo desequilibrado e viciado o seu grande aliado norte-americano, que tudo lhe tem perdoado, o governo de Benjamin Netanyahu, recauchutado como algum “centrismo” colaborante, não fez qualquer declaração suspendendo a colonização, o mesmo comportamento que levou Abbas a abandonar as negociações há três anos.
Diz a tal comunicação social de referência que nos bastidores sim, aceitou declarar uma moratória quanto ao início de novos colonatos, sem abranger a ampliação dos existentes. Pois sim, mas o que se conhece à luz do dia é que as autoridades militares israelitas que administram a Cisjordânia ocupada acabam de autorizar a construção de 450 quilómetros de vias férreas e 170 quilómetros de estradas para ligar entre si os colonatos e facilitar as comunicações entre a costa israelita e o Vale do Jordão. O que significam estas construções? Mais casas palestinianas derrubadas, aldeias arrasadas, hectares de terras confiscados, novas áreas interditas a palestinianos no território vocacionado para ser o novo Estado palestiniano.
Por cada dia, semana ou ano de negociações que passa menor será o território disponível, o problema ir-se-á resolvendo. O processo de paz, tal como está, é um logro.
Foto: AFP
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