terça-feira, 23 de setembro de 2014

Angola: OS BANCOS (DO REGIME) UNIDOS JAMAIS (NUNCA) SERÃO VENCIDOS



Folha 8, 20 setembro 2014

O antigo pre­sidente do BES Ango­la, Álvaro Sobrinho, apresentou a demissão do cargo de presidente do Banco Valor depois de terem sido feitas pres­sões pelo Banco Nacio­nal de Angola. Em causa estava a implicação de Álvaro Sobrinho no caso BES, nomeadamente no BESA. A ideia é arrepiar caminho, não para pôr as coisas em ordem mas, apenas, para camuflar a teia tentacular que domi­na o sistema financeiro angolano e que, como o resto, tem o epicentro no núcleo presidencial.

O regime está a fazer tudo para branquear a situação das instituições financei­ras, procurando dar – no mínimo – um ar de legali­dade e transparência que, contudo, se sabe que não existe. É público, apesar da blindagem coerciva im­posta, que o BESA e as suas diferentes ramificações bancárias, é dominado pela elite política, nomeada­mente pelo núcleo duro do clã presidencial.

Mais do que a legalidade, a preocupação é nesta al­tura proteger a elite, de modo a que tudo continue na mesma, embora com a aparência de ser algo dife­rente. Em Portugal, o cré­dito de 3,3 mil milhões de euros cedido pelo BES ao BESA foi transferido para o Novo Banco, instituição que vive momentos con­turbados com o Governo e o Banco de Portugal a ten­tar vendê-lo rapidamente e em força. Para além de ter sido arrasado por um con­ glomerado familiar corrup­to não bastasse, BES teve e tem de descalçar a enorme bota da sua subsidiária an­golana, o BESA.

Recorde-se que o BES detém 55% do segundo maior banco de Angola, o Banco Espírito Santo An­gola (BESA), banco que se tornou umbilicalmente dependente do BES para o seu financiamento, devido ao seu rácio empréstimos/depósitos extremamente elevado e à deterioração da sua carteira de emprés­timos, ou doações, feitos sobretudo a essa elite polí­tica que há décadas domina o país, sem prestar contas.

É claro que, mesmo com a divisão do BES, é crítica a situação, nomeadamente porque o sistema de con­trolo bancário, a suposto cargo do Banco de Portu­gal, permitiu a promiscui­dade entre as negociatas lusas e angolanas. Nem mesmo o facto, mensurá­vel por quem quiser ser minimamente honesto, de o regime angolano estar entre os mais corruptos no mundo e o seu povo entre os mais pobres (40% dos angolanos vive com menos de 2 dólares por dia) fez soar o alerta das entidades portuguesas de controlo bancário, já para não falar da inexistência de facto, não de jure, das mesmas funções por parte do Ban­co Nacional de Angola.

O BESA é, sem dúvida, um parceiro do Estado ou, tal­vez, o seu braço financeiro na teia de negócios opa­cos, estando-se nas tintas para aquela que deveria ser a sua principal função – o investimento na eco­nomia.

Assim, o BESA – tal como outros bancos pertencen­tes ao mesmo tentacular polvo – funcionam apenas para servir os interesses da elite política angolana. É por isso que as diferen­tes carteiras de crédito são compostas por emprésti­mos a fundo perdido aos protagonistas do regime, com destaque para a famí­lia de Eduardo dos Santos.

Por cá tudo é detido di­recta ou indirectamente pelo séquito presidencial nas suas diferentes verten­tes ou linhagens: a família propriamente dita do Pre­sidente, o vice-presidente Manuel Vicente, o chefe da Casa Militar do pre­sidente, General Manuel Hélder Vieira Dias Júnior (Kopelipa) e o General Leopoldino Fragoso do Nascimento (Dino). As­sim sendo, não há banco que escape à teia.

