Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
É
uma praga! Qualquer político nacional ou europeu no poder aproveita todas as
oportunidades discursivas e a definição de medidas políticas para apresentar a
receita milagrosa com que pretensamente se resolve a "crise" em que o
país e a União Europeia (UE) estão mergulhados: as reformas estruturais. Em
nome dessas "indispensáveis" reformas estruturais é desestruturado o
modelo social europeu - assumido durante décadas como a vantagem distintiva da
UE perante o Mundo - as disponibilidades financeiras são canalizadas para
setores especulativos e rentistas e não para investimento em atividades de
produção de bens e serviços úteis e necessários ao desenvolvimento da
sociedade.
Que
reformas são essas que criam pobreza, que aprofundam injustiças e
desigualdades, que secam as atividades culturais, que devoram direitos no
trabalho e cilindram o direito do trabalho, que querem estigmatizar os
emigrantes, que colocam em causa a soberania dos povos e a independência dos
estados?
Estas
reformas tratam os cidadãos como peças de uma engrenagem capazes de aguentar
tudo - "ai aguentam, aguentam" - e atribuem aos mercados
características e sentimentos humanos. Ao Estado, absolutamente capturado pelo
poder financeiro e pelos grandes interesses económicos, é atribuído o papel de
cobrador implacável de impostos a quem trabalha, e de canalizador desses
recursos para os interesses privados desses poderes. Ao mesmo tempo, a
sociedade é convidada a aplaudir todas as medidas apresentadas como
adelgaçantes, como eliminadoras de gorduras: criou-se um ideal anorético de
sociedade para o povo no que à dignidade, aos direitos universais e aos
recursos materiais diz respeito. O comum dos cidadãos é convidado a
desresponsabilizar-se pela coisa pública, a odiar a política, a deixar de
sonhar com projetos de futuro, ou com uma vida minimamente estável depois de
décadas de trabalho, de cumprimento de obrigações fiscais e de pagamento das
contribuições para a Segurança Social.
As
reformas estruturais são os instrumentos com que sacam aos povos os seus meios
materiais e até a própria vida, para alimentar o animal insaciável que tanto dá
pelo nome de "mercados", como de capitalismo neoliberal.
Como
denunciou, no início do mês, a Organização Internacional do Trabalho (OIT),
entre 2007 e 2012, a
pobreza infantil aumentou em 19 dos 28 países da UE, em resultado das chamadas
políticas de austeridade, havendo em 2012 mais 800 mil crianças pobres. Hoje,
infelizmente, serão bem mais. Foi também agora na Conferência Anual da OIT que
se chamou a atenção para o facto de cerca de 40% da força do trabalho a nível
mundial estar na economia informal, sem direito a trabalho digno. Isto numa
sociedade onde os meios tecnológicos e comunicações disponíveis facilmente
podiam ser utilizados para eliminar as fraudes e manipulações financeiras,
fiscais e económicas.
Nada
disto incomoda os que de forma ignóbil se apoderam da riqueza e os governantes
de serviço, gente sem um pingo de vergonha, despudoradamente oportunistas e
charlatães, perigosamente incultos e ambiciosos.
Para
eles, umas cantinas sociais, uns patéticos apelos a sacrifícios redentores, um
paleio vazio sobre empreendedorismo e capacidade criativa, é o quanto basta
para construir a esperança e o futuro.
Em
Portugal arrepia observar a destruição da escola, em curso, articulada com
políticas que escorraçam os jovens do país, que despovoam e esvaziam grande
parte do território. Na saúde, pelas limitações profundas a que está a ser
submetido o Serviço Nacional de Saúde, a regressão é brutal, mas os negócios
privados no setor continuam a florescer. Quando o dinheiro compra a vida,
significa que está a ser ultrapassada a última barreira entre a barbárie e a
civilização.
A
tudo isto assiste o presidente da República, que se limita a convidar os
partidos do centrão de interesse a instituírem-se como nova união nacional.
À
esquerda há que tocar a reunir e a avançar, sob pena de termos um rápido e
perigoso avanço da extrema-direita (e do fascismo em diversas formas), mesmo
que com a direita a governar debaixo da tese de que é para "evitar mal
maior".
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