José
Loureiro dos Santos* - Público, opinião
Incluir
esta questão no próximo Conselho de Estado poderia ser vantajoso para a defesa
nacional.
Segundo
as notícias, o ministro da Defesa Nacional teria afirmado ser “um momento
histórico” a passagem da tutela directa do MDN sobre o Hospital das Forças
Armadas (HFAR) para o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas
(CEMGFA), pois concretiza a desejada fusão dos vários hospitais militares que
existiam.
Concordo
que se trata de um acto muito importante, aliás por mim defendido há longos
anos, pois contribuirá para poupanças significativas a prazo, ao mesmo tempo
que poderá criar condições para melhorar a qualidade da missão do HFAR,
transformando-o num hospital de referência, como acontece em muitos outros
países com o seu hospital militar.
Apesar
destas economias a prazo e da possibilidade reforçada de melhorar a qualidade
da sua actividade, deveria ter havido a consciência de que um processo desta
natureza exige, por um lado, aumento de custos na sua concretização e, por
outro, um período de execução suficientemente longo para não provocar
solavancos graves na prestação dos serviços de saúde. Admito ter havido a noção
da necessidade de investimentos de certo montante, como se deduz daqueles que
foram anunciados para levar a efeito obras que, certamente, demorarão tempo a concluir.
Mas não foi entendida a importância de prolongar a sua concretização por um
período suficiente para efectuar estas obras, assim originando, como era
previsível, perturbações significativas na qualidade das importantíssimas
funções que o HFAR deve desempenhar, o que veio contribuir para aprofundar o
grande descontentamento que varre as Forças Armadas presentemente.
O
facto de o MDN dirigir directamente a fase mais crítica da fusão dos antigos
hospitais militares, sem a colaboração estreita e permanente dos serviços de
saúde dos ramos e recorrendo mais a especialistas civis (na sua maioria
ignorantes do que são as especificidades da saúde militar), e, provavelmente, a
pressa do ministro em concretizar a reforma, podendo apresentá-la publicamente
como um forte trunfo de tipo eleitoral, originou uma desmotivação de enorme
dimensão em todo o pessoal das Forças Armadas.
O
desagrado dos militares não resulta apenas do modo como se processa o
atendimento das suas necessidades de saúde. Outras razões estão na sua base:
estrangulamento orçamental desproporcionado, que se reflectiu no cancelamento
de exercícios e manobras, na diminuição de períodos de navegação e no número de
horas de voo, na impossibilidade de efectuar atempadamente a manutenção de
vários equipamentos, na eliminação de aquisições previstas de algum material
considerado indispensável; cortes nos vencimentos ou pensões; significativo
agravamento das condições de apoio social aos reformados e familiares;
insatisfação resultante da redução das promoções (desfazendo previsões de
carreira há muito antevistas); decisão de pôr fim ao fundo de pensões dos
reformados que atingiu especialmente os veteranos de uma guerra que durou treze
anos; e outras medidas diversas que os militares têm entendido como demonstrações
de desprezo pela sua “condição militar”.
A
tudo isto, que afectou o moral do pessoal das Forças Armadas como não há
memória, associa-se – qual cereja no topo do bolo: uma inexplicável limitação
dos já reduzidos (como devem ser e já o são numa forma que parece ajustada)
direitos políticos dos militares que, a existir à época, teria impedido as
candidaturas dos generais Soares Carneiro e Ramalho Eanes à Presidência da
República ou a eleição de Marques Júnior a deputado; e uma concentração
perigosamente exagerada de poderes no CEMGFA que, parecendo politicamente
inconveniente, lhe atribui um vasto e complexo conjunto de funções que muito
dificilmente desempenhará satisfatoriamente.
Os
efeitos de todas as medidas no moral do pessoal militar são de tal monta que
foi atingido um nível de desmotivação nunca alcançado desde a situação de crise
que antecedeu e conduziu à revolta de 25 de Abril de 1974, embora num contexto
e por motivos bem diferentes. Estes efeitos estão a provocar a
frustração/indignação de muitos dos nossos melhores quadros, parte dos quais,
concluindo que a sua carreira perdeu os aliciantes que os atraíram, está a
pensar abandonar as fileiras, tendo alguns já abandonado, com maior incidência
nas especialidades disputadas por empresas civis.
Isto
sim é verdadeiramente um “acontecimento histórico” que já se começa a reflectir
na redução da nossa capacidade operacional, podendo afectar o cumprimento das
missões das Forças Armadas, mais preocupante agora quando há novas ameaças em
curso e outras a emergir na Europa, ao mesmo tempo que sobem de grau as que
podem surgir a partir do Norte de África e do Médio Oriente.
Não
sei se a análise da situação nacional pelo próximo Conselho de Estado incluirá
esta questão, mas fazê-lo poderia ser vantajoso para a defesa nacional, a que
aliás o Presidente da República, no exercício das suas funções de comandante
supremo das Forças Armadas, parece particularmente atento.
*General
Foto:
Álvaro Isidoro/Global Imagens em Jornal de Notícias
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