Deutsche Welle
Ao exigir saída do
governo eleito, oposição luta contra a vontade da maioria e joga país numa
tensão que se repete desde a democratização. Abismo entre grupos rivais é tão
profundo que diálogo é quase impossível.
Carregando a
bandeira da Tailândia, a multidão enfurecida parte em direção à sede do governo
em Bangkok, para forçar a renúncia do regime. Várias fileiras de policiais
protegem a área. Pedras e bombas de gás lacrimogêneo são lançadas. As forças de
segurança afastam os manifestantes com canhões de água e balas de borracha. Os
atuais protestos, que desde o fim de semana já deixaram ao menos quatro mortos,
mostram que a sociedade tailandesa não vem tendo descanso.
Nos protestos em
2010, morreram mais de 90 pessoas. A razão para a instabilidade, que já dura
anos: a Tailândia é um país em transição, resume Marco Bünte, professor
associado da Universidade Monash da Malásia. "Trata-se de um novo pacto
social. Até agora, ele foi embutido de elementos medievais e deve se tornar
mais democrático, para que possa realmente corresponder à atual realidade
social", opina.
Origem da mudança
A mudança começou
em 1992, quando um primeiro governo civil fortaleceu as estruturas
democráticas, após uma longa ditadura militar. Em 2001, com a nomeação de
Thaksin Shinawatra como o 23° primeiro-ministro tailandês, a democratização
recebeu um novo impulso. Nas eleições, ele conseguiu com sucesso mobilizar a
população no norte e nordeste do país.
O então premiê
prometeu um pacote de estímulo à população rural, que foi implementado após sua
eleição. "Thaksin realmente se engajou pela população rural e manteve suas
promessas políticas", diz Bünte.
Isso garantiu a
Thaksin uma base de poder a longo prazo. Por outro lado, isso também irritou a
elite política em Bangkok, que até então procurava governar o país de acordo
com suas ideias. Com a ascensão de Thaksin, surgiram dois blocos políticos
rivais: os camisas amarelas e os camisas vermelhas. Estes últimos apoiavam Thaksin
e hoje apoiam a irmã dele, Yingluk.
Eles vêm
principalmente das populosas províncias do norte e nordeste, mas atualmente
também de Bangkok. Nas últimas eleições, Yingluk Shinawatra conseguiu um terço
dos votos dos residentes da capital tailandesa. Eles representam os ascendentes
e aqueles que lucram com a mudança da ordem mundial.
A base dos camisas
amarelas, por sua vez, está nas cidades, nas elites burguesas e no sul do país.
Eles se atêm à velha ordem. No início de sua carreira política, Thaksin se
apresentou como a grande esperança democrática. No entanto, essa esperança logo
se transformou em decepção, explica Rainer Adam, diretor do escritório da
Fundação Friedrich Naumann em Bangkok.
"Gradualmente,
Thaksin revogou todos os mecanismos que fazem parte de uma democracia
liberal", afirma. Por exemplo, ele ocupou todas as posições-chave do
governo com seus apoiadores e no Parlamento, de pouco em pouco, incorporou
todas as forças políticas em seu próprio partido, de forma a não haver
praticamente mais oposição.
Golpe e
endurecimento de posições
Quando Thaksin foi
para Nova York participar da Assembleia Geral da ONU em 2006, os militares
tailandeses deram um golpe de Estado, de comum acordo com os camisas amarelas.
Nas eleições seguintes, em 2007, o sucessor do partido de Thaksin conseguiu
ascender ao poder. Pouco tempo depois, os camisas amarelas foram às ruas,
conseguindo afastar com sucesso os camisas vermelhas do governo. Em 2010,
aconteceram manifestações por parte dos camisas vermelhas para exigir a volta
de Thaksin. Os camisas amarelas se defenderam ferozmente.
Na ocasião, Suthep
Thaugsuban, que hoje lidera novamente os protestos dos camisas amarelas, foi
acusado de ter ordenado uma ação da policia, que provocou a morte de 25 pessoas
e deixou 800 feridos. Após o esvaziamento dos protestos, os camisas vermelhas
ganharam as eleições de 2011. Desde então, Yingluck Shinawatra ocupa o cargo de
primeira-ministra. No entanto, como mostram os recentes protestos, os camisas
amarelas não querem se dar por vencidos.
O constante vai e
vem dos últimos anos aponta que a maioria se decide, regularmente, pelos
camisas vermelhas, enquanto a minoria incansável dos camisas amarelas tenta sem
sucesso se afirmar. A atual oposição dos camisas amarelas que protesta nas ruas
mostra, com seu ultimato ao governo e com a exigência de um "conselho popular"
sem legitimidade, o quão profunda é a sua desconfiança frente à vontade do
povo.
Para Rainer Adam,
da Fundação Friedrich Naumann, há algo de bom na atual crise: "As
sociedades mudam quando surgem conflitos. Mas, naturalmente, tais conflitos
devem ser empreendidos com os meios apropriados. Eles devem ser enquadrados de
forma institucional." No entanto, completa o especialista, o abismo entre
os grupos rivais é tão profundo, que a existência de um diálogo é praticamente
impossível.
Autoria: Rodion
Ebbighausen (ca) - Edição: Rafael Plaisant
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