Paxe
Abreu – Diário Angolano
Para
início de conversa; gostaríamos de explicar e conceituar cada um dos termos que
compõe o título, o de Lusofonia e o de mito que poderá estar a volta disso e os
paradoxos em tomar esse como projecto unificador, de identidade, ou de unidade;
segundo, esse texto resulta de uma mesa redonda, com esse mesmo título, de que
participamos, com estudiosos e escritores portugueses e Brasileiros, no
Clisertão - Congresso Internacional do livro, da leitura e literatura no
sertão, em Petrotina (Pernambuco) de 5 a 10 de Maio do presente ano.
Se
entendermos a palavra lusofonia como o termo que aglutina as palavras
"luso" e "fonia", nessa repartição percebemos que a palavra
"luso" na sua etimologia está ligada ao termo Lusitânia, que é a
denominação que se deu a um território que se situava entre Portugal e Espanha
na península ibérica. Esse território também foi conhecido como o lugar de
grande resistência à invasão romana. Ou ainda, o termo
"luso"+"fono" que ou quem fala português, que tem o
português como língua oficial ou dominante (país lusófono). Ou mesmo, conjunto
político-cultural dos falantes de português. Ou também quer dizer divulgação da
língua portuguesa no mundo, condição de lusófono. Mito facto, ou personagem, ou
particularidade que, não tendo sido real, simboliza não obstante uma
generalidade que se deve admitir, coisa ou pessoa que não existe, mas se supõe
real, ou ainda coisa só possível por quimera. Paradoxo palavra de origem latina
que significa "paradoxum" e do grego "parádoxos" ou
surpreendente, estranho, extraordinário, opinião contrária à comum, facto
incrível, desconchavo, asneira.
Não
pretendemos tomar o significado desses conceitos ao pé da letra, mas vamos
tomá-los como ponto de partida para evidenciar o lugar das complexidades que um
projecto como o da Lusofonia pode construir. Também não é nossa intenção
evitarmos esse lugar da complexidade, mas procurar percebê-lo para que a partir
disso se possa desenvolver um conhecimento dos complexos processos culturais
codificados e não codificados que se dão num lugar como o nosso país, se ele
for pensado no selo da Lusofonia e ou no do pan-africanismo, assim como de
outros que não se revejam, nem num, nem noutro, por não irem ao encontro de
possíveis soluções dos desafios, que os nossos processos culturais produzem,
escapando por isso dum olhar, como por exemplo, o da Lusofonia, ou mesmo do
pan-africanismo, embora esse último é que também vai inspirar as independências
dos Países Africanos de Língua Portuguesa.
Aqui,
na verdade há quatro aspectos primordiais a ter em conta e que vão sustentar a
nossa discussão: primeiro o que se passou a chamar de lusofonia é o resultado
de tentar regular ou mesmo reduzir diferentes povos e culturas sobre a
"umbrella" dessa suposta identidade por via da Língua e da história
na visão de alguns portugueses; segundo lugar, a Lusitânia que vai inspirar
esse projecto da lusofonia, ou seja, lusófono, foi um lugar de resistência à
colonização romana, daí o paradoxo de vir representar o contrário hoje, ou
então essa ideia de lusofonia representará resistência a um projecto colonial
mal resolvido; terceiro, esses mesmos territórios representa hoje parte do
território português e do território espanhol, então se falarmos em Lusitânia,
estaremos por força da história a falar de um território, cujos vestígios
culturais podem ser encontrados em algumas localidades desses dois territórios;
quarto, o território da península ibérica, onde se situa Portugal, o detentor
do projecto da Lusofonia, e Espanha, é um território que esteve sobre o domínio
dos Árabes (mouros). Portanto, a língua portuguesa — como todas as outras - como
uma realidade de construção histórica vai então conservar vestígios dos
diferentes povos que fizeram realidades no hoje território de Portugal e não
só. E essa realidade, nesse caso os processos culturais que se dão em Portugal,
para o que se atesta e para a nossa compreensão não é a síntese dos vestígios
destes diferentes povos, mas a relação destes diferentes vestígios. Estando de
acordo com E. Glissant podemos pensar que "a cultura portuguesa",
como as de outras que se configuraram como territórios e não só, não é, mas ela
existe na relação com todos os elementos de alguns aspectos que indicamos
atrás.
Estará
a ser, ou foi, pensado deste modo a lusofonia? Porque senão vejamos; a língua
portuguesa ao se expandir pelos diferentes continentes do mundo, vai nestes
diferentes lugares e de modo diferenciado, como é natural, construir realidades
"exoglóticas", a sua materialização se dá na proliferação, na
diferenciação, na variação. É notável aquilo que o português incorpora e o que
as outras línguas com as quais convive (de modo interactivo) também incorporam,
na interacção dos diferentes grupos e falantes, isso se pensarmos a língua
portuguesa como também um dado cultural e a ser falada — fora da ditadura das
instituições convencionais-, no Continente Asiático; em Goa, em Damão e Diu, em
Macau, em Timor Leste ;
podemos ainda imaginar a língua portuguesa no grande Brasil; primeiro, entre os
seus diferentes estados, segundo entre ela e as línguas indígenas, entre ela e
as contribuições das diferentes comunidades linguísticas que aí emigraram e,
por fim, o português em interacção com as culturas dos diferentes países da
América Latina e/ou andina, com os quais tendo relações antropológicas, ou não
entre os seus povos antes da colonização; pensemos em África, nos falares dos
países "creolos" como Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe,
em Angola, em Moçambique, os aspectos que apontamos nas outras realidades
também se dão aqui, a relação do português, para o caso de Angola e de
Moçambique, com as diferentes línguas Bantu e, para o caso dos "países
creolos", entre o português e as línguas creolas. Para os dados que
apontamos aqui de que modo se posicionaria um projecto como o da
"lusofonia", se aqui se dão várias "fonias", mas não no
topos "luso".
Em
nossa opinião, o projecto da Lusofonia, senão for repensado como lugar de
tensão, como fronteira entre os diferentes ritmos e cores com as quais a língua
portuguesa convive, como tentamos demonstrar nesta breve viagem, caminharíamos
com ele para os lugares hegemónicos, como se tem revelado nas diferentes
instituições culturais e entre elas a política. A lusofonia pensada nessa
dispersão, sem os mecanismos de controlo que deixam de fora os elementos
evidenciados aqui, entre outros não inventariados, como contributo, talvez,
estivesse melhor posicionada. Como, por exemplo, um país como Angola, com tanta
importância e responsabilidade políticas e até culturais nas regiões em que se
situa, encarará nos próximos anos um projecto como o da Lusofonia, diante de
tantos ritmos e cores que constroem a sua multi-interculturalidade que nos deve
devolver a ideia do lugar por via do conhecimento e estudo destas relações?
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