domingo, 3 de agosto de 2014

“OS ELEITORES OBRIGAM-NOS A MENTIR”



Tiago Mota Saraiva – jornal i, opinião

O episódio que opôs o eurodeputado do PCP João Ferreira ao candidato e agora presidente da Comissão Europeia merece alguma reflexão. No decorrer da intervenção do deputado português, Juncker atende o telefone. Ferreira suspende a sua intervenção, que lhe era dirigida. Após desligar a chamada, Juncker insta-o a prosseguir mas não põe os auscultadores da tradução simultânea. Na língua de Camões, Ferreira pergunta-lhe se percebe português. O presidente da Comissão Europeia atrapalha-se pois não percebe a pergunta e, já com os auscultadores, diz que sabe português porque tinha muitos vizinhos portugueses, acrescentando em jeito de ironia que o deputado até pode abreviar a sua intervenção pois conhecia bem os problemas do país.

Neste breve episódio, Juncker – o polémico político que escreveu que as pessoas são tão importantes como as mercadorias e o capital, que esteve 18 anos como primeiro-ministro de um paraíso fiscal e que foi presidente do Eurogrupo no momento de construção de todas as políticas europeias dos últimos anos –,  não desrespeitou apenas o deputado português, mas também, de uma assentada, ridicularizou a representatividade de todos os eurodeputados eleitos, sobretudo os portugueses.

Juncker foi eleito com 56% de votos favoráveis no Parlamento Europeu e, vergonhosamente, com 76% dos eleitos em Portugal (PSD, PS, CDS e Marinho Pinto). Ora, se PSD e CDS cumpriram a promessa eleitoral de votar em Juncker, PS e Marinho Pinto tinham-se comprometido a apoiar outro candidato à presidência da Comissão Europeia. Estes nove eleitos não conseguiram aguentar umas semanas sem quebrar uma promessa eleitoral. Marinho Pinto, um antigo arauto da defesa da ética e da decência na política, chegou a declarar estar “incondicionalmente” ao lado de Schulz. 

A partir das confortáveis mordomias de Bruxelas, todos tolerarão a frase corporativa que um dia o então deputado do CDS-PP e agora secretário de Estado João Almeida deixou escapar: “...os eleitores obrigam-nos a mentir.”

Escreve ao sábado  

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