quarta-feira, 5 de março de 2014

UMA UCRÂNIA VULNERÁVEL E FRÁGIL



Martinho Júnior, Luanda

1 – Os acontecimentos da Ucrânia constituem cenários que ilustram bem o que está por detrás deles: as tensões financeiras concorrentes, em disputa pelo espaço geo-estratégico de manobra e de poder.

É precisamente a isso que nos (aos 99% da humanidade) condena o poder dos outros 1%, tendo em conta o quanto eles movem por um lado em prol da hegemonia unipolar e por outro dos emergentes de orientação multipolar, tudo isso correspondendo inteiramente à lógica capitalista em vigor e à sua responsabilidade histórica!

A Ucrânia, vulnerável e frágil, está a ser uma das muitas vítimas inscritas na globalização que está instituída desde o fim do bloco socialista ou, como queiram, desde o derrube do muro de Berlim!

Estamos perante um país desamparado, com um povo que ao procurar melhores formas de vida, está susceptível à ingerência, à manipulação e aos desencantos derivados dessa busca incessante, que deu azo à escalada de radicalismos em curso!

Desse modo a Ucrânia está a ser condenada a ser a última a decidir democraticamente sobre os seus próprios destinos e os membros de sua oligarquia, qualquer que seja o campo de referência, são autênticos peões que não podem resistir à influência de seus tutores, dum lado ou do outro da barricada.

A moeda nacional, o grivnia, está à mercê do tandem euro-dolar, como do rublo, numa altura em que o primeiro procura responder à crise e o segundo se manifesta cada vez mais pujante e inteligente!

Os dois campos aglutinam clara e inequivocamente:

- De um lado os Estados Unidos, a União Europeia e sobretudo a Alemanha, com todos os monopólios, carteis e tecnologias disponíveis “do ocidente” e com a NATO; essa é uma ala misto conservadora e ultraconservadora;

- Do outro a Rússia e a constelação de interesses que lhe estão agregados, em função dos BRICS, do concerto regional e do espaço próprio euro-asiático, que rodopiam à volta das indústrias e das capacidades energéticas instaladas “a leste”; uma ala comparativa e relativamente mais progressista e sem blocos militares.

O leste da Ucrânia (a leste do rio Dniepre) possui índices de riqueza e de estabilidade maior que o ocidente do país o que se junta ao pendor da crise financeira global: a parte ocidental ucraniana, mais pobre, torna-se num ónus pesado para a União Europeia e sobretudo para Alemanha, enquanto a Rússia, a leste, defenderá seus interesses industriais, até por que eles têm incidências na sua própria indústria e capacidade estratégica!

Na Crimeia a Rússia tem razões históricas e humanas que lhes assiste, o que pode gerar controvérsias ainda maiores, até por que a Rússia tem em Sebastopol a base naval principal da sua frota estratégica do Mar Negro.

Entre essa tese e essa antítese, a síntese está a caminho, mas demorará provavelmente mais duma década para ter alguma maturidade, passará por uma turbulência constante e, enquanto o povo sofrer os impactos desse jogo e os ajustes que ele impõe, a Ucrânia não se vai assumir, podendo até desagregar-se!

A exclusão de Viktor Ianukovitch do novo governo, ilustra bem as tendências do momento, construídas com a exclusão de muitas outras sensibilidades “a leste”… quando é no leste onde se encontram as maiores cidades do país e a maior concentração tecnológica e industrial!

É também um indicador do carácter da oligarquia nacional e da corrupção que grassa desde a “Revolução Laranja” e as políticas de “portas abertas”!

A Rússia, que tem vindo a ser atacada no Mar Negro, tenderá a tirar partido do ensaio que fez na Geórgia e fazer evoluir a seu favor, muito rapidamente, a situação no leste da Ucrânia!

Perante a verborreia da Praça Maidan, a Rússia prefere agir e colocar as questões perante evidências cujo retorno será muito difícil.

No fundo, sob o ponto de vista geo-estratégico e tendo em conta o passado histórico, a Ucrânia está vulnerável e frágil às influências e manipulações com sinal germanófilo (por tabela anglo-saxão), face às influências e manipulações com sinal eslavo, pois a relativa confrontação Oeste-Leste está a ser transferida para as armas financeiras de um lado e do outro, em estreita conexão agora com o sinal económico, étnico, sócio-político respectivo e… militar!

Havendo uma radicalização, o primeiro campo de batalha será ali, na Ucrània, mas poderá estender-se a outras regiões da Europa e do mundo… é preciso não esquecer que a nave-capitânea da frota russa do Mar Negro, que tem base em Sebastopol na Crimeia, está neste momento… na Venezuela!

2 – Com todo o espectro de medidas abertas ou veladas que foram sendo tomadas pelo Governo de Viktor Ianukovitch, foi só quando ele deu costas à União Europeia para aceitar o empréstimo de quinze mil milhões de euros da Rússia que o cenário da crise despoletou!... até aí a contestação a ele era de relativamente baixa intensidade, apesar dos cavalos da discórdia “ocidentais” estarem já na “linha de partida” e prontos a correr!...

A crise veio acentuar a fragilidade financeira da moeda ucraniana, o grivnia: para além dos fenómenos já apontados de corrupção, a inflação está a ser galopante, a desvalorização agrava-se e os créditos suaves russos estão a ser substituídos pela possível entrada do FMI, cujas “receitas creditícias” são por demais conhecidas!...

A Ucrânia está agora como “um corpo inerte onde cada abutre vem depenicar o seu pedaço”!

Se em função dos interesses “do leste”, as coisas já estavam mal para a Ucrânia, pioraram agora com o que o FMI e possivelmente com uma nova “troika” que se avizinha, pronta para introduzir um sinal dessa evidência: a inserção das redes “stay behind” nos cenários sócio-políticos da Ucrânia da Praça Maidan… ao mesmo tempo que são excluídos ou esbatidos os sinais eslavos do espaço político que insiste na deriva a “ocidente”!

O fascismo, que faz parte das redes “stay behind” da hegemonia e por tabela da NATO, são fundamentalismos que estão dispostos à exclusão, no momento em que a Ucrânia tanto precisa de inclusão… só por que servem ao “ocidente” e são seus dilectos instrumentos!

Podem servir também às-mil-maravilhas à ditadura do capital, uma vez que o espectro da divisão ou da desagregação está instalado.

A ausência de inclusão, pelas assimetrias e disfunções que comporta, “abre ainda mais as portas” aos lobos do capital e torna a Ucrânia numa apetecida presa… a juntar a tantas e tantas outras que existem no âmbito contemporâneo desde a União Europeia ao resto do mundo!

A Rússia que avalia o que são as “revoluções coloridas” pelo carácter da era Yeltsin, começa a dar combate a esse tipo de contra-revolução liberal na Europa e onde quer que elas ocorram no mundo, como está a acontecer na Venezuela!

3 – A Ucrânia está como um tabuleiro onde são movidas as peças dum lado e de outro e o seu povo, sedento de liberdade e de justiça social, tarda em avaliar o grau dos interesses, das conveniências, manipulações e embustes que o envolvem, ou o esmagam e das jogadas que o apertam como uma poderosa tenaz!

O fascismo movido pelo “ocidente” é um dos elementos essenciais ao apertão da tenaz e das jogadas correntes!...

No quadro duma “revolução colorida” é evidente que constitui uma ameaça estratégica que a Rússia vai dar combate, sem alarido, mas com sua tradicional eficácia… até por que as forças armadas da Ucrânia estão também divididas pelas opções!

O fascismo faz parte da engrenagem da ditadura do capital, no momento das crises conjugadas do euro e do dólar e surge como um precioso instrumento de recurso de intervenção étnica e sócio-política!

… Quanto ao povo, ele é a primeira e a maior das vítimas!

Da “pancadaria civil” à “pancadaria militar”, na Ucrânia, vai uma muito curta distância!

Como dizemos tão experiente quão lucidamente em África: quando dois elefantes lutam, quem se lixa é o capim!... por agora os elefantes passaram também para a Europa, de tal modo que esvaído o sonho duma União Europeia dos povos, por imperativos do capital, pode-se estar a assistir também à eclosão de mais um mito “democrático”!... NATO obriga!

Gravura: Composição de vários jornais sobre os “cenários Maidan”!

A consultar (Martinho Júnior):
- Merkel ao serviço da contra revolução liberal – http://paginaglobal.blogspot.com/2014/02/merkel-ao-servico-da-contra-revolucao.html

A consultar (Rui Peralta):
- Legitimidade, legalidade e processo de emancipação – http://paginaglobal.blogspot.pt/2014/02/legitimidade-legalidade-e-processo-de.html

A consultar (outros autores):
- A opção europeia será também a opção militar a favor da NATO – http://resistir.info/varios/ucrania_27jan14_p.html
- A Ucrânia e o renascimento do fascismo na Europa – http://resistir.info/ucrania/renascimento_fascismo.html
- Alemanha quer apoiar o opositor-pugilista Klitschko na Ucrânia – http://www.publico.pt/mundo/noticia/alemanha-quer-apoiar-o-opositorpugilista-klitschko-1615514
- Protestos orquestrados por Washington desestabilizam a Ucrânia – http://resistir.info/ucrania/roberts_ucr_13fev14.html
- Ukraine Color Revolutions: At the Crossroads of Euro-Atlantic and Eurasian Power Politics – http://www.globalresearch.ca/ukraine-colored-revolutions-at-the-crossroads-of-euro-atlantic-and-eurasian-power-politics/5367573
- Washington Collaborates with Ukrainian Neo-Nazis – http://www.globalresearch.ca/washington-collaborates-with-ukranian-neo-nazis/5367798

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