Folha
8, 20 setembro 2014
O
antigo presidente do BES Angola, Álvaro Sobrinho, apresentou a demissão do
cargo de presidente do Banco Valor depois de terem sido feitas pressões pelo
Banco Nacional de Angola. Em causa estava a implicação de Álvaro Sobrinho no
caso BES, nomeadamente no BESA. A ideia é arrepiar caminho, não para pôr as
coisas em ordem mas, apenas, para camuflar a teia tentacular que domina o
sistema financeiro angolano e que, como o resto, tem o epicentro no núcleo
presidencial.
O
regime está a fazer tudo para branquear a situação das instituições financeiras,
procurando dar – no mínimo – um ar de legalidade e transparência que, contudo,
se sabe que não existe. É público, apesar da blindagem coerciva imposta, que o
BESA e as suas diferentes ramificações bancárias, é dominado pela elite
política, nomeadamente pelo núcleo duro do clã presidencial.
Mais
do que a legalidade, a preocupação é nesta altura proteger a elite, de modo a
que tudo continue na mesma, embora com a aparência de ser algo diferente. Em
Portugal, o crédito de 3,3 mil milhões de euros cedido pelo BES ao BESA foi
transferido para o Novo Banco, instituição que vive momentos conturbados com o
Governo e o Banco de Portugal a tentar vendê-lo rapidamente e em força. Para além de
ter sido arrasado por um con glomerado familiar corrupto não bastasse, BES
teve e tem de descalçar a enorme bota da sua subsidiária angolana, o BESA.
Recorde-se
que o BES detém 55% do segundo maior banco de Angola, o Banco Espírito Santo Angola
(BESA), banco que se tornou umbilicalmente dependente do BES para o seu
financiamento, devido ao seu rácio empréstimos/depósitos extremamente elevado e
à deterioração da sua carteira de empréstimos, ou doações, feitos sobretudo a
essa elite política que há décadas domina o país, sem prestar contas.
É
claro que, mesmo com a divisão do BES, é crítica a situação, nomeadamente
porque o sistema de controlo bancário, a suposto cargo do Banco de Portugal,
permitiu a promiscuidade entre as negociatas lusas e angolanas. Nem mesmo o
facto, mensurável por quem quiser ser minimamente honesto, de o regime
angolano estar entre os mais corruptos no mundo e o seu povo entre os mais
pobres (40% dos angolanos vive com menos de 2 dólares por dia) fez soar o
alerta das entidades portuguesas de controlo bancário, já para não falar da
inexistência de facto, não de jure, das mesmas funções por parte do Banco
Nacional de Angola.
O
BESA é, sem dúvida, um parceiro do Estado ou, talvez, o seu braço financeiro
na teia de negócios opacos, estando-se nas tintas para aquela que deveria ser
a sua principal função – o investimento na economia.
Assim,
o BESA – tal como outros bancos pertencentes ao mesmo tentacular polvo –
funcionam apenas para servir os interesses da elite política angolana. É por
isso que as diferentes carteiras de crédito são compostas por empréstimos a
fundo perdido aos protagonistas do regime, com destaque para a família de
Eduardo dos Santos.
Por
cá tudo é detido directa ou indirectamente pelo séquito presidencial nas suas
diferentes vertentes ou linhagens: a família propriamente dita do Presidente,
o vice-presidente Manuel Vicente, o chefe da Casa Militar do presidente,
General Manuel Hélder Vieira Dias Júnior (Kopelipa) e o General Leopoldino
Fragoso do Nascimento (Dino). Assim sendo, não há banco que escape à teia.
Recorde-se
que em Dezembro de 2009, o BES vendeu uma participação de 24% do BESA à angolana
Portmill Investimentos e Telecomunicações, que era originalmente detida por
Dino, Kopelipa e Manuel Vicente. Essas participações foram depois vendidas
ao tenente-coronel Leonardo Lidinikeni, por sinal e mero acaso oficial da
escolta presidencial e subordinado directo de Kopelipa. Tudo transparente,
como é óbvio. Onde foi Lidinikeni arranjar tanta massa? Isso é irrelevante.
Provavelmente tinha um sistema de vasos comunicantes entre a Casa Militar do
presidente e o BESA.
Outros
19% foram vendidos pelo BES, ainda em 2004, ao Grupo Geni, que, alegadamente,
é parcialmente detido, ou, pelo menos é controlado, pela filha do presidente,
Isabel dos Santos. Tudo igualmente normal, transparente e enquadrável na lei
da probidade, a tal lei que – segundo o regime – “constitui mais um passo para
a boa governação, tendo em conta o reforço dos mecanismos de combate à cultura
da corrupção.”
É
neste contexto que o regime não está verdadeiramente preocupado com o
divórcio, litigioso ou não, entre o BES/Novo Banco e o BESA. O que o preocupa,
embora pouco, é continuar a manter o controlo sobre este banco privado de
financiamento de todos os negócios do poder presidencial.
Certo
é, por muito que isso custe aos defensores da legalidade e da transparência
nos negócios públicos (tal como nos privados), que os interesses do clã
presidencial no BESA continuarão protegidos e blindados. Ninguém de bom senso,
interna ou externamente, acredita que alguém irá cortar a rede incestuosa de
empréstimos e investimentos políticos que unem não só o sistema bancário
angolano como também todas as suas grandes indústrias.
Como
diz Rafael Marques, “a venda de parte da participação do BES à Portmill em
2011 foi duvidosa, mesmo para os padrões angolanos. Desde então, o banco
tem, de facto, vindo a lavar dinheiro saqueado do Estado angolano pelo seu
exército”. Ricardo Espírito Santo Salgado foi o homem responsável pela venda da
participação do BES à Portmill. Ele está agora sob investigação pela polícia
portuguesa por suspeita de lavagem de dinheiro e evasão fiscal centrada numa
gestora de recursos suíça, a Akoya, de que o ex-CEO da BESA, Álvaro Sobrinho, é
membro da administração. O próprio Sobrinho, enquanto CEO do BESA, foi objecto
de uma investigação inconclusiva de lavagem de dinheiro em 2011. Nenhuma
investigação deste tipo deverá vir a ocorrer no lado angolano. Mas se vier a acontecer,
será certamente para provar que a montanha do Moco pariu um rato.
Importa
igualmente não esquecer que o Banco de Portugal, se bem que nos últimos tempos
dê uma no cravo e outra na ferradura, explicou que, apesar de a participação do
BES no BESA ter ficado no ‘bad bank’, decidiu “transferir os créditos
concedidos a esta filial para o Novo Banco, embora totalmente provisionados”,
esclarecendo, contudo, que “a provisão total destes créditos constitui apenas
uma medida de prudência e não reflecte, de forma alguma, uma ausência de
expectativa de recuperação do crédito concedido”.
Segundo
avança a entidade liderada por Carlos Costa, nos últimos tempos, antes sequer
de ter sido delineado o resgate do BES, existiu uma “forte interacção entre as Autoridades
de Portugal e de Angola”, com o Banco de Portugal a ter assumido a
“expectativa de que a situação do BESA seria clarificada no curto prazo e sem
impacto material no Banco Espírito Santo, S.A.”. Na altura, o BESA contava com
uma garantia soberana do Estado Angolano de 5,7 mil milhões de dólares (já revogada)
para fazer face a incumprimentos em créditos.
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