quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Referendo. Os escoceses vão votar a independência. O que está em cima da mesa?



Rafaela Burd Relvas – Dinheiro Vivo

Independentistas garantem que Escócia tem recursos financeiros suficientes. O "não" defende a "segurança" britânica

"Deve a Escócia ser um país independente?" É a esta pergunta que os mais de 4 milhões de eleitores escoceses vão responder "sim" ou "não", no referendo que se realiza a 18 de setembro, quinta-feira. Saiba o que está em causa.

De onde surgiu a ideia?

Em 2011, o Scottish National Party (SNP), que luta pela independência da Escócia desde que foi fundado, em 1933, foi eleito por uma maioria sem precedentes para o parlamento escocês.

Um ano depois, o primeiro-ministro escocês, Alex Salmond, e o primeiro ministro do Reino Unido, David Cameron, assinaram o chamado "Acordo de Edimburgo", que deu ao parlamento escocês o poder legal para realizar o referendo.

O que defende quem diz "sim"?

O The Guardian sintetiza o argumento principal: "não há razão para a que a Escócia não possa controlar o seu próprio destino, ficando em pé de igualdade com Inglaterra e ocupando o seu lugar no mundo".

Mas os argumentos pela independência chegam a todas as áreas. Da necessidade de apoio financeiro às empresas escocesas até ao acesso gratuito ao ensino superior, passando pela proteção do serviço nacional de saúde e do sistema de pensões.

Acima de tudo, os independentistas têm uma resposta muito simples para a pergunta "porquê o sim?". Porque podem. "A Escócia tem os recursos financeiros para se tornar independente", garante a campanha Independent Scotland. A prová-lo está, por exemplo, uma análise do Financial Times, que mostra que a Escócia tem um dos 20 rendimentos per capita (a preços de mercado) mais elevados do mundo, estando, aliás, à frente do conjunto do Reino Unido, com 43,4 mil dólares.

Além disso, a independência daria à Escócia o controlo de cerca de 90% das reservas de petróleo e gás natural do Mar do Norte. Na prática, os escoceses ficariam com 81% das receitas da exploração de gás e petróleo, que valem, atualmente, entre 6 mil milhões e 12 mil milhões de libras por ano (7,4 mil milhões de euros e 14,9 mil milhões de euros, respetivamente).

O "sim" significaria ainda uma maior igualdade salarial e mais emprego, graças à afirmação da Escócia enquanto fornecedor de energia à escala global e à criação de novos serviços e departamentos públicos que resultariam da independência.

E quem diz "não"?

Pertencer ao Reino Unido é o melhor dos dois mundos. "O que significa, na prática, é que temos todas as coisas fantásticas que fazem de nós a Escócia e temos, também, a segurança de ser parte de uma das maiores economias do mundo. Temos o nosso próprio parlamento a decidir sobre a nossa saúde, educação e serviços de emergência e partilhamos os riscos e recompensas com o resto do Reino Unido, quando faz sentido que assim seja": É desta forma que a campanha Better Together apela ao "não" no referendo de dia 18.

E apresenta os factos. A Escócia exporta mais para o Reino Unido do que para o mundo inteiro (em 2012, 65% das exportações escocesas tiveram como destino o Reino Unido). Por isso, defende a campanha, o Reino Unido significa mais prosperidade, mais comércio e mais emprego. Aliás, a campanha refere que 1 em cada 5 escoceses está empregado numa empresa com base noutro lugar do Reino Unido que não a Escócia.

Além disso, apesar de as decisões relativamente ao sistema de saúde serem feitas exclusivamente pelos escoceses, são os contribuintes do conjunto do Reino Unido que suportam este sistema. Assim, o país beneficia de investimento em investigações clínicas e de acesso a tratamento especializado em qualquer parte do Reino Unido, refere a campanha.

A "força e a segurança" da libra esterlina é outra das principais razões para o não à independência, assim como as faturas de energia mais baixas a que os escoceses têm direito enquanto cidadãos britânicos.

Que consequências terá o "sim"?

A vencer o "sim", terão início as negociações para a separação da Escócia do resto do Reino Unido. O governo escocês propôs que a independência seja efetiva a partir de 24 de março de 2016. Um prazo que, para os opositores da independência, é demasiado curto para que as autoridades possam decidir sobre assuntos como a divisão de ativos e obrigações britânicos ou adesão da Escócia à União Europeia, por exemplo.

O que acontece à moeda?

O SNP propõe que uma Escócia independente continue a usar a libra, estabelecendo uma união monetária com o Reino Unido. Os três principais partidos de Westminster rejeitam, porém, uma união monetária. De acordo com o Financial Times, a Escócia poderá, ainda assim, continuar a usar a libra, uma opção a que a imprensa britânica chama de "esterlinização" e que consiste em usar a libra de forma informal. É uma abordagem que assusta os mercados, aponta o The Guardian. "A falta de uma união monetária formal pode levar a uma fuga de capital da Escócia, pressionando as condições financeiras nesse país", refere um analista do BNP Paribas, citado pelo The Guardian.

A alternativa, diz o Financial Times, é a introdução de uma nova moeda, indexando-a à libra esterlina ou sujeitando-a a uma taxa flutuante.

E a União Europeia?

Este seria um caso sem precedentes na história da UE. O SNP está comprometido em manter a Escócia como Estado-membro da União, argumentando que esta questão pode ser discutida ainda antes do dia da independência proposto. Mas alguns líderes europeus, incluindo Durão Barroso, consideram que a independência significaria o adeus da Escócia à União Europeia e um processo difícil de re-adesão.

Ainda assim, alguns especialistas defendem que dificilmente a União Europeia quererá excluir 5,3 milhões de cidadãos europeus.

Isabel II continua a ser rainha da Escócia?

Para o SNP, sim. A rainha Isabel II manter-se-ia como monarca da Escócia, sob uma constituição escrita, tal como é monarca de outros países que já pertenceram ao império britânico. Mas alguns membros deste partido, assim como vários grupos pró-independência, esperam que a Escócia venha a tornar-se numa república, defendendo que este será assunto para outro referendo.

Como muda a vida dos cidadãos?

Os cidadãos escoceses terão mais a dizer, e de forma mais direta, sobre o seu governo, ganhando assim mais liberdade política. Mas terão, por outro lado, maior risco e menor segurança económica. Para os cidadãos britânicos, as mudanças não serão muitas, mas a economia do Reino Unido será imediatamente encolhida. Os britânicos não-escoceses podem contar combustível e whisky mais caro e um "status" mais fraco à escala mundial.

Se o referendo fosse hoje, quem ganhava?

A 6 de setembro, uma sondagem do You-Gov dava 51% ao sim e 49%. Mas a campanha de David Cameron pelo não pode ter dado algum resultado. A última sondagem do Survation, feita para o Daily Record e divulgada esta quinta-feira, dá 53% ao não e 47% ao sim.

Na foto: Alex Salmond, do Scottish National Party, lidera a campanha pelo "sim" - AFP Photo / Lesley Martin

Publicado em DV 11.09.2014

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