Tiago
Mota Saraiva – jornal i, opinião
O
episódio que opôs o eurodeputado do PCP João Ferreira ao candidato e agora
presidente da Comissão Europeia merece alguma reflexão. No decorrer da
intervenção do deputado português, Juncker atende o telefone. Ferreira suspende
a sua intervenção, que lhe era dirigida. Após desligar a chamada, Juncker
insta-o a prosseguir mas não põe os auscultadores da tradução simultânea. Na
língua de Camões, Ferreira pergunta-lhe se percebe português. O presidente da
Comissão Europeia atrapalha-se pois não percebe a pergunta e, já com os
auscultadores, diz que sabe português porque tinha muitos vizinhos portugueses,
acrescentando em jeito de ironia que o deputado até pode abreviar a sua
intervenção pois conhecia bem os problemas do país.
Neste
breve episódio, Juncker – o polémico político que escreveu que as pessoas são
tão importantes como as mercadorias e o capital, que esteve 18 anos como
primeiro-ministro de um paraíso fiscal e que foi presidente do Eurogrupo no
momento de construção de todas as políticas europeias dos últimos anos –,
não desrespeitou apenas o deputado português, mas também, de uma assentada,
ridicularizou a representatividade de todos os eurodeputados eleitos, sobretudo
os portugueses.
Juncker
foi eleito com 56% de votos favoráveis no Parlamento Europeu e,
vergonhosamente, com 76% dos eleitos em Portugal (PSD, PS, CDS e Marinho
Pinto). Ora, se PSD e CDS cumpriram a promessa eleitoral de votar em Juncker,
PS e Marinho Pinto tinham-se comprometido a apoiar outro candidato à
presidência da Comissão Europeia. Estes nove eleitos não conseguiram aguentar
umas semanas sem quebrar uma promessa eleitoral. Marinho Pinto, um antigo
arauto da defesa da ética e da decência na política, chegou a declarar estar
“incondicionalmente” ao lado de Schulz.
A partir das confortáveis mordomias de Bruxelas, todos tolerarão a frase corporativa que um dia o então deputado do CDS-PP e agora secretário de Estado João Almeida deixou escapar: “...os eleitores obrigam-nos a mentir.”
Escreve
ao sábado
Sem comentários:
Enviar um comentário