terça-feira, 8 de abril de 2014

AUMENTAR O SALÁRIO MÍNIMO PARA TORNAR PORTUGAL COMPETITIVO



Daniel Oliveira – Expresso, opinião

Para efeitos comparativos, em Portugal o salário mínimo é de 566 euros (485 que se multiplicam por 14 e se voltam a dividir por 12). Em 2011, sete países da União não tinham salário mínimo. A Alemanha aprovou-o este mês para todos os sectores , estabelecendo-se 8,5 euros à hora (um pouco menos do triplo do que se pratica em Portugal). Áustria, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Itália e Suécia não têm salário mínimo na lei. Quase todos, porque os salários pagos e o nível de igualdade conseguido o dispensa. Dos restantes 21, nove têm salários mínimos abaixo dos nossos. São todos do leste europeu e todos entraram para UE depois de nós. Acima de nós estão os outros: Luxemburgo (1.874€), Bélgica (1.502  ), Holanda (1.469  ), Irlanda (1.462  ), França (1.430  ), Reino Unido (1.264  ), Eslovénia (784  ), Espanha (753  ), Malta (697  ) e Grécia (684  ) . Não vale a pena dizer que em Portugal tudo é mais barato. Se tivermos em conta o poder de compra passamos, no total de 21 países, de 11º para 12º lugar. Também não é apenas por sermos pobres. O salário mínimo da Bélgica, da Holanda, da Irlanda e de França são quase o triplo do português. E estão todos abaixo do dobro do nosso PIB per capita . Apesar de sermos um dos países mais desiguais da Europa, somos o 9º em que o salário mínimo mais se aproxima da remuneração mensal média (42,6%). Não porque se aproxime dos salários decentes, mas porque é uma referência para os salários mais baixos.

Não é difícil olhar para estes números (outros, menos atualizados mas talvez mais completos, podem ser vistos aqui)  e perceber que não há qualquer relação entre a competitividade de um país e um salário mínimo muito baixo. O que o salário mínimo nos descreve é a estrutura produtiva de cada economia. Países que acrescentam pouco valor ao que produzem tendem a pagar salários mais baixos e a tentar competir por essa via. E um salário mínimo muito baixo tende a promover este tipo de economia e a atrair este tipo de empresas. Um salário mínimo baixo não é apenas consequência do atraso económico de um país. Também é causa.

Quando se promove este tipo de economia, não vinga o empresário que inova, que investe no conhecimento, que organiza bem a sua empresa. Tende a vingar o patrão que paga menos e que concorre apenas com esse argumento. Em regra, o empresário menos qualificado. Segundo o estudo "Emprego, contratação colectiva de trabalho e proteção de mobilidade profissional em Portugal", encomendado pelo Ministério do Trabalho em 2010, 61,3% dos trabalhadores por conta de outrem tinham até ao terceiro ciclo do ensino básico, 20,4% o ensino secundário e 18,3% o ensino superior. Nos patrões, 71,7% tinha até ao terceiro ciclo do ensino básico, 12,2% o ensino secundário e 16,1% o ensino superior. Ou seja, a qualificação dos trabalhadores era superior à do que empresários. Esta foi a classe empresarial que a política de salários baixos promoveu. O que afeta a produtividade geral do País porque, como lembrava o nosso Aníbal, a má moeda expulsa a boa moeda. Como se vê com os nossos emigrantes e nas grandes empresas que se instalam no País, a nossa baixa produtividade tem muito pouco a ver com os nossos trabalhadores. Terá a ver com alguns custos de contexto e atrasos estruturais, sim. Mas resulta, acima de tudo, de um tecido empresarial que se habituou a viver à sombra de mão de obra barata e que nem sequer consegue absorver os seus trabalhadores mais qualificados.

Mesmo os países que pagam menos do que nós estão a fazer o seu caminho. Entre 2006 e 2013, o salário mínimo português aumentou bastante. Cerca de 25%. Mas nos países de Leste, que estão abaixo de nós, a evolução está a ser muito mais rápida. Neste mesmo período, cinco deles duplicaram o salário mínimo, dois deles aumentaram em mais de cinquenta por cento e apenas um aumentou menos do que nós e outro mais ou menos o mesmo. Pior: o aumento do nosso salário mínimo parou em 2011, quando a troika chegou à Portela e Passos Coelho chegou a São Bento. E nisto só fomos acompanhados pela Grécia, que até o baixou em 22%, em 2012. Ou seja, desde de 2011 que Portugal está a apostar num caminho sem futuro. Que até os nossos principais concorrentes estão a abandonar.

