sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Portugal: A CRISE SISTÉMICA DE QUE NÃO SAÍMOS BEM



Ana Sá Lopes – jornal i, editorial

A aceitação de que as pessoas podem e devem falir é a miséria do nosso tempo

O governador do Banco de Portugal elevou ontem o patamar da catástrofe quando afirmou que na semana passada “estivemos na iminência de uma crise sistémica”. “Tenho consciência de que estivemos no fio da navalha e que saímos bem.” Mais coisa menos coisa, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, repetiu o mesmo. “Os meus colegas de Frankfurt deram-me os parabéns”, disse Carlos Costa. E, sim, Draghi deu em directo os parabéns “às autoridades portuguesas”. Há excessivas perguntas que ficaram sem resposta e ainda não se consegue avaliar o impacto do “BES mau” na economia real: ou seja, não sabemos por agora quantas empresas vão fechar ou despedir trabalhadores porque estão agarradas ao “BES mau”. E também ainda não sabemos quantos trabalhadores do BES vão ser despedidos na sequência do “redimensionamento” anunciado ontem em entrevista à SIC por Vítor Bento. Ao contrário do que garantiram o governador do Banco de Portugal e a ministra das Finanças em uníssono, os postos de trabalho não estão seguros. Os funcionários do BES não ficam protegidos – ou ficam protegidos apenas enquanto o novo presidente não apresentar o seu plano de reestruturação. O “estivemos no fio da navalha e saímos bem” vale para o contágio à banca europeia, mas, por enquanto, não sabemos, de facto, se nos “saímos bem” e se o empréstimo que o Estado faz ao Novo Banco poderá ser devolvido.

A crise sistémica de que não nos saímos bem de todo está descrita na página 24. Desde que este governo tomou posse, a Segurança Social cortou apoios a 170 mil pessoas. O rendimento social de inserção perdeu 1/3 dos beneficiários em plena crise económica, o que configura uma anormalidade na resposta social – a menos que acreditemos que todos aqueles a quem foi cortado tinham automóveis de 100 mil euros, como chegou a afirmar o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, num regresso à sua campanha eleitoral típica de pôr pobres contra pobres. A segunda prestação que mais desceu foi o complemento para idosos – outro dos grupos sociais mais afectados pela crise. Resta o subsídio de desemprego a subir, em correlação óbvia com o desemprego galopante (ainda que a taxa oficial dê agora sinais de redução). Esta crise sistémica, a da decadência do Estado enquanto promotor dos mínimos de igualdade, está no seu esplendor. A aceitação generalizada de que as pessoas podem – e devem – falir é a miséria do nosso tempo.

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