quinta-feira, 14 de novembro de 2013

QUANDO A JUSTIÇA NÃO É IGUAL PARA TODOS

 


Roger Godwin – Jornal de Angola, opinião - 13 de Novembro, 2013
 
O “braço de ferro” entre a União Africana e o Tribunal Criminal Internacional prossegue sem que se saiba, em definitivo, qual a situação perante aquela instituição judicial do presidente e do vice-Presidente do Quénia.
 
As acusações contra o Presidente Uhuru Kenyatta, por parte do tribunal sedeado em Haia, encontram-se num compasso de espera aguardando uma decisão sobre a “legalidade” de uma instituição judicial internacional, não reconhecida por uma parte significativa de países de todos os continentes depois de veementes protestos apresentados por diferentes instituições africanas.

Em meados de Outubro, uma cimeira de Chefes de Estado da União Africana, realizada em Addis Abeba, abordou a actuação discriminatória do Tribunal Criminal Internacional a quem acusou de utilizar a justiça com pesos e medidas diferentes de acordo com as conveniências políticas dos seus mentores.

A União Africana pediu que fossem estabelecidos critérios bem claros sobre o modo de actuação do Tribunal Criminal Internacional de modo a esbaterem-se as dúvidas que subsistem e ganham força perante uma série de decisões desiguais e que podem ser facilmente interpretadas como discriminatórias e ao serviço de forças que se escondem por detrás dos juízes sedeados em Haia.

Na verdade países como os Estados Unidos, que nem sequer subscreveu o documento constitutivo daquele tribunal, são os que mais influência exercem no sentido de “seleccionar” aqueles que devem ser condenados.

Os Estados Unidos, por exemplo, que têm exercido uma forte pressão para a concretização do mandato de captura contra o Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, e para o início do julgamento do Chefe de Estado do Quénia, albergam um dos mais famosos cidadãos sobre quem pende um pedido de prisão.

Nada mais, nada menos do que o seu antigo Presidente George Bush, o homem que não olhou a meios para invadir o Iraque mas que no interior do seu país goza de uma completa imunidade consubstanciada numa enorme protecção política, judicial e corporativa.

Se em relação ao Presidente do Sudão o mandato de captura internacional visa forçar a sua detenção para o cumprimento de uma pena resultante de uma condenação por “crimes cometidos na região de Darfur”, já no que toca ao Chefe de Estado do Quénia a “originalidade” reside no facto dele ter que ir a julgamento pela alegada prática de “incitamento à violência” e de “responsabilidade pela morte de milhares de pessoas” no período que se seguiu a realização das eleições ocorridas em finais de 2007.

Perante este imbróglio legal e face à firme posição assumida pela União Africana, onde muitos dos participantes na cimeira pediram, pura e simplesmente, para se ignorar a existência do Tribunal Criminal Internacional, ninguém em Haia sabe muito bem como fazer com o caso do Presidente do Quénia e com outros processos que continuam a ser apreciados.

Um deles é o de Robert Mugabe, presidente reeleito do Zimbabwe e sobre quem pende, igualmente, um processo de averiguações para a eventual abertura de um processo judicial por crimes que ninguém consegue vislumbrar nem os juízes de Haia explicar de forma convincente.

Se Mugabe tivesse perdido as eleições, como almejavam muitas potências ocidentais, tudo estaria mais fácil, mas como ganhou de forma explícita fica difícil provar como é que um homem que praticou crimes contra o seu povo continua a merecer deste a forte confiança para os continuar a governar.

Um outro aspecto curioso quando se abordam questões relacionadas com o “Tribunal de Haia”, como também é conhecido, prende-se com a composição do seu corpo de juízes, constituídos na sua esmagadora maioria por europeus que apenas têm meia dúzia de meses para apreciar as provas acusatórias que lhes são remetidas pelos “queixosos”.

Este modo processual de tratar com os casos que lhes chegam às mãos, inquina, logo à partida, a obrigatoriedade de igualdade com que devem ser tratadas todas as partes envolvidas e atiram para o caixote do lixo a presunção de inocência, um dos pilares dos tratados de Direito.

As críticas em relação ao modo de funcionamento do Tribunal Criminal Internacional não são de agora. Elas duram há anos, mas a verdade é que pouco ou nada tem sido feito para que a situação se altere e a justiça pareça ser igual para todos.

Nos últimos meses aquele órgão internacional tem-se esmerado na libertação de condenados provenientes de antigas repúblicas socialistas e que estavam presos na sequência da prática de “crimes contra a humanidade” que terão ocorrido depois do desmantelamento da antiga Jugoslávia.

Por outro lado, outros condenados, como Bush, continuam impunes pelo facto dos seus países não reconhecerem a existência do Tribunal Criminal Internacional ignorando, por via disso, as decisões que ele toma e que não servem os seus interesses políticos.

Face a isto será tempo, pois, de também os países africanos que assinaram a constituição desse tribunal lhe virarem as costas, abandonando-o, permitindo assim que os seus cidadãos não se sintam vítimas de discriminação, sejam eles presidentes, vice-presidentes ou simples cidadãos comuns que um dia no desempenho de cargos de responsabilidade, militar ou civil, foram obrigados a cumprir ordens destinadas a salvaguardar a soberania e a defesa dos seus países.

Se assim for feito talvez se esteja a cumprir a determinação e o desejo de que a justiça seja igual para todos, independentemente do local onde vivam ou tenham nascido para o mundo.

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