O
anúncio de Obama de que conseguiu um acordo com os parceiros europeus sobre
“medidas coordenadas de sanções sobre a Rússia” sugere sem dúvida que a era
pós-guerra fria está a findar. O presidente cuja incompetência o tem levado de
desastre em desastre meteu-se em novo e ainda maior beco. Assustado com o
crescente desafio à supremacia do dólar americano, Obama envereda por uma
guerra de guerrilha. A questão é que, sem a liberdade tão simples de imprimir
notas de dólar, a economia americana está condenada.
Se
os futuros historiadores tiverem que marcar a transição do pós-guerra fria para
a nova Guerra Fria, serão levados a considerar de perto a semana que passou. O
governo de Barack Obama encontra-se num estado de espírito triunfalista depois
de ter conseguido, finalmente, juntar os mais importantes aliados europeus dos
EUA (Reino Unido, França, Alemanha e Itália) na sua estratégia concertada para
isolar a Rússia da Europa e impor sanções provocativas contra ela.
Obama
podia ter feito esta semana um discurso de agitação tipo Cortina de Ferro, não
tivesse acontecido a confusão na Líbia, no Iraque, na Síria, no Afeganistão,
etc., e o horrível massacre em Gaza que manchou a sua própria reputação, não
esquecendo além disso que um Nobel não é suposto dar gritos de guerra.
De
qualquer modo, o vídeo da teleconferência de Obama com os parceiros europeus
significando o acordo sobre “medidas coordenadas de sanções sobre a Rússia”
sugere sem dúvida que a era pós-guerra fria está a findar.
Dentro
das próximas “12 a
48 horas”, Bruxelas estará a anunciar novas sanções contra Moscovo com base no
plano dos EUA que envolve um largo pacote de medidas destinadas a pôr a
economia russa de joelhos. Washington anunciará então as suas sanções próprias
contra a Rússia.
Estas chamadas sanções da Terceira Fase são supostas atingir as instituições financeiras da Rússia, o negócio das armas e a tecnologia de exploração da energia. Os bancos russos ficarão impedidos de subscrever emissões de obrigações ou fundos próprios nas bolsas europeias e haverá um bloqueio da transferência de tecnologias sensíveis possíveis de serem usadas na prospeção marítima de profundidade, na exploração ártica e na extração de óleo de xisto. Espera-se que o embargo inclua também uma proibição de futuros negócios de armas com a Rússia.
Moscovo pôde antecipar as chamadas sanções da Terceira Fase e começou a “colocar os vagões em círculo”. Na passada terça-feira, o presidente Vladimir Putin teve no Kremlin um encontro do Conselho de Segurança da Rússia, o mais alto organismo de decisão política sobre questões de política externa e segurança. Putin fez um importante discurso na reunião, cuja agenda foi inquestionavelmente a discussão das opções estratégicas da Rússia no clima da nova Guerra Fria em todas as áreas da política nacional – política interna, política externa, poder militar e até a “guerra da informação”.
Afirmou
Putin: “As nossas forças armadas mantêm-se a mais importante garantia da
soberania e integridade territorial da Rússia. Reagiremos apropriada e proporcionalmente
à aproximação da infraestrutura militar da NATO às nossas fronteiras e não
deixaremos de notar a expansão dos sistemas globais de mísseis de defesa e os
aumentos das reservas de armas estratégicas não-nucleares de precisão … podemos
ver claramente o que atualmente acontece: grupos de tropas da NATO estão
claramente a ser reforçados nos países da Europa de leste, incluindo os mares
Negro e Báltico. E a escala e intensidade dos exercícios operacionais e de
combate aumentam. É imperativo aplicar total e programadamente todas as medidas
planeadas para o reforço da nossa capacidade de defesa do país. 1992.” (Kremlin website).
Os acontecimentos desta semana desmentem plenamente qualquer esperança residual de um entendimento entre Washington e Moscovo. Do mesmo modo, o papel mediador da Europa, em particular da França e da Alemanha, está também a esgotar-se. A avaliação dos EUA é a de que se encontra numa situação ganhadora, porque, como o académico de Carnegie Dmitry Trenin observou esta semana, “Mesmo que nenhum dirigente pró-ocidental substitua Putin no Kremlin… a Rússia sucumbirá a um outro período de agitação, obrigando-se a virar sobre si própria, em vez de criar problemas a Washington.”