Recorde-se que em De­zembro de 2009, o BES vendeu uma participação de 24% do BESA à angola­na Portmill Investimentos e Telecomunicações, que era originalmente detida por Dino, Kopelipa e Ma­nuel Vicente. Essas partici­pações foram depois ven­didas ao tenente-coronel Leonardo Lidinikeni, por sinal e mero acaso oficial da escolta presidencial e subordinado directo de Kopelipa. Tudo transpa­rente, como é óbvio. Onde foi Lidinikeni arranjar tanta massa? Isso é irrelevante. Provavelmente tinha um sistema de vasos comuni­cantes entre a Casa Militar do presidente e o BESA.

Outros 19% foram vendi­dos pelo BES, ainda em 2004, ao Grupo Geni, que, alegadamente, é parcial­mente detido, ou, pelo me­nos é controlado, pela filha do presidente, Isabel dos Santos. Tudo igualmen­te normal, transparente e enquadrável na lei da probidade, a tal lei que – segundo o regime – “cons­titui mais um passo para a boa governação, tendo em conta o reforço dos meca­nismos de combate à cul­tura da corrupção.”

É neste contexto que o re­gime não está verdadeira­mente preocupado com o divórcio, litigioso ou não, entre o BES/Novo Banco e o BESA. O que o preocu­pa, embora pouco, é conti­nuar a manter o controlo sobre este banco privado de financiamento de to­dos os negócios do poder presidencial.

Certo é, por muito que isso custe aos defensores da legalidade e da trans­parência nos negócios pú­blicos (tal como nos priva­dos), que os interesses do clã presidencial no BESA continuarão protegidos e blindados. Ninguém de bom senso, interna ou ex­ternamente, acredita que alguém irá cortar a rede in­cestuosa de empréstimos e investimentos políticos que unem não só o sistema bancário angolano como também todas as suas grandes indústrias.

Como diz Rafael Marques, “a venda de parte da parti­cipação do BES à Portmill em 2011 foi duvidosa, mes­mo para os padrões ango­lanos. Desde então, o ban­co tem, de facto, vindo a lavar dinheiro saqueado do Estado angolano pelo seu exército”. Ricardo Espírito Santo Salgado foi o homem responsável pela venda da participação do BES à Portmill. Ele está agora sob investigação pela polícia portuguesa por suspeita de lavagem de dinheiro e eva­são fiscal centrada numa gestora de recursos suíça, a Akoya, de que o ex-CEO da BESA, Álvaro Sobrinho, é membro da administra­ção. O próprio Sobrinho, enquanto CEO do BESA, foi objecto de uma inves­tigação inconclusiva de lavagem de dinheiro em 2011. Nenhuma investiga­ção deste tipo deverá vir a ocorrer no lado angolano. Mas se vier a acontecer, será certamente para pro­var que a montanha do Moco pariu um rato.

Importa igualmente não esquecer que o Banco de Portugal, se bem que nos últimos tempos dê uma no cravo e outra na ferradura, explicou que, apesar de a participação do BES no BESA ter ficado no ‘bad bank’, decidiu “transferir os créditos concedidos a esta filial para o Novo Banco, embora totalmen­te provisionados”, escla­recendo, contudo, que “a provisão total destes créditos constitui apenas uma medida de prudência e não reflecte, de forma alguma, uma ausência de expectativa de recupera­ção do crédito concedido”.

Segundo avança a enti­dade liderada por Carlos Costa, nos últimos tem­pos, antes sequer de ter sido delineado o resgate do BES, existiu uma “forte interacção entre as Au­toridades de Portugal e de Angola”, com o Banco de Portugal a ter assumi­do a “expectativa de que a situação do BESA seria clarificada no curto prazo e sem impacto material no Banco Espírito Santo, S.A.”. Na altura, o BESA contava com uma garantia soberana do Estado Ango­lano de 5,7 mil milhões de dólares (já revogada) para fazer face a incumprimen­tos em créditos.

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