Alberto
Castro*, Londres
Ocorre-me
escrever agora sobre ele a propósito de recentes ingerências de deputados
portugueses em assuntos internos de São Tomé e Príncipe, fora do âmbito da UE e
da CPLP, nomeadamente Mário Ruivo e João Portugal (PS), Nuno Serra (PSD) e José
Ribeiro e Castro (CDS-PP) que, para além de em nome de uma alegada defesa da
estabilidade democrática nas ilhas acompanharem Patrice Trovoada, o líder da
Acção Democrática Independente (ADI) no regresso a STP, após quase
dois anos de ausência com suspeitas de corrupção e branqueamento de capital
pelo meio, participaram claramente da campanha eleitoral que resultou vitoriosa
em favor do mesmo no passado dia 12 de outubro.
Conheci-o
na segunda metade da década de 80 quando comecei a tarimbar no jornalismo, mais
precisamente no semanário regional ''Badaladas'', então dirigido pelo
Padre José Manuel e tendo como chefe de redacção o saudoso Manuel Candeias. Era
ele um dos secretários do então presidente da autarquia, José Augusto Carvalho,
tendo sido também vereador posteriormente. Do nosso primeiro encontro nasceu o
que seria uma sólida e longa amizade alicerçada mais ainda no facto de eu ser
originário de São Tomé e Príncipe (STP), ilhas na qual o meu inesquecível amigo
e compadre (padrinho do meu primogénito) havia feito serviço militar e servido
como funcionário da outrora grande e produtiva roça Água Izé, um dos
alicerces da economia local assente no cacau. Em São Tomé ele foi também
futebolista do Andorinha Sport Club, emblemático clube desportivo da cidade,
ainda hoje filiado ao Belenenses de Lisboa.
No
António Lucas logo percebi um profundo amor por África, em particular
pelas chamadas ilhas maravilhosas. Através de mim restabeleceu mais cedo laços
de amizade que havia construído e deixado em STP, estabeleceu e fidelizou novos
elos com Angola e, mais tarde, por si mesmo, com Cabo Verde. Falava muito do
seu compadre Óscar Souza, o Oscarito, com quem serviu no exército português e
que foi ministro da Defesa nas ilhas no pós-independência.
Ele tinha na verdade uma alma africana. Uma alma que, sem ressentimentos, paternalismos, racismos ou soberbas neocolonialistas, o levou em várias ocasiões de volta aos caminhos da sua querida África. Sua casa no Sarge, freguesia da qual foi também presidente da junta, funcionava como uma espécie de consulado africanoem Torres Vedras. Tinha
as portas sempre abertas para os seus amigos africanos, os quais o estimavam
profundamente. Era sempre uma grande festa quando os recebia ou os visitava.
Quantas vezes ouvi de amigos e conhecidos comuns a pergunta ''E o Lucas? Quando
é que ele cá volta?''.
Sempre procurou estabelecer e fortalecer elos pessoais, políticos e empresariais entre portugueses e africanos dos PALOP's, numa altura em que em Portugal o olhar sobre os segundos era, de certa forma, pouco positiva, para dizer o mínimo. Juntos havíamos abordado várias vezes o tema de geminação de Torres Vedras com cidades africanas. Cito por exemplo Cabinda e Viana, em Angola, e Água Grande,em
STP. Algumas iniciativas oficiais foram feitas nesse sentido
mas o clima político na altura vivido nos citados países, uma agenda de
prioridades em Portugal muito focada na Europa e o desaparecimento de cena,
físico e político, de alguns dos entusiastas africanos não permitiram a concretização
das mesmas. Soube depois que houve progressos com Cabo Verde, mais precisamente
com a cidade de Boa Vista, onde o meu amigo e compadre Lucas acabaria por
passar parte dos seus derradeiros anos.
Recordo aqui a primeira viagem que juntos fizemos à Angola no início dos idos anos 90. Em Cabinda, numa visita feita a um povoado, vi populares manifestarem alegria e apreço enormes por sua presença e pela forma como com eles interagia. ''Esse branco é dos nossos'', sentenciavam uns. ''O patrão voltou! Graças a Deus!'', clamava outro, já idoso, de braços erguidos em agradecimento aos céus, para riso incontido dos presentes. Via-se no ancião uma clara desesperança perante dificuldades na altura vividas num país recém-independente, ainda em guerra fratricida e com perspectivas pouco animadoras de paz e desenvolvimento. Note-se, por outro lado, que em África existe ainda fortemente enraizado no imaginário popular a crença que associa a riqueza à gordura localizada, no caso dos homens, ao bojo saliente. Um detalhe que também pode explicar parcialmente o gesto do autóctone.
