Daniel
Deusdado – Jornal de Notícias, opinião
Pode
parecer extemporâneo voltar tão lá atrás mas continuo a pensar que os problemas
gravíssimos pelos quais Portugal continua a passar começaram no dia 11 de
Setembro de 2001 quando o Mundo mudou por força dos atentados de Nova Iorque.
No dia seguinte, o tio George W. Bush pediu aos americanos para que,
patrioticamente, consumissem e demonstrassem confiança na economia. E este
pedido pôs a rotativa da Reserva Federal norte-americana a imprimir notas para
dois fins: emprestar dinheiro com fartura ao povo e pagar em dólares a máquina
de guerra que estupidamente invadiu o Iraque (em vez de ir travar uma batalha
cirúrgica no Afeganistão por metade do preço).
O
governador da Reserva Federal norte-americana, o supostamente velho e sábio
Alan Greenspan, acreditava mais nos mercados do que em Deus e deixou que a
festa prosseguisse até 16 de setembro, dia em que o Mundo parou: quando o
Lehman Brothers anunciou que estava falido, meio mundo descobriu que vivia numa
bolha especulativa imobiliária e de consumo - e de crédito soberano, que afinal
não podia continuar.
Foi
assim que, um belo dia, os gregos foram acordados à pressa. Estavam falidos - e
poucos meses depois Portugal também. Tudo porque a mesma ordem dada nos Estados
Unidos para se "consumir", foi dada em 2008 por Bruxelas a todos os
países. E Sócrates nem pensou duas vezes: era a oportunidade de "criar 150
mil empregos" em véspera de eleições. E em Portugal não se criam milhares
de empregos rapidamente sem a construção e obras públicas. Vai daí, o Estado
meteu-se em empreitadas tais, muitas delas através de ajuste direto, que o
défice, que nunca havia sido tão baixo em democracia como o de 2007, acabou por
ir parar aos 10% no triste ano de 2009.
É
aqui que também entra o GES/BES porque esta orquestra da brutal despesa pública
tinha um maestro na sombra: o sistema financeiro, habituado às PPP, às obras
públicas que derrapam sempre, aos contratos da energia que financiariam a EDP a
construir as suas inúmeras barragens à custa do cliente indefeso que as pagará
durante décadas. O maestro desta orquestra era Ricardo Salgado.
Quando
os mercados deixaram de emprestar dinheiro a Portugal a preços razoáveis, os
bancos portugueses encostaram-se ao Governo e esmifraram-nos (aos
contribuintes) com empréstimos a boas taxas. Quando perceberam não ser possível
sacar mais e que o sistema financeiro internacional tinha fechado a torneira
para sustentar os elefantes brancos à base de betão (o novo aeroporto de Lisboa
era a joia da coroa deste delírio), bom, nesse momento os banqueiros foram à
televisão, puseram Sócrates na rua via Cavaco e imploraram pela nova liquidez
da troika.
Curioso:
ficará para a história aquela frase de Sócrates no Parlamento chamando para si
a glória do aumento da despesa do "Estado social" de 17,5 para 21,5
por cento do PIB como o seu maior feito. Nestas coisas, de facto, não há recuo.
Estes 4% instalaram-se para sempre. Têm havido múltiplos cortes, é certo, mas
não há nada a fazer em economia que não cresce. Notícia de ontem: mesmo num
semestre em que os impostos arrecadados sobem 711 milhões, as contas públicas
agravam-se em 150 milhões. Razão principal: a "proibição" do Tribunal
Constitucional em cortar aos funcionários públicos.
Não
se cortando nos salários ou no número de funcionários, corta-se onde? Há outras
opções, é verdade. Mas na hora H as gorduras são sempre músculo. Assim sendo, o
défice cresce, a dívida é galopante... E como o país está exaurido de
investimento e capital, o Grupo Espírito Santo, a PT e a breve prazo a TAP, as
Águas e finalmente a Caixa Geral de Depósitos serão vendidas. Portugal não tem
dinheiro. Ponto.
A
população ativa está dividida entre os que exportam e/ou têm dinheiro fora do
país versus os que procuram desesperadamente sobreviver no mercado interno e
ainda metem as poupanças em certificados de aforro. Há, claro, os que já estão
fora da "produção" e são "custo". A todos, no entanto,
afetará a mudança de natureza, substancial, das últimas semanas. A venda do
BES, a quem quer que seja, salva-nos o sistema bancário. A prazo fica um facto
irreversível, por décadas: já não há centros de decisão em Portugal.
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