Pedro
Bacelar Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
A
TVI 24 exibiu esta semana no "Observatório do Mundo" um excelente
documentário de Harald Schumann, editor do jornal diário berlinense,
"Tagesspiegel". O filme está disponível na Internet e intitula-se
"Os segredos do resgate financeiro" (PBS - Frontline). O autor
confronta os responsáveis políticos com os resultados da aplicação dos
programas de austeridade nos países resgatados, as dramáticas consequências
económicas e sociais que provocaram, a incapacidade de travar o agravamento da
dívida onerada por encargos financeiros galopantes, em casos tão diversos como
o da Irlanda, Espanha e Chipre. No verão passado, Schumann veio a Portugal para
avaliar os efeitos do resgate na sociedade portuguesa e tentou entrevistar a
ministra das Finanças, o ministro da Solidariedade e o recém-nomeado comissário