Mas
limites da esquerda clássica ficaram claros nessa eleição. Saberemos ir além?
Antonio
Martins - Colaborou Graziela Marcheti - Imagem: Henri
Cartier-Bresson – em Outras Palavras
Houve
quem estranhasse quando Outras Palavras estampou em manchete, no domingo do primeiro turno, um
texto sobre um partido-movimento espanhol – o Podemos. Não foi premonitório,
mas refletiu um desconforto. No momento em que o país vive um impasse; em que o
projeto de mudanças suaves realizado com êxito dos últimos doze anos parece
esgotado; em que perduram, latentes, o “espírito de junho” e a consciência de
que é necessária uma rodada de transformações mais profundas – foi nesse exato
instante que o sistema político produziu uma eleição inteiramente vazia de propostas
e dirigida pelo marketing.
Os
resultados apareceram horas mais tarde, logo após a apuração. Tornou-se
evidente o risco de um retrocesso em múltiplos terrenos – político, social,
cultural. Inimaginável há algumas semanas, a hipótese de uma vitória de Aécio
Neves, com restauração do governo das velhas elites, é agora uma ameaça real.
Na Câmara dos Deputados, PT e PCdoB, os principais partidos da esquerda
histórica, perderam,
respectivamente, 20% e 40% de suas antigas bancadas – ao todo, 24 parlamentares
(enquanto o PSDB ganhou 11). Personagens claramente identificados com o
conservadorismo moral, a ditadura militar e a repressão aos movimentos sociais
– como Celso Russomano (SP), Jair Bolsonaro (RJ) ou Luiz Carlos Heinze (RS) –
receberam enxurradas de votos. Quase metade dos deputados eleitos agora (248,
entre 513) declara ter patrimônio
milionário – eram 116, em 2002. Cresceram as bancadas do
fundamentalismo religioso, dos ruralistas e “da bala” – a ponto de um estudo do
Diap considerar que
este é “o Congresso mais conservador do pós-1964” . No Senado, o passo
atrás foi simbolizado pelas vitórias de José Serra sobre Eduardo Suplicy (SP) e
de Lasier Martins sobre Olívio Dutra (RS). Na disputa presidencial, a maré
pró-Aécio engolfou, como destacaGuilherme
Boulos, redutos populares que tradicionalmente votam à esquerda: em São Paulo , por exemplo,
estendeu-se a Campo Limpo, Itaquera, Ermelino Matarazzo e Sapopemba…
Até
agora, a maior parte das avaliações procura apontar, como causa principal do
fenômeno, um recuo do próprio eleitorado, uma “onda conservadora”. Em São Paulo , epicentro da
ressaca, abundam os lamentos e as intenções declaradas de mudar-se de estado ou
de país… Às vezes, o argumento ganha ares de sofisticação sociológica. Ao
engordar a “nova classe média”, argumenta-se, os governos petistas teriam
engrossado as fileiras do setor social que, ao fim das contas, desejará
liquidá-los.
Mas
falta a estas análises algo essencial. Inúmeros exemplos históricos desmentem a
hipótese segundo a qual eleitores recém-emersos da pobreza tendem a votar à
direita. A “onda conservadora” não era inevitável. Ela formou-se nas
três semanas anteriores às urnas, como resultado de um erro tático grosseiro –
porém revelador. Ao estabelecer como seu objetivo central a desconstrução
de Marina Silva e de seus acenos a uma “nova política”, a campanha de
Dilma Rousseff primeiro resgatou Aécio Neves; depois, presenteou-o com o enorme
volume de votos antigovernistas gerado pela fadiga e impasse do projeto
lulista. Deu asas à cobra. Escolheu como adversário de segundo turno o
candidato que unifica e consolida o arco conservador. Imaginou que, ao fazê-lo,
pudesse repetir o cenário dos três pleitos presidenciais anteriores –
desconsiderando o desgaste do lulismo e o surgimento de uma nova geração de
esquerda, com cujo imaginário não quis dialogar.
Erros
tão primários nunca são fortuitos. O que levou a campanha de Dilma a demonizar
Marina não foram as diversas contradições da candidata do PSB, mas o que ela
trazia – ao menos em discurso – de transformador. O atual sistema político
aprisiona e paralisa o lulismo, mas também o alimenta e conforta. Diante da
possibilidade de ruptura, enunciada em junho de 2013 e relembrada por Marina,
ainda que como eco longínquo, a reação foi de assombro e recuo.
Por
isso, não bastará derrotar Aécio, em 26 de outubro – por importante que isso
seja. A maré conservadora só será enfrentada quando surgirem formas de
expressar, articular e mobilizar a vasta galáxia de movimentos e sensibilidades
que buscam uma nova onda de mudanças mais profundas. É provável que estas formas
não caibam no quadro partidário atual e é instigante examinar alternativas que
têm surgido, diante de impasses semelhantes, em outras partes do mundo. Talvez
o cenário brasileiro esteja maduro para partidos-movimento como o Podemos, na
Espanha, ou o Syriza, na Grécia. É o que veremos, nas quatro matérias que dão
sequência a este texto.
> Anatomia de um erro
grosseiro
A campanha Dilma queixa-se com razão das ações golpistas de Aécio. Mas quem colocou no segundo turno o candidato das elites?
A campanha Dilma queixa-se com razão das ações golpistas de Aécio. Mas quem colocou no segundo turno o candidato das elites?
> Terá chegado a hora de um Podemos?
Por que pode ser útil, ao Brasil, a experiência dos novos partidos-movimento – que querem mudar o sistema político e têm apoio popular crescente
Por que pode ser útil, ao Brasil, a experiência dos novos partidos-movimento – que querem mudar o sistema político e têm apoio popular crescente
> Por um programa de mudanças
profundas
Nas importantes mobilizações dos últimos anos, há esboço de novo projeto para o país. Não será hora de desenvolvê-lo?
Nas importantes mobilizações dos últimos anos, há esboço de novo projeto para o país. Não será hora de desenvolvê-lo?
> Contra o retrocesso, o
“voto Duvivier”
Dilma será incapaz de realizar transformações de que país necessita. Mas esta é uma razão para elegê-la, evitando grande passo atrás…
Dilma será incapaz de realizar transformações de que país necessita. Mas esta é uma razão para elegê-la, evitando grande passo atrás…
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