segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Portugal: AVES DE RAPINA OUTRA VEZ À VISTA

 


Fernando Santos – Jornal de Notícias, opinião
 
O quadro comunitário de apoio para o período 2014-2020 está a reativar nefastos vícios públicos e privados. Enganados estavam todos quantos julgavam mortos e enterrados os comportamentos que conduziram o país à pré-falência e à hipoteca do futuro de várias gerações.
 
Os 25 mil milhões de euros postos à disposição pela União Europeia representam a derradeira oportunidade de o país dispor de fundos capazes de permitir a sua modernização, seja ela infraestrutural seja de capital humano. Como fazê-lo é o ponto-chave de um tabuleiro demasiado marcado por jogatanas e discórdia e no qual se tenta fintar a necessidade de acompanhar uma parte menor do financiamento dos projetos através de capitais próprios, isto é, pelo recurso a dinheiros públicos - leia-se impostos dos portugueses.
 
Ainda no limiar do acionamento dos fundos estão já à vista, de facto, os sintomas da atração pela reincidência em erros do passado e subserviência aos interesses de sempre.
 
A excitação provocada pelas conclusões de um grupo de estudo sobre os projetos de obras públicas consideradas estratégicas para a felicidade futura é paradigmática. A bondade do grupo de estudiosos concluiu pela aplicação de 5,1 mil milhões de euros em 30 projetos, a maioria infraestruturas de índole portuária e ferroviária - descartando, como seria de todo natural, a continuidade do investimento em elefantes brancos rodoviários.
 
Secundarize-se a análise à distribuição geográfica dos investimentos preconizados - sintomática do objetivo de satisfazer todas as capelinhas. E então?
 
Não dispondo o país de meios para arcar com a parte de financiamento que lhe compete, a apetência será sempre a de envolver os privados. E sabe-se como....
 
Os 30 projetos apresentados formam um cardápio de boas intenções - curiosamente, jamais fundamentadas em estudos de viabilidade económico-financeira - e, bem vistas as coisas, as projeções até são dispensáveis, evitando-se assim repetir a indecente e má figura de "filmes" anteriores.
 
Para todos os efeitos, a conversa fiada do investimento para o bem--estar geral é a mais conveniente para satisfazer os sindicatos financeiros (e não só) do costume, disfarçando sempre o lema da socialização dos custos e a privatização dos lucros.
 
É uma triste sina a existência do risco de conclusão pela incapacidade de o poder decisório se desamarrar de grupos de pressão - e eles mexem-se num jogo de sombras no qual mais se parecem com bandos de aves de rapina em sobrevoo da presa.
 
Sim, é só um estudo, entregue ao Governo para avaliação e posterior decisão. Mas é legítimo temer-se pela repetição de erros recentes - e de consequências bem à vista.
 
A teia de interesses é demasiado forte e será uma proeza se o Poder Executivo nela não se enredar.
 
A ruína das parcerias público-privadas tem tudo para ser replicada. Sem emenda.
 
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