Nuno
Ribeiro – Público
Os
países africanos da CPLP fizeram a pressão decisiva ao longo do tempo para que
a Guiné Equatorial fizesse parte da organização de países lusófonos. O Brasil
foi mais discreto mas apoiou sempre a entrada. O PÚBLICO reconstitui momentos
cruciais do processo
A
20 de Fevereiro, em Maputo, no Centro Internacional de Conferências Joaquim
Chissano, houve um momento histórico. Na capital moçambicana, os ministros dos
Negócios Estrangeiros dos oito Estados membros da Comunidade de Países de
Língua Portuguesa (CPLP) — Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste — recomendaram aos seus
chefes de Estado que, na cimeira de Díli de 23 de Julho próximo, a Guiné
Equatorial fosse aceite como membro de pleno direito da organização.
A
transcendência da decisão atinge vários níveis. Entre os quais aceitar a
entrada de um país que só agora dá os primeiros passos no ensino do Português,
assumira 72 horas antes uma moratória para a pena de morte e é um potentado
económico. No entanto, o que surpreendeu foi a presença do chefe da diplomacia
de Malabo, Agapito Mba Mikuy, na fotografia de família. Numa família à qual
formalmente — e a diplomacia é feita de gestos formais — ainda não pertencia e
na qual só entrará, de pleno direito, no próximo dia 23.
À
esquerda do ministro português dos Negócios Estrangeiros Rui Machete, e à
distância de um homem, lá está o chanceler Agapito: estatura média, barba rala
e óculos. Nas escadarias do Centro Internacional de Conferências Joaquim
Chissano, transformado num tabuleiro de xadrez, o instantâneo é de xeque-mate a
Portugal.
A
foto foi o último episódio de uma reunião tensa. Fora concebida a priori para
adoptar a resolução da franquia do regime de Teodoro Obiang, há 35 anos no
poder em Malabo, a uma organização internacional, com países africanos, um
sul-americano, um asiático, e um europeu do Sul, respectivamente Brasil,
Timor-Leste e Portugal.
Seis
Estados membros da CPLP, da influente Angola ao anfitrião Moçambique,
mostraram-se, desde o início, entusiastas da entrada. Sem qualquer observação
crítica ou juízo de mera ponderação. O Brasil de Dilma Roussef foi mais
discreto no apoio mas, na hora decisiva, esteve a favor. As resistências de
Portugal, se fossem submetidas à terrível aritmética do voto, seriam “goleadas”
por sete a um. A outra alternativa seria a ruptura, porque a entrada de novos
membros exige unanimidade.
Mas
este cenário nunca se pôs. Os custos do “não” eram demasiado elevados para
Lisboa. No imediato e nas contas do futuro. Portugal não tinha ilusões da
correlação de forças. Reconhecia progressos no cumprimento no guião aprovado na
cimeira de Luanda de 2010, do ensino do Português ao cumprimento dos Direitos
Humanos, visando o fim da pena de morte. Pretendia, apenas, ao que o PÚBLICO
soube, protelar a recomendação para a reunião dos ministros de Negócios
Estrangeiros de 22 deste mês, que antecede a cimeira de chefes de Estado de
Díli. Seria um gesto para a opinião pública portuguesa, a única dos países de
CPLP que olha de soslaio para a estranha perenidade da presidência de Obiang.
No
espaço com o nome de Chissano, o ministro dos Estrangeiros da Guiné Equatorial
fez uma proclamação vaga. Anunciou que 72 horas antes tinha passado a vigorar
no seu país um “dispositivo legal” que respondia à exigência da CPLP de uma
moratória sobre a pena de morte. O anfitrião, Oldemiro Balói, chefe da
diplomacia moçambicana, comunicaria aos jornalistas que, na prática, se tratava
da suspensão da aplicação da pena de morte.
“Aprovado”,
disseram eles
Quando Agapito Mba Mikuy abandonou a sala, as suas declarações tiveram a chancela de “aprovado” de Angola, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé. Não foram palavras meramente protocolares. Os delegados de Luanda puseram em causa as verdadeiras razões da prudência da delegação liderada por Rui Machete. Lisboa temeria a força do “quarto poder”, da imprensa, referiram o semanário Expresso e a SIC. Uma observação que recorda os editoriais doJornal de Angola de Outubro de 2013, na crise que enterrou a visão da parceria estratégica de Portugal com Angola anteriormente admitida pelo Presidente José Eduardo dos Santos.
Nos
dias seguintes, no Palácio das Necessidades vivia-se a ressaca. Contas feitas,
não havia documento que selasse, como mandam as normas diplomáticas das boas
relações entre as nações, o cumprimento por Malabo dos Direitos Humanos. Em
suma: não havia papel. Não existiam declarações e compromissos. Apenas
palavras.
As
notícias de organizações não-governamentais de que, dias antes da entrada em
vigor da moratória da pena de morte, o Governo da Guiné Equatorial executara
nove oposicionistas, tinham o perigo de uma lâmina de cutelo. Até porque a
confirmação dependia do regime do país, considerada fonte pouco segura. Em
Genebra, a 4 de Março, durante o Conselho de Direitos Humanos da ONU, Alfonso
Nsue Mokuy, vice-primeiro-ministro do Governo de Obiang, diz que a pena de
morte foi suspensa no seu país e que, desde 13 de Fevereiro, está em vigor a
moratória. A delegação portuguesa toma nota da posição reiterada. Não tanto
pelas palavras mas pelo fórum selecto e solene em que foram pronunciadas.
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