segunda-feira, 9 de junho de 2014

LUSOFONIA: MITOS E PARADOXOS



Paxe Abreu – Diário Angolano

Para início de conversa; gostaríamos de explicar e conceituar cada um dos termos que compõe o título, o de Lusofonia e o de mito que poderá estar a volta disso e os paradoxos em tomar esse como projecto unificador, de identidade, ou de unidade; segundo, esse texto resulta de uma mesa redonda, com esse mesmo título, de que participamos, com estudiosos e escritores portugueses e Brasileiros, no Clisertão - Congresso Internacional do livro, da leitura e literatura no sertão, em Petrotina (Pernambuco) de 5 a 10 de Maio do presente ano. 

Se entendermos a palavra lusofonia como o termo que aglutina as palavras "luso" e "fonia", nessa repartição percebemos que a palavra "luso" na sua etimologia está ligada ao termo Lusitânia, que é a denominação que se deu a um território que se situava entre Portugal e Espanha na península ibérica. Esse território também foi conhecido como o lugar de grande resistência à invasão romana. Ou ainda, o termo "luso"+"fono" que ou quem fala português, que tem o português como língua oficial ou dominante (país lusófono). Ou mesmo, conjunto político-cultural dos falantes de português. Ou também quer dizer divulgação da língua portuguesa no mundo, condição de lusófono. Mito facto, ou personagem, ou particularidade que, não tendo sido real, simboliza não obstante uma generalidade que se deve admitir, coisa ou pessoa que não existe, mas se supõe real, ou ainda coisa só possível por quimera. Paradoxo palavra de origem latina que significa "paradoxum" e do grego "parádoxos" ou surpreendente, estranho, extraordinário, opinião contrária à comum, facto incrível, desconchavo, asneira.

Não pretendemos tomar o significado desses conceitos ao pé da letra, mas vamos tomá-los como ponto de partida para evidenciar o lugar das complexidades que um projecto como o da Lusofonia pode construir. Também não é nossa intenção evitarmos esse lugar da complexidade, mas procurar percebê-lo para que a partir disso se possa desenvolver um conhecimento dos complexos processos culturais codificados e não codificados que se dão num lugar como o nosso país, se ele for pensado no selo da Lusofonia e ou no do pan-africanismo, assim como de outros que não se revejam, nem num, nem noutro, por não irem ao encontro de possíveis soluções dos desafios, que os nossos processos culturais produzem, escapando por isso dum olhar, como por exemplo, o da Lusofonia, ou mesmo do pan-africanismo, embora esse último é que também vai inspirar as independências dos Países Africanos de Língua Portuguesa.

Aqui, na verdade há quatro aspectos primordiais a ter em conta e que vão sustentar a nossa discussão: primeiro o que se passou a chamar de lusofonia é o resultado de tentar regular ou mesmo reduzir diferentes povos e culturas sobre a "umbrella" dessa suposta identidade por via da Língua e da história na visão de alguns portugueses; segundo lugar, a Lusitânia que vai inspirar esse projecto da lusofonia, ou seja, lusófono, foi um lugar de resistência à colonização romana, daí o paradoxo de vir representar o contrário hoje, ou então essa ideia de lusofonia representará resistência a um projecto colonial mal resolvido; terceiro, esses mesmos territórios representa hoje parte do território português e do território espanhol, então se falarmos em Lusitânia, estaremos por força da história a falar de um território, cujos vestígios culturais podem ser encontrados em algumas localidades desses dois territórios; quarto, o território da península ibérica, onde se situa Portugal, o detentor do projecto da Lusofonia, e Espanha, é um território que esteve sobre o domínio dos Árabes (mouros). Portanto, a língua portuguesa — como todas as outras - como uma realidade de construção histórica vai então conservar vestígios dos diferentes povos que fizeram realidades no hoje território de Portugal e não só. E essa realidade, nesse caso os processos culturais que se dão em Portugal, para o que se atesta e para a nossa compreensão não é a síntese dos vestígios destes diferentes povos, mas a relação destes diferentes vestígios. Estando de acordo com E. Glissant podemos pensar que "a cultura portuguesa", como as de outras que se configuraram como territórios e não só, não é, mas ela existe na relação com todos os elementos de alguns aspectos que indicamos atrás.

Estará a ser, ou foi, pensado deste modo a lusofonia? Porque senão vejamos; a língua portuguesa ao se expandir pelos diferentes continentes do mundo, vai nestes diferentes lugares e de modo diferenciado, como é natural, construir realidades "exoglóticas", a sua materialização se dá na proliferação, na diferenciação, na variação. É notável aquilo que o português incorpora e o que as outras línguas com as quais convive (de modo interactivo) também incorporam, na interacção dos diferentes grupos e falantes, isso se pensarmos a língua portuguesa como também um dado cultural e a ser falada — fora da ditadura das instituições convencionais-, no Continente Asiático; em Goa, em Damão e Diu, em Macau, em Timor Leste; podemos ainda imaginar a língua portuguesa no grande Brasil; primeiro, entre os seus diferentes estados, segundo entre ela e as línguas indígenas, entre ela e as contribuições das diferentes comunidades linguísticas que aí emigraram e, por fim, o português em interacção com as culturas dos diferentes países da América Latina e/ou andina, com os quais tendo relações antropológicas, ou não entre os seus povos antes da colonização; pensemos em África, nos falares dos países "creolos" como Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, em Angola, em Moçambique, os aspectos que apontamos nas outras realidades também se dão aqui, a relação do português, para o caso de Angola e de Moçambique, com as diferentes línguas Bantu e, para o caso dos "países creolos", entre o português e as línguas creolas. Para os dados que apontamos aqui de que modo se posicionaria um projecto como o da "lusofonia", se aqui se dão várias "fonias", mas não no topos "luso".

Em nossa opinião, o projecto da Lusofonia, senão for repensado como lugar de tensão, como fronteira entre os diferentes ritmos e cores com as quais a língua portuguesa convive, como tentamos demonstrar nesta breve viagem, caminharíamos com ele para os lugares hegemónicos, como se tem revelado nas diferentes instituições culturais e entre elas a política. A lusofonia pensada nessa dispersão, sem os mecanismos de controlo que deixam de fora os elementos evidenciados aqui, entre outros não inventariados, como contributo, talvez, estivesse melhor posicionada. Como, por exemplo, um país como Angola, com tanta importância e responsabilidade políticas e até culturais nas regiões em que se situa, encarará nos próximos anos um projecto como o da Lusofonia, diante de tantos ritmos e cores que constroem a sua multi-interculturalidade que nos deve devolver a ideia do lugar por via do conhecimento e estudo destas relações?

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