Tomás
Vasques – jornal i, opinião
Se
os socialistas não saírem reforçados no processo interno que atravessam,
Marinho e Pinto é uma inevitabilidade
O
governo insiste em lavar as mãos do que se passa à volta do "caso
BES", remetendo a responsabilidades das soluções, e suas consequências,
para o governador do Banco de Portugal. Este comportamento opaco faz parte de
todo este sinuoso processo gerido por baixo das mesas. Começou pelas
declarações solenes de que o BES estava bem de saúde e tinha "folgas
financeiras" para o salvar da exposição ao Grupo Espírito Santo,
proferidas pelo Presidente da República, pelo primeiro-ministro e pelo
governador do Banco de Portugal. E confiaram a administração deste
"embrulho" a Vítor Bento, afiançando-nos com a mesma solenidade que o
"negócio" estava em boas mãos.
O
"conforto" a accionistas e depositantes veio a ser desmentido, e
anunciado em primeira mão, por um comentador político num canal de televisão.
Só um dia depois, Carlos Costa oficializou a informação fornecida por Marques
Mendes: afinal, tinham-se enganado. O BES era um "banco mau" e não
tinha "folgas". Paciência. Procedeu-se, então, à operação de corte
entre o "banco mau" e o "banco bom" - o Novo Banco -, o
qual tinha uma particularidade caricata: 90% do capital foi metido pelo Estado
- pelos contribuintes, naturalmente -, a propriedade era de um conjunto de
bancos, através do Fundo de Resolução, mas quem decidia tudo era o governador
do Banco de Portugal, remetendo a administração ao papel de moço de recados. E
dentro do Banco "bom" deixaram, inexplicavelmente, uma dívida má - a
do BES Angola.
Confuso,
mas verdadeiro. Tratou-se, no fundo, de uma nacionalização envergonhada à moda
neoliberal: os contribuintes metem o dinheiro, a propriedade é entregue ao
sistema financeiro e o governo, à socapa, vai soprando as orientações. A partir
daqui - declararam todos de novo -, tudo ia correr bem. Enganaram-se de novo.
Vítor Bento não quis fazer de "papel de embrulho" e bateu com a
porta, dois meses depois de ser nomeado. Agora, o governo, que tarda em assumir
a paternidade deste imbróglio, vai nomear nova administração para "a
concretização do projecto de desenvolvimento e criação de valor para o
banco".
Neste
momento, já paira no horizonte o desastre: a falta de transparência e de
credibilidade de todo este processo pode levar à debandada dos clientes do
banco, receando serem as próximas vítimas. Quando chegar a parte final desta
história, vão dizer que se enganaram outra vez: o banco é vendido a preço de
saldos e os contribuintes pagam a factura. Os portugueses podiam ter salários e
reformas condignas, saúde, educação e justiça social à altura dos impostos que
lhes são cobrados, mas com estes sorvedoiros, do BPN aos juros da dívida
externa, cada vez vão ser mais pobres e mais desprotegidos. E ainda lhes lançam
a vergonhosa afronta de que "vivem acima das suas posses".
É
por estas, e muitas outras nos últimos anos, que engrossou o exército de
descontentes e descrentes na capacidade do sistema político-partidário se
renovar, se identificar com as pessoas e as tratar como "povo
soberano". E é por aqui, exactamente, que entra o ex--bastonário da Ordem
dos Advogados. Marinho e Pinto convenceu-se que é - ele, e só ele - um dos
vértices deste "triângulo das Bermudas" em que o nosso futuro se
enleia. Fez a primeira experiência eleitoral nas europeias e o resultado obtido
convenceu-o de que há um vasto eleitorado descontente e descrente nos partidos
do "arco parlamentar", o qual o pode levar mais longe. Nesta sua
segunda caminhada, rumo às eleições legislativas, começou por bater com a
porta, sem se despedir, na cara do partido que o albergou no início desta
viagem. Vai fundar um novo partido, situado entre "o PS e o PSD",
segundo o próprio informou, mantendo-se no parlamento europeu até que "os
portugueses decidam se o querem ou não na Assembleia da República". O novo
partido surgirá sem ideologia, nem programa, mas com um discurso tão pobre
quanto ao que fazer, como rico quanto a zurzir a eito num sistema
político-partidário afastado dos portugueses. O descontentamento e a descrença
no sistema são o seu imenso viveiro; um populismo desbragado a sua principal
arma; ele, o salvador dos pobres desprotegidos. Se os socialistas não saírem
reforçados no processo interno que atravessam, Marinho e Pinto é uma inevitabilidade.
Jurista.
Escreve à segunda-feira
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