Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Para efeitos
comparativos, em Portugal o salário mínimo é de 566 euros (485 que se
multiplicam por 14 e se voltam a dividir por 12). Em 2011, sete países da União
não tinham salário mínimo. A Alemanha aprovou-o este mês para todos os sectores ,
estabelecendo-se 8,5 euros à hora (um pouco menos do triplo do que se pratica
em Portugal). Áustria, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Itália e Suécia não têm
salário mínimo na lei. Quase todos, porque os salários pagos e o nível de
igualdade conseguido o dispensa. Dos restantes 21, nove têm salários mínimos
abaixo dos nossos. São todos do leste europeu e todos entraram para UE depois
de nós. Acima de nós estão os outros: Luxemburgo (1.874€), Bélgica (1.502 € ), Holanda (1.469 € ), Irlanda (1.462 € ), França (1.430 € ), Reino Unido (1.264 € ), Eslovénia (784 € ), Espanha (753 € ), Malta (697 € ) e Grécia (684 € ) . Não vale a pena dizer que em Portugal tudo é mais
barato. Se tivermos em conta o poder de compra passamos, no total de 21 países,
de 11º para 12º lugar. Também não é apenas por sermos
pobres. O salário mínimo da Bélgica, da Holanda, da Irlanda e de
França são quase o triplo do português. E estão todos abaixo
do dobro do nosso PIB per capita . Apesar de sermos um dos
países mais desiguais da Europa, somos o 9º em que o salário mínimo mais se
aproxima da remuneração mensal média (42,6%). Não porque se aproxime dos
salários decentes, mas porque é uma referência para os salários mais baixos.
Não é difícil olhar
para estes números (outros, menos atualizados mas talvez mais completos, podem ser vistos aqui) e perceber que não há
qualquer relação entre a competitividade de um país e um salário mínimo muito
baixo. O que o salário mínimo nos descreve é a estrutura produtiva de cada
economia. Países que acrescentam pouco valor ao que produzem tendem a pagar
salários mais baixos e a tentar competir por essa via. E um salário mínimo
muito baixo tende a promover este tipo de economia e a atrair este tipo de
empresas. Um salário mínimo baixo não é apenas consequência do atraso
económico de um país. Também é causa.
Quando se promove
este tipo de economia, não vinga o empresário que inova, que investe no
conhecimento, que organiza bem a sua empresa. Tende a vingar o patrão que paga
menos e que concorre apenas com esse argumento. Em regra, o empresário menos
qualificado. Segundo o estudo "Emprego, contratação colectiva de trabalho
e proteção de mobilidade profissional em Portugal", encomendado pelo
Ministério do Trabalho em 2010, 61,3% dos trabalhadores por conta de outrem
tinham até ao terceiro ciclo do ensino básico, 20,4% o ensino secundário e
18,3% o ensino superior. Nos patrões, 71,7% tinha até ao terceiro ciclo do
ensino básico, 12,2% o ensino secundário e 16,1% o ensino superior. Ou seja, a
qualificação dos trabalhadores era superior à do que empresários. Esta foi a
classe empresarial que a política de salários baixos promoveu. O que afeta a
produtividade geral do País porque, como lembrava o nosso Aníbal, a má moeda
expulsa a boa moeda. Como se vê com os nossos emigrantes e nas grandes empresas
que se instalam no País, a nossa baixa produtividade tem muito pouco a ver com
os nossos trabalhadores. Terá a ver com alguns custos de contexto e atrasos
estruturais, sim. Mas resulta, acima de tudo, de um tecido empresarial que se
habituou a viver à sombra de mão de obra barata e que nem sequer consegue
absorver os seus trabalhadores mais qualificados.
Mesmo os países que
pagam menos do que nós estão a fazer o seu caminho. Entre 2006 e 2013, o
salário mínimo português aumentou bastante. Cerca de 25%. Mas nos países de
Leste, que estão abaixo de nós, a evolução está a ser muito mais rápida. Neste
mesmo período, cinco deles duplicaram o salário mínimo, dois deles aumentaram
em mais de cinquenta por cento e apenas um aumentou menos do que nós e outro
mais ou menos o mesmo. Pior: o aumento do nosso salário mínimo parou em 2011,
quando a troika chegou à Portela e Passos Coelho chegou a São Bento.
