quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Crise aprofunda discriminação contra trabalhadores mais velhos nos EUA



Lynn Stuart Parramore – Alternet, São Francisco - Opera Mundi

Insegurança no emprego é a maior preocupação de pessoas com mais de 50 anos e acusações de preconceito etário no trabalho crescem no país

Em todos os cantos dos Estados Unidos, milhões de homens e mulheres com impressionantes conquistas e credenciais profissionais estão sendo colocados de escanteio ou demitidos. Vasculhando sites de oferta de empregos, se veem rejeitados até mesmo para as vagas mais básicas no setor de serviços. Não por serem incompetentes ou por falta de qualificações, mas simplesmente porque têm alguns fios de cabelo branco. Não apenas pessoas na faixa dos 60 ou 70 anos de idade; trabalhadores ainda na casa dos 50 de repente se veem lançados na lixeira, justamente quando se sentem no auge em seus campos de atuação.

Jan, uma executiva de marketing do sul da Califórnia, tem 51 anos, e já descobriu a insegurança causada pela idade no mercado de trabalho. Ela estava bem estabelecida como chefe de marketing de uma grande empresa quando foi demitida em 2009, aos 47 anos. A recessão fez seu estrago, e a empresa dela teve de cortar algumas pessoas – na maioria, os empregados mais velhos e os mais jovens. A empresa lhe deu ótimas recomendações e a manteve como consultora por um ano.

Quando tentou encontrar outro emprego, Jan a princípio se candidatou a cargos semelhantes ao de seu emprego anterior, em bancos e outras instituições financeiras. Nada. Mantendo o otimismo, ela ampliou o leque, tentando todos os anúncios de vagas nas áreas de comunicação e marketing em um raio de 65 quilômetros de sua casa. Ainda nada. Finalmente, começou a procurar emprego no setor de serviços e ficou chocada ao descobrir que não conseguia sequer entrar nessa área. Ela tentou uma loja de vestidos de noiva, pensando que teria a mesma idade das mães das clientes e, por isso, se encaixaria bem. Não a contrataram. Mesmo uma loja de departamentos a recusou para uma vaga de balconista. Não lhe revelaram o motivo.

Ao fazer pesquisas para este artigo, ouvi muitas histórias como a de Jan, de norte-americanos de todas as camadas sociais. Um pescador profissional com 30 anos de experiência em Tucson, Arizona, enviou dezenas de currículos, e não obteve nenhuma resposta. Um profissional da área de tecnologia de Ohio com 30 anos de experiência foi demitido depois de 15 anos numa empresa, e agora trabalha no cargo mais baixo em um serviço de atendimento a clientes, ao lado de jovens na casa dos 20 anos. São norte-americanos que desceram na escala social, cujos sonhos de estabilidade e de uma aposentadoria confortável depois de anos de trabalho estão desaparecendo diante de seus olhos.

Novas pesquisas mostram que a discriminação por idade pode ser até mais comum e mais prevalente do que outras formas de preconceito, como a discriminação étnica. De acordo com um estudo divulgado pelo periódico Age and Ageing, da Sociedade Britânica de Geriatria, um terço dos britânicos na casa dos 50 anos ou mais entrevistado pela publicação relatou ter sofrido discriminação por idade, uma cifra que surpreendeu os pesquisadores. Do atendimento ruim em restaurantes a maus-tratos em hospitais e até ofensas gratuitas, as pessoas se sentem cada vez mais desrespeitadas à medida que envelhecem.

A pesquisadora Isla Rippon, da University College London, afirma que esse tipo de experiência no dia-a-dia tem impacto na saúde física e mental das pessoas: “A percepção frequente de discriminação pode ser uma fonte crônica de estresse e aumentar com o tempo, levando à exclusão social e até à relutância em ir ao médico”.

Quando se trata de estresse financeiro, norte-americanos mais velhos dizem que a insegurança no emprego é a maior preocupação, de acordo com uma pesquisa da AARP (Organização Norte-Americana de Pessoas Aposentadas, na sigla em inglês). Muitas pessoas com mais de 50 anos se agarram aos seus empregos, convencidas de serem vistas como obsoletas e não tão valiosas quanto trabalhadores mais jovens, apesar da vasta experiência e conhecimento institucional. Segundo o relatório da AARP, “mais de um terço dos trabalhadores mais velhos não se sentem confiantes de que encontrariam um novo emprego imediatamente sem ter um corte no salário ou uma mudança de área (37%). Desses, quase um em cada cinco (19%) dizem que o motivo de não se sentirem confiantes se deve à discriminação por idade, e 21% identificaram limitações da idade, tais como sentir que são ‘velhos demais’ ou limitados de algum modo por causa da idade”.

