Téla Nón
O fundador e
criador da Fundação Mo Ibrahim(na foto), escreveu um artigo de reflexão sobre o
continente africano. A Fundação baseada em Londres, escolheu o Téla Nón para
publicar em exclusivo, a versão portuguesa do pensamento do homem que criou a
Fundação de Prestígio Internacional.
Há muitos motivos
de celebração neste importante ano para África: o 50.º aniversário da fundação
da Organização da Unidade Africana. O nosso continente é o que está a crescer
mais rapidamente ao nível económico. Poucas vezes a atenção global foi tão
grande ou mais positiva.
A criação da
organização constituiu um ponto de viragem na história e no desenvolvimento de
África. O seu aniversário proporciona a oportunidade de refletirmos sobre os
progressos obtidos ao longo do último meio século e de nos concentrarmos
naquilo que é necessário alcançar para que no futuro se concretizem as
arrojadas ambições dos seus arquitetos.
Segunda-feira, a
minha Fundação publicou o Índice Ibrahim de Governação Africana de 2013 (IIAG),
que esperamos possa vir a informar esta discussão. Os resultados, que nos
permitem analisar as tendências recuando até ao ano 2000, lançam luz sobre o
estado da governação em todo o continente e os importantes desafios que
enfrentaremos ao longo das próximas décadas.
O IIAG demonstra
que a África alcançou progressos em muitas das áreas-chave e revela que 94% das
pessoas do continente vivem num país que é melhor governado agora do que há 13
anos. Registaram-se avanços notáveis em termos de desenvolvimento económico sustentável,
género, saúde e educação. Estas são ótimas notícias.
Mas, por mais
tentador que seja, temos de resistir a retirar conclusões demasiado simplistas
ou otimistas a respeito de África e da direção que está a seguir. Temos de
analisar com alguma distância manchetes como “África em Crescimento” ou “O
Continente da Esperança”, tal como no passado era incorreto subestimar África
como um “Caso sem Solução” ou um “Continente sem Esperança”. Na verdade, temos
de nos afastar decisivamente tanto das manchetes afro-otimistas como das
afro-pessimistas e caminhar para o afro-realismo.
Para compreender
genuinamente o nosso vasto continente e contribuir para o alcance de melhorias
eficazes e sustentáveis na governação, é essencial dispor de dados fiáveis e
corretos. Este é também um aspeto que tem estado ausente em muitos países
africanos. O IIAG, com quase 90.000 dados, está a contribuir para colmatar esta
lacuna de informação e revela que as tendências da governação em África são
simultaneamente complexas e diversas.
Em primeiro lugar,
se a esmagadora maioria dos africanos beneficiou de uma melhor governação desde
o virar do século, não podemos esquecer os 6% de africanos que vivem em países
em que a governação se deteriorou. Madagáscar, Eritreia, Guiné-Bissau, Somália,
Líbia e Mali recordam-nos que as tendências globalmente positivas testemunhadas
pela maior parte do continente não são partilhadas por todos.
Em segundo lugar,
apesar de se terem registado melhorias nas categorias do IIAG de
Desenvolvimento Humano e Desenvolvimento Económico Sustentável, poucos
progressos foram alcançados na categoria de Participação e Direitos Humanos.
Mais preocupante ainda é o facto de as classificações na categoria de Segurança
e Estado de Direito terem sofrido quedas de ano para ano desde 2010.
Os dados do IIAG
sugerem que os fatores subjacentes às recentes quedas na categoria de Segurança
e Estado de Direito incluem ameaças crescentes à Segurança Pessoal e um
agravamento no Tráfico de Seres Humanos e na Agitação Social. Estas conclusões
são simplesmente inaceitáveis. Devem ser encaradas como um claro sinal de
alerta para o facto de o futuro poder ser caracterizado por menos conflitos
regionais, mas por uma maior agitação social e violência a nível nacional.
Em terceiro lugar,
apesar dos progressos gerais constatados no continente, verifica-se um fosso
crescente a nível de desempenho entre os países melhor e pior governados do
continente – os “ricos” e os “pobres”. A pontuação da Maurícia, situada no topo
da tabela, é mais de dez vezes superior à da Somália, que se encontra na cauda
da lista.
Há que retirar uma
lição fundamental deste facto. Através de uma colaboração mais estreita, é
possível partilhar as melhores práticas, incluindo as políticas, as estruturas
e as abordagens que são mais eficazes para um país e os seus cidadãos.
A partilha está no
espírito africano. Está imbuída nas nossas comunidades, através das nossas
empresas, aldeias e redes familiares locais. Mas a verdade é que ao longo dos
últimos 50 anos os africanos não partilharam entre si uma quantidade suficiente
dos seus conhecimentos, dados ou mesmo bens através do comércio no interior do
continente.
Hoje, a ajuda
tradicional dos doadores está a diminuir. A dependência de parceiros
estrangeiros para comprarem os nossos bens e nos enviarem recursos financeiros
tem de terminar. África é suficientemente rica para ser autónoma, mas é
necessário fazer mais trabalho. Não é possível haver uma unidade africana
sustentável sem construir uma forte coesão e solidariedade no interior do
continente. Daremos resposta às esperanças daqueles que apelaram à unidade
africana há 50 anos sem a terem.
De uma maneira
geral, uma avaliação honesta do continente, conforme ilustram os dados do IIAG
de 2013, deve salientar os enormes progressos alcançados em África, mas incluir
também um reconhecimento pragmático da distância que ainda resta percorrer.
O IIAG demonstra
que o panorama nada tem de homogéneo e que nem o afro-pessimismo nem o
afro-otimismo fazem jus à África moderna.
*Mo Ibrahim é
fundador e presidente da Fundação Mo Ibrahim
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