segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Portugal: O TRIÂNGULO DAS BERMUDAS (1)



Tomás Vasques – jornal i, opinião

Se os socialistas não saírem reforçados no processo interno que atravessam, Marinho e Pinto é uma inevitabilidade

O governo insiste em lavar as mãos do que se passa à volta do "caso BES", remetendo a responsabilidades das soluções, e suas consequências, para o governador do Banco de Portugal. Este comportamento opaco faz parte de todo este sinuoso processo gerido por baixo das mesas. Começou pelas declarações solenes de que o BES estava bem de saúde e tinha "folgas financeiras" para o salvar da exposição ao Grupo Espírito Santo, proferidas pelo Presidente da República, pelo primeiro-ministro e pelo governador do Banco de Portugal. E confiaram a administração deste "embrulho" a Vítor Bento, afiançando-nos com a mesma solenidade que o "negócio" estava em boas mãos.

O "conforto" a accionistas e depositantes veio a ser desmentido, e anunciado em primeira mão, por um comentador político num canal de televisão. Só um dia depois, Carlos Costa oficializou a informação fornecida por Marques Mendes: afinal, tinham-se enganado. O BES era um "banco mau" e não tinha "folgas". Paciência. Procedeu-se, então, à operação de corte entre o "banco mau" e o "banco bom" - o Novo Banco -, o qual tinha uma particularidade caricata: 90% do capital foi metido pelo Estado - pelos contribuintes, naturalmente -, a propriedade era de um conjunto de bancos, através do Fundo de Resolução, mas quem decidia tudo era o governador do Banco de Portugal, remetendo a administração ao papel de moço de recados. E dentro do Banco "bom" deixaram, inexplicavelmente, uma dívida má - a do BES Angola.

Confuso, mas verdadeiro. Tratou-se, no fundo, de uma nacionalização envergonhada à moda neoliberal: os contribuintes metem o dinheiro, a propriedade é entregue ao sistema financeiro e o governo, à socapa, vai soprando as orientações. A partir daqui - declararam todos de novo -, tudo ia correr bem. Enganaram-se de novo. Vítor Bento não quis fazer de "papel de embrulho" e bateu com a porta, dois meses depois de ser nomeado. Agora, o governo, que tarda em assumir a paternidade deste imbróglio, vai nomear nova administração para "a concretização do projecto de desenvolvimento e criação de valor para o banco".

Neste momento, já paira no horizonte o desastre: a falta de transparência e de credibilidade de todo este processo pode levar à debandada dos clientes do banco, receando serem as próximas vítimas. Quando chegar a parte final desta história, vão dizer que se enganaram outra vez: o banco é vendido a preço de saldos e os contribuintes pagam a factura. Os portugueses podiam ter salários e reformas condignas, saúde, educação e justiça social à altura dos impostos que lhes são cobrados, mas com estes sorvedoiros, do BPN aos juros da dívida externa, cada vez vão ser mais pobres e mais desprotegidos. E ainda lhes lançam a vergonhosa afronta de que "vivem acima das suas posses".

É por estas, e muitas outras nos últimos anos, que engrossou o exército de descontentes e descrentes na capacidade do sistema político-partidário se renovar, se identificar com as pessoas e as tratar como "povo soberano". E é por aqui, exactamente, que entra o ex--bastonário da Ordem dos Advogados. Marinho e Pinto convenceu-se que é - ele, e só ele - um dos vértices deste "triângulo das Bermudas" em que o nosso futuro se enleia. Fez a primeira experiência eleitoral nas europeias e o resultado obtido convenceu-o de que há um vasto eleitorado descontente e descrente nos partidos do "arco parlamentar", o qual o pode levar mais longe. Nesta sua segunda caminhada, rumo às eleições legislativas, começou por bater com a porta, sem se despedir, na cara do partido que o albergou no início desta viagem. Vai fundar um novo partido, situado entre "o PS e o PSD", segundo o próprio informou, mantendo-se no parlamento europeu até que "os portugueses decidam se o querem ou não na Assembleia da República". O novo partido surgirá sem ideologia, nem programa, mas com um discurso tão pobre quanto ao que fazer, como rico quanto a zurzir a eito num sistema político-partidário afastado dos portugueses. O descontentamento e a descrença no sistema são o seu imenso viveiro; um populismo desbragado a sua principal arma; ele, o salvador dos pobres desprotegidos. Se os socialistas não saírem reforçados no processo interno que atravessam, Marinho e Pinto é uma inevitabilidade.

Jurista. Escreve à segunda-feira

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