sexta-feira, 21 de março de 2014

Portugal – FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS: O MEALHEIRO DE PASSOS COELHO



Daniel Oliveira – Expresso, opinião

Quem me lê com frequência conhecerá a minha posição sobre a ADSE . Há muito que defendo que deve ser autossuficiente, optativa e complementar, como qualquer outro seguro de saúde. Ela tem uma história e corresponde a expectativas legitimas. Por isso, a integração total dos funcionários públicos no mesmo Serviço Nacional de Saúde que serve os restantes cidadãos deve ser faseada. Até para não provocar rupturas. Mas não há coerência que me permita combater os benefícios fiscais para os Planos Poupança Reforma, por serem uma injustificável transferência de recursos públicos para instituições financeiras privadas; para combater o financiamento público dos colégios, por corresponder a retirar recursos à Escola Pública para financiar um negócio necessariamente seletivo; e defender uma rede de saúde privada para os funcionários públicos. Que acaba por contribuir para a degradação de um Serviço Nacional de Saúde que se quer universal. Não se trata aqui única ou especialmente de justiça - apesar de não ser fácil explicar que o que o Estado pensa ser bom para todos não é bom para os seus. Trata-se duma questão de coerência nas políticas públicas.

Na realidade, o que defendo tem vindo a fazer-se. Lentamente, como são todas as reformas bem estruturadas. Mas, como sempre, o primeiro-ministro estraga um caminho de convergência com a sua propensão para o confisco, para a mentira e para um desrespeito pelos funcionários públicos, determinado por primarismo ideológico. Já o fez com a Caixa Geral de Aposentações, volta a fazê-lo com a ADSE. O seu caminho é facilitado por um discurso demagógico e irresponsável que se generalizou na sociedade portuguesa quando se fala dos servidores do Estado. Um discurso que pretende dividir para reinar mas afeta de forma profunda e duradoura a própria imagem e autoridade do Estado que os governantes deveriam proteger.

O aumento dos descontos para a ADSE é injustificável. Ela é, neste momento, autossuficiente, como o próprio primeiro-ministro acabou por reconhecer. Logo, o aumento tem como função criar um excedente. Quando apanhado, o primeiro-ministro teve de inventar um argumento de última hora: trata-se de um aforro, para o futuro que se espera deficitário. Mas quem é que, no seu perfeito juízo, no ano em que os funcionários públicos estão a ser sugados até ao tutano, se lembra de acrescentar ao que se lhes tira uma poupança para prevenir o futuro? Das duas uma: ou Pedro Passos Coelho não percebeu a brutalidade que já retirou aos rendimentos dos funcionários públicos e como as finanças destes trabalhadores se tornaram, elas próprias, insustentáveis, ou está a mentir. Apesar de achar que a insensibilidade social do primeiro-ministro é infinita, aposto mais na segunda. Até por o argumento das futuras despesas ter surgido há pouco tempo e mal amanhado.

O aumento dos descontos dos funcionários públicos para a ADSE é um imposto escondido para outro fim que não a ADSE. Politicamente ilegítimo e moralmente inaceitável. Vindo de quem olha para os funcionários públicos como culpados de todos os nossos males e por isso vítimas aceitáveis de todas as arbitrariedades. E, juntando o útil ao agradável, os trabalhadores do Estado transformaram-se no mealheiro sem fundo para todas as ocasiões.

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