segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A QUESTÃO DE MACAU




HUGO PINTO – Hoje Macau, em Opinião,Próximo Oriente


A ruína da fachada do segundo sistema não tem sido um espectáculo bonito. É verdade que tanto em Hong Kong como em Macau nunca houve dúvidas sobre onde está o verdadeiro poder, mas quando essa força se materializa e desce à cidade, não há chefe do Executivo que escape a tornar-se um mero súbdito.

Além de conceder ao governo local um papel decorativo, a visita a Hong Kong de Li Fei, o presidente da Comissão da Lei Básica da Assembleia Popular Nacional, para explicar que as coisas são como são, serviu, sobretudo, para dissipar as dúvidas que ainda persistissem a respeito da autoridade, deixando uma mensagem bastante clara de intransigência que se traduziu numa imensa desilusão para a Hong Kong e as suas gentes que reclamam o direito a uma cidadania plena, como um genuíno sufrágio universal.

Não basta ser, é preciso parecer, lembram as boas maneiras conscientes das boas intenções de que o inferno está cheio, mas nesta espécie de jogo de espelhos, de reflexos, sombras e aparências movidas por operadores invisíveis, não deveria causar espanto que um princípio naturalmente ambíguo como “um país, dois sistemas” pudesse deixar tantos divididos. De “equivocados”, todavia, só uns – os que ditam as regras do jogo -, têm o poder e o direito de acusar os outros.

A última semana, negra para o campo pró-democracia de Hong Kong, acabou ainda mais escura quando, em Pequim, no 60º aniversário da Assembleia Popular Nacional, Xi Jinping fez a defesa do regime de partido único, afastando a adopção de qualquer reforma política de “estilo Ocidental”, repetindo o que cada líder chinês tem feito desde 1949, e que, no fundo, é a sua principal missão:

a preservação do poder. E isso, explicou mais uma vez o presidente, só se consegue com uma liderança unida e centralizada que evite lutas políticas.

A tese é conhecida: a democracia não é a única forma de substituir os “maus” pelos “bons”, não promove a unidade social (a tal “harmonia” que tanto é prezada nos discursos oficiais), não favorece a igualdade política, não cria escolhas verdadeiramente livres e independentes, e, do mesmo modo que depõe ditadores, também os instala. 
Acresce que não se pode contrariar este “pensamento único”. Neste ponto residirá um problema que só tenderá a agravar-se, pois apenas gera uma maior repressão, consequentes divisões e o extremar de posições.

Não é possível calar toda a gente o tempo todo, sobretudo numa nação com a dimensão da China, e depositar no milagre económico as esperanças de manter a população distraída a enriquecer é um salto de fé arriscado até para laicos comunistas. No entanto, é o capital que continua a guiar os destinos, dele dependendo, trimestre a trimestre, a estabilidade. “It’s business as usual”. Como sempre.

Muito antes do princípio “um pais, dois sistemas”, já havia aquilo que os historiadores chamaram “Macao formula”. Permitiu, por exemplo, desde tempos que remontam à fixação dos portugueses no pequeno enclave do sul da China, que os mandarins conciliassem as atitudes pro-mercantilistas que levam a um menor proteccionismo, ao mesmo tempo que se debatiam com preocupações relativas às questões de defesa, decorrentes do reforço do estabelecimento que os estrangeiros iam consolidando. Era este o dilema: a necessidade de lucrar e a necessidade de defender. É legítimo supor que a situação tenha sobrevivido à história e se mantenha, hoje, como ontem. Em Macau, como em Hong Kong.

Ma
s apesar de as duas regiões terem futuros traçados, não será difícil de prever que o presente será considerado para os seus habitantes demasiado importante para deixar de ser vivido. E o futuro que mais importa é amanhã.

É com este sentido pragmático em mente que tanto numa como noutra cidade se deveria saudar a luta por sociedades mais justas, abertas e promotoras da igualdade, com maior transparência na governação e nos negócios, mais responsabilização, abertura para o debate de ideias e um maior desenvolvimento social. Pesem embora os acontecimentos dos últimos dias, em Hong Kong esta consciência não anda desaparecida. Já em Macau é preciso, antes de mais, esperar que nada disto seja considerado radical ou desordeiro, ou sequer utópico. É preciso que se tornem desejos e possibilidades. Caso contrário, nem terra dos sonhos, só de oportunidades perdidas e promessas quebradas. Para Macau, é uma questão de escolha.

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