Trenin
apresenta o cenário cruamente: “Já não se trata da luta pela Ucrânia, mas da
batalha pela Rússia. Se Vladimir Putin conseguir manter o povo russo do seu
lado, vence-a. Se não, pode seguir-se outra catástrofe geopolítica.”
Claro
que Trenin exagera. A popularidade de Putin é duas vezes a de Obama. O povo
russo admira Putin como um patriota e um líder forte, enquanto os americanos
veem cada vez mais Obama como um incompetente seja qual for o assunto em que
pegue.
Mas,
o perigo real está noutra coisa, designadamente no facto de a comunidade
internacional ter de pagar um preço elevado pela incompetência de Obama num
quadro de uma nova Guerra Fria. Quando o Irão não pôde ser intimidado com
sanções, o que leva Obama e os seus colegas europeus a estarem tão confiantes
que tal possa acontecer a um país muito mais poderoso como a Rússia?
Será
o poder combinado dos EUA e seus aliados europeus suficiente para alterar a
ordem mundial e isolar a Rússia, a qual por acaso até é, contrariamente à
antiga União Soviética, ávida de globalização?
Se
a Europa não comprar petróleo russo e se virar para outro lado, o que acontece
ao mercado do petróleo que também fornece o resto do mundo? O que acontece de
facto à própria recuperação económica da Europa se o preço do petróleo
disparar?
Evidentemente
que, quando a Rússia vê a NATO e a instalação dos ABM (mísseis antibalísticos –
N.T.) como uma ameaça existencial, como pode alguma vez reconciliar-se com o
estabelecimento de bases militares EUA-NATO no Afeganistão? E ainda, se a
Rússia é um adversário, porque teria que cooperar mais com os EUA (e o
Ocidente) sobre o Irão, a Síria e o Iraque?
Em
que ponto vai tudo isto deixar os outros países importantes do lado
não-ocidental do mundo, a Índia, o Brasil ou a China? Esperará o Ocidente que
estes países cumpram o regime de sanções da Fase Três? E se não o fizerem?
Não,
sr. Trenin, está enganado. Não se trata realmente do regime da Rússia, trata-se
da ordem mundial. Trata-se do sistema Bretton Woods e da ameaça que lhe é feita
da qual Putin é a ponta de lança, como foi evidente na cimeira dos BRICS em
Fortaleza.
Estamos
em presença do contra-ataque de Obama numa guerra de guerrilha, assustado com o
crescente desafio à supremacia do dólar americano. A questão é que, sem a
liberdade tão simples de imprimir notas de dólar, a economia americana está condenada.
O
resto do mundo percebe perfeitamente bem sobre o que é a nova Guerra Fria.
Mesmo os europeus não são burros, também eles entendem o que se passa, conforme
a sua grande relutância em isolar a Rússia testemunhou durante todas estas
semanas e meses.
Com
a maior das certezas, não há qualquer ideologia metida nisto. Não é uma guerra
sobre o socialismo ou sobre o terrorismo, nem é intrinsecamente uma guerra
sobre a Ucrânia ou a Rússia. Em termos claros, a nova Guerra Fria é sobre a
perpetuação do domínio global dos EUA.
Sem
o sistema de Bretton Woods, sem a NATO, sem superioridade nuclear sobre a
Rússia, os EUA enfrentam a perspetiva de se tornarem uma potência imensamente
diminuída com o tempo. Sem a liderança transatlântica, fica reduzida ao que era
antes da I Grande Guerra, há cem anos: uma potência regional com influência no
hemisfério ocidental.
*O
embaixador M K Bhadrakhumar serviu durante mais de 29 anos na carreira
diplomática no Ministério dos Estrangeiros indiano, ocupando nomeadamente os
postos de embaixador da Índia no Uzbequistão (1995-1998) e na Turquia (1998-2001).
Tradução:
Jorge Vasconcelos – em O
Diário.info
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