“É verdade que trabalhadores mais jovens podem ser mais rápidos”, comenta Ashton Applewhite, que escreve sobre envelhecer e sobre preconceito etário no site This Chair Rocks. “Trabalhadores mais velhos são mais lentos, mas também são mais precisos. A idade confere paciência e habilidades para lidar com as coisas, além da capacidade de lidar com o estresse.”

A pesquisa de Applewhite mostra que as equipes de trabalho mais produtivas e eficientes são aquelas que mesclam grupos de diferentes idades. “Uma equipe com diferentes perspectivas geracionais tem nova energia, novas possibilidades de colaboração”, diz ela.

“As pessoas acham que os mais velhos estão acomodados em seus empregos”, comenta Applewhite. “Na realidade, a maioria das pessoas mais velhas que trabalham o fazem porque gostam. As pessoas não deveriam ter a opção – o direito – de continuar a trabalhar se quiserem? Ninguém quer depender economicamente de ninguém.” O problema aparece quando trabalhadores mais velhos são colocados de lado ou não conseguem encontrar empregos decentes, e não têm uma rede de proteção social adequada. Então eles se tornam dependentes, e essa dependência só reforça o mito de que são um peso. Quem gostaria de ser um peso por opção?

Houve uma época em que trabalhadores norte-americanos e seus empregadores tinham contratos justos. Quanto mais tempo você trabalhava para uma empresa, mais você ganhava, e quando você se aposentava podia contar com uma aposentadoria.  Nos Estados Unidos, a Lei sobre Discriminação por Idade no Emprego, de 1967, tornou ilegal que empregadores discriminassem trabalhadores e candidatos a emprego com 40 anos ou mais com base na idade.

As coisas começaram a mudar nos EUA nos anos 1980, quando tendências como a desregulamentação, a terceirização e a pressão para esmagar os sindicatos começaram a dar aos empregadores mais poder para agir com os empregados da maneira que lhes conviesse. Chefes começaram a focar mais nos funcionários mais jovens porque eles são mais baratos e não esperam benefícios como aposentadorias. Eles podem também ser mais facilmente intimidados.

Atualmente as acusações de discriminação por idade estão em alta nos EUA, o que geralmente ocorre durante recessões: em 2012, 22.857 trabalhadores entraram com ações relacionadas a essa questão na Comissão Federal por Igualdade de Oportunidades no Emprego, em comparação com apenas 16.548 em 2006.

Jan, a ex-gerente de marketing, acha que os EUA são especialmente obtusos quando se trata de lidar com os trabalhadores mais velhos. Ela cita as medidas adotadas na Alemanha após a crise financeira: “O governo agiu criando incentivos para a indústria não demitir as pessoas, mas, em vez disso, reduzir a jornada. Aqui nos EUA isso não aconteceu.” E desabafa: “Empresas americanas não retribuem os contribuintes e trabalhadores que possibilitaram o seu sucesso. Nós deveríamos esperar alguma reciprocidade. Deveríamos compensar empresas que não terceirizam. Deveríamos melhorar a rede de proteção social para ajudar pessoas que estão desempregadas. Há coisas que eu poderia fazer para beneficiar mais a comunidade, mas se ninguém quer me contratar, não vejo como isso seja minha culpa. Especialmente considerando que a economia está produzindo o suficiente para todos, se isso fosse distribuído com justiça.”

Vivemos em uma era de obsolescência programada, na qual projetistas deliberadamente fazem um produto limitado em sua vida útil. Agora essa obsolescência planejada inclui seres humanos. É realmente um uso eficiente de nosso capital humano fazer com que trabalhadores experientes se tornem recepcionistas do Walmart?

Tradução: Maria Teresa de Souza

Matéria original publicada no site Alternet, portal norte-americano de mídia independente e alternativa.

Leia mais em Opera Mundi

Sem comentários:

Mais lidas da semana