Ele tinha na verdade uma alma africana. Uma alma que, sem ressentimentos, paternalismos, racismos ou soberbas neocolonialistas, o levou em várias ocasiões de volta aos caminhos da sua querida África. Sua casa no Sarge, freguesia da qual foi também presidente da junta, funcionava como uma espécie de consulado africano
Sempre procurou estabelecer e fortalecer elos pessoais, políticos e empresariais entre portugueses e africanos dos PALOP's, numa altura em que em Portugal o olhar sobre os segundos era, de certa forma, pouco positiva, para dizer o mínimo. Juntos havíamos abordado várias vezes o tema de geminação de Torres Vedras com cidades africanas. Cito por exemplo Cabinda e Viana, em Angola, e Água Grande,
Recordo aqui a primeira viagem que juntos fizemos à Angola no início dos idos anos 90. Em Cabinda, numa visita feita a um povoado, vi populares manifestarem alegria e apreço enormes por sua presença e pela forma como com eles interagia. ''Esse branco é dos nossos'', sentenciavam uns. ''O patrão voltou! Graças a Deus!'', clamava outro, já idoso, de braços erguidos em agradecimento aos céus, para riso incontido dos presentes. Via-se no ancião uma clara desesperança perante dificuldades na altura vividas num país recém-independente, ainda em guerra fratricida e com perspectivas pouco animadoras de paz e desenvolvimento. Note-se, por outro lado, que em África existe ainda fortemente enraizado no imaginário popular a crença que associa a riqueza à gordura localizada, no caso dos homens, ao bojo saliente. Um detalhe que também pode explicar parcialmente o gesto do autóctone.
No
plano empresarial ele foi um grande dinamizador das relações entre empresários
portugueses, particularmente torrienses, e africanos. Nesse sentido organizou,
a título particular, várias viagens (na verdade autênticas missões
político-empresariais) aos citados países. Registo uma com o empresário
Fernando Alves, na altura dono das firmas torrienses Auto Henriques e
Construtorres e com Carlos Miguel, atual presidente da autarquia oestina, na
época advogado daqueles empresas. Ambos podem testemunhar da imensa
popularidade e do carinho pelo Lucas em terras africanas.
Alguns
empresários hoje bem sucedidos no mercado africano lusófono puderam salvar e/ou
consolidar as suas empresas na origem devido, mesmo que indiretamente, ao
António Lucas. Cito, por exemplo, o Luís Vicente filho, da Freixofeira, a quem
ele me apresentou no seu gabinete da edilidade de Torres Vedras e que,
juntamente com seu pai, já falecido (pessoa da qual guardo uma imagem igualmente
muito positiva), acompanhei no início dos anos 90 à Luanda, dando os
primeiros apoios na sua viagem inaugural exploratória do mercado angolano. Não
mais tive contactos com Luís Vicente filho mas soube que a empresa
consolidou-se no mercado de frutas e legumes em Portugal e, entre outros
ganhos, detém a maioria do capital da Refriango, uma empresa de direito
angolano bem sucedida nascida da perspicácia e da vontade resoluta do
empresário torriense no desenvolvimento do sector das bebidas em Angola.
Na última
década, ou mais, os acasos da vida fizeram com que nossos caminhos não mais se
cruzassem com a mesma frequência de outrora. Mesmo assim, ainda surgia um
tempinho para uma ou outra rara visita, um ou outro telefonema de ocasião,
sempre acompanhados de ''intermináveis'' conversas sobre temas mais diversos.
Juntamente com D. Alice, sua batalhadora e dedicada companheira de sempre, não
deixou de me visitar em Londres onde passei a residir. Do meu amigo, camarada e
compadre Lucas, ''o africano'', um exemplo de como portugueses e africanos se
devem relacionar, guardarei sempre as melhores recordações.
Na
foto: António Lucas com a esposa, D. Alice, no London Eye
Colunista e jornalista freelancer*
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