O aumento do salário mínimo é um dos mais poderosos instrumentos de combate ao maior cancro social, económico e até político de Portugal: a desigualdade na distribuição do rendimento. Esta desigualdade tem efeitos no mercado interno (há uma parte razoável do país que pouco consome) e nas contas públicas (mais de 56% dos contribuintes não pagam IRS, por terem rendimentos demasiado baixos). Mas sobretudo tem efeitos sociais profundos. Como demonstram Richard Wilkinson e Kate Pickett, em "O Espírito da Igualdade", a desigualdade, em países do primeiro mundo, afecta de forma estrutural indicadores como a confiança entre cidadãos, doenças mentais, toxicodependência, alcoolismo, esperança de vida, mortalidade infantil, obesidade, desempenho escolar, gravidez na adolescência, homicídios, taxas de encarceramento e mobilidade social. Não apenas nos pobres, mas no conjunto da sociedade.

Por fim, tem efeitos políticos. Porque desigualdade económica é desigualdade de poder. Uma outra obra, "Desigualdade em Portugal" (Edições 70), dá-nos alguns exemplos. Duas pessoas: uma ganha mais de 2.500 euros mensais, outra menos de 800. A primeira tem seis vezes maior probabilidade de ser militante de um partido, sete vezes maior probabilidade de contactar pessoalmente com um político ou um alto funcionário público, oito vezes maior probabilidade de ter algum tipo de atividade voluntária. É por isto que apenas 17% dos portugueses alguma vez participaram numa ação cívica coletiva. A média europeia é de 41%. Na Escandinávia é de 70%. Não há democracia saudável com grandes níveis de desigualdade. E o aumento do salário mínimo é, com os impostos progressivos e os serviços públicos, o mais poderoso instrumento para reduzir uma desigualdade que envenena a nossa vida em comunidade. E que fique claro: lutar pela igualdade não é punir a classe média. Pelo contrário. É aproximar dela os que menos ganham e redistribuir melhor o que continua a ir para os muito poucos que concentram grande parte da riqueza em Portugal.

Como se sabe pelos últimos números apresentados pelo INE, temos 10,5% dos trabalhadores com emprego a viver abaixo do limiar de pobreza. E só no último ano a pobreza aumentou 3,3 pontos percentuais na população ativa. Ter trabalhadores pobres é ter maus trabalhadores. Que não se qualificam, que não estudam, que não aprendem, que vivem esmagados por outras preocupações. Ter trabalhadores pobres é repetir o modelo que nos deixou ficar para trás durante grande parte do século XX. E que formou uma classe empresarial sem arrojo e uma economia pouco competitiva. E, mais importante, que forjou um país inculto, pouco democrático e desorganizado. Mas, para além de tudo isto, aumentar o salário mínimo é, para quem faça o esforço de imaginar o que é viver com menos de 500 euros por mês, uma questão de direitos humanos. 

Passos Coelho mostrou disponibilidade para, depois de dois anos de congelamento, aumentar finalmente o salário mínimo. PSD e CDS, que tiveram o o primeiro-ministro a berrar, durante meses, que o aumento do salário mínimo seria "uma barreira ao emprego" e até a defender a sua redução, responsabilizam, em vésperas de eleições, o memorando da troika por não o terem feito antes. Mas Passos Coelho apresentou a coisa de uma forma um pouco estranha: disse que "está disponível para fazer concessões". Concessões porquê? Se o aumento do salário mínimo é uma concessão de alguém será, quanto muito, dos patrões. E só por piada a CIP e o próprio Passos Coelho podem exigir mudanças na lei laboral em troca de um aumento para 500 euros, inferior ao salário mínimo real em 2011. Ou seja, usam o descongelamento do salário mínimo como chantagem para conseguir mais mudanças nas leis do trabalho.

O aumento do salário mínimo para níveis pelo menos superiores a 510 euros deve ser uma posição do governo, porque tem efeitos positivos na economia, no tecido empresarial, na competitividade do País, na nossa vida social e na democracia. Não é uma cedência aos trabalhadores. E muito menos pode ser uma moeda de troca para seja o que for.

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