E nisto só fomos acompanhados pela Grécia, que até o baixou em 22%, em 2012. Ou
seja, desde de 2011 que Portugal está a apostar num caminho sem futuro. Que até
os nossos principais concorrentes estão a abandonar.
O aumento do
salário mínimo é um dos mais poderosos instrumentos de combate ao maior cancro
social, económico e até político de Portugal: a desigualdade na distribuição do
rendimento. Esta desigualdade tem efeitos no mercado interno (há uma parte
razoável do país que pouco consome) e nas contas públicas (mais de 56% dos
contribuintes não pagam IRS, por terem rendimentos demasiado baixos). Mas
sobretudo tem efeitos sociais profundos. Como demonstram Richard Wilkinson e
Kate Pickett, em "O Espírito da Igualdade", a desigualdade, em países
do primeiro mundo, afecta de forma estrutural indicadores como a confiança
entre cidadãos, doenças mentais, toxicodependência, alcoolismo, esperança de
vida, mortalidade infantil, obesidade, desempenho escolar, gravidez na
adolescência, homicídios, taxas de encarceramento e mobilidade social. Não
apenas nos pobres, mas no conjunto da sociedade.
Por fim, tem
efeitos políticos. Porque desigualdade económica é desigualdade de poder. Uma
outra obra, "Desigualdade em Portugal" (Edições 70), dá-nos alguns
exemplos. Duas pessoas: uma ganha mais de 2.500 euros mensais, outra menos de
800. A primeira tem seis vezes maior probabilidade de ser militante de um
partido, sete vezes maior probabilidade de contactar pessoalmente com um
político ou um alto funcionário público, oito vezes maior probabilidade de ter
algum tipo de atividade voluntária. É por isto que apenas 17% dos portugueses
alguma vez participaram numa ação cívica coletiva. A média europeia é de 41%.
Na Escandinávia é de 70%. Não há democracia saudável com grandes níveis de
desigualdade. E o aumento do salário mínimo é, com os impostos progressivos e
os serviços públicos, o mais poderoso instrumento para reduzir uma desigualdade
que envenena a nossa vida em comunidade. E que fique claro: lutar pela
igualdade não é punir a classe média. Pelo contrário. É aproximar dela os que
menos ganham e redistribuir melhor o que continua a ir para os muito poucos que
concentram grande parte da riqueza em Portugal.
Como se sabe pelos
últimos números apresentados pelo INE, temos 10,5% dos trabalhadores com
emprego a viver abaixo do limiar de pobreza. E só no último ano a pobreza
aumentou 3,3 pontos percentuais na população ativa. Ter trabalhadores pobres é
ter maus trabalhadores. Que não se qualificam, que não estudam, que não
aprendem, que vivem esmagados por outras preocupações. Ter trabalhadores pobres
é repetir o modelo que nos deixou ficar para trás durante grande parte do
século XX. E que formou uma classe empresarial sem arrojo e uma economia pouco
competitiva. E, mais importante, que forjou um país inculto, pouco democrático
e desorganizado. Mas, para além de tudo isto, aumentar o salário mínimo é, para
quem faça o esforço de imaginar o que é viver com menos de 500 euros por mês, uma
questão de direitos humanos.
Passos Coelho
mostrou disponibilidade para, depois de dois anos de congelamento, aumentar
finalmente o salário mínimo. PSD e CDS, que tiveram o o primeiro-ministro
a berrar, durante meses, que o aumento do salário mínimo seria "uma
barreira ao emprego" e até a defender a sua redução, responsabilizam, em
vésperas de eleições, o memorando da troika por não o terem feito
antes. Mas Passos Coelho apresentou a coisa de uma forma um pouco estranha:
disse que "está disponível para fazer concessões". Concessões porquê?
Se o aumento do salário mínimo é uma concessão de alguém será, quanto muito,
dos patrões. E só por piada a CIP e o próprio Passos Coelho podem exigir
mudanças na lei laboral em troca de um aumento para 500 euros, inferior ao
salário mínimo real em 2011. Ou seja, usam o descongelamento do salário mínimo
como chantagem para conseguir mais mudanças nas leis do trabalho.
O aumento do
salário mínimo para níveis pelo menos superiores a 510 euros deve ser uma
posição do governo, porque tem efeitos positivos na economia, no tecido
empresarial, na competitividade do País, na nossa vida social e na democracia.
Não é uma cedência aos trabalhadores. E muito menos pode ser uma moeda de troca
para seja o que for.
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