sábado, 30 de agosto de 2014

PASSIVO DA ESCOM FOI ESCONDIDO ANTES DA VENDA À SONANGOL



Carlos Diogo Santos – jornal i

Empresas detidas por Helder Bataglia, presidente da Escom, compraram créditos da Escom e das suas subsidiárias

O passivo da Escom foi escondido dias antes da celebração do contrato promessa de compra e venda à empresa estatal angolana Sonangol. Hélder Bataglia, presidente da Escom, afirmou recentemente ao Expresso não conhecer detalhes deste negócio, mas, ao que o i apurou, foi este gestor quem fez várias operações financeiras que tinham como objectivo 'limpar' o passivo da empresa que era detida em 66% pelo Grupo Espírito Santo (GES) e em 33% pelo próprio Bataglia antes da venda à Sonangol.

De acordo com o contrato-promessa assinado, a Escom seria vendida por cerca de 800 milhões de dólares, mas até agora apenas foi pago 15% desse valor a título de sinal. Bataglia disse este mês ao "Expresso" desconhecer o porquê do negócio não se ter ainda concretizado e garante desconhecer também se existem razões para suspeitas do Ministério Público: "Não conheço o negócio. Nunca estive nas negociações de venda", garantiu. As partes integrantes deste contrato são o GES como vendedor, a Sonangol, como comprador, e a Newbrook, detida por Álvaro Sobrinho, como intermediária.

De acordo com informações a que o i teve acesso, foi montado um esquema no fim de 2010 que tinha como objectivo vender cerca de 15 empresas off shore - detidas pela Escom e por onde passavam muitos dos negócios dos diamantes - a outra sociedade off shore: a Multiples. Com esta operação, o passivo da Escom era transferido para a Multiples, ficando a empresa que seria comprada pela Sonangol aparentemente livre de parte dessas responsabilidades financeiras. O objectivo era claro: melhorar a saúde financeira da Escom e concentrar todo o passivo numa espécie de bad bank chamado Multiples.

Hélder Bataglia teve um duplo papel neste processo: agiu como presidente da empresa que controlava as empresas que venderam os créditos, a Escom, e como chairman da Multiples - a empresa que comprou os créditos. Esta ultima sociedade tinha ainda como gestores Luís Horta e Costa e Pedro Ferreira Neto.

Existem mesmo situações em que Bataglia assina documentos oficiais ao longo deste processo como responsável pela empresa que vendia, a Escom, e pela sociedade compradora dos créditos, a Multiples.

Mas estas não foram as únicas movimentações feitas imediatamente antes de ser assinado o contrato de promessa de compra e venda - entre a Escom e a Sonangol - a 28 de Dezembro de 2010. O i sabe que a Multiples acabou, também ela, por ser vendida a uma off shore detida por Helder Bataglia, a Overview. Esta operação foi realizada na véspera da assinatura do contrato entre a Escom e a Sonangol e deixava por fim a empresa livre de passivos.

As várias assinaturas de Helder Bataglia em documentos que visavam preparar a Escom para a sua venda contrastam com algumas das suas declarações. Além disso, estas operações foram acompanhadas por várias pessoas da sua confiança, nomeadamente Nuno Pombo, assessor jurídico da Escom em Portugal. O i tentou ontem, sem sucesso, entrar em contacto com Helder Bataglia.

ÚLTIMAS DECLARAÇÕES 

Na entrevista que deu ao Expresso no dia 9, Hélder Bataglia confirmou que o negócio iniciado em 2010 ainda não chegara a bom porto. "Quatro anos depois de ter pago o sinal de 80 milhões, tudo continua igual", disse considerando que a situação "não é normal".

Bataglia arrisca, no entanto, relacionar a perda de interesse dos angolanos com a crise no BES Angola (BESA) "A partir do momento em que começaram a sentir que havia problemas no banco em Angola as coisas começaram a não correr tão bem. Para os angolanos e para todos nós, o Grupo Espírito Santo era fundamental. E sentem uma certa confusão com tudo o que se passa", afirmou.

Sobre a situação actual, o administrador da Escom garantiu que hoje a dívida é de 806 milhões de dólares, enquanto que há quatro anos era de 549 milhões. Ainda assim diz que nada está perdido: "A Escom não se está a desmoronar, porque não deixamos." Bataglia explicou mesmo que após uma directiva do Banco de Portugal junto do BESA ter impedido o pagamento de salários ao pessoal que ninguém ficou prejudicado. "Decidi pagar do meu bolso (a Escom tem dois mil trabalhadores) porque acredito que a empresa ainda é viável, desde que tenha capital."

INVESTIGAÇÃO 

Como o i revelou em Agosto de 2013, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal está a investigar os contornos do negócio relativo à venda da Escom entre o GES e a Sonangol, que acabara por não ser concluído. As autoridades portuguesas pediram inclusivamente ajuda ao Ministério Público de Lausanne, na Suíça, para descobrir os beneficiários de algumas transferências que levantaram suspeitas. O "Expresso" acabaria por adiantar outros movimentos financeiros: que a Escom UK terá contraído, em 2004, um empréstimo junto do BES Cayman de 12,25 milhões de euros, tendo três milhões desse montante acabado em três contas de membros do Conselho Superior do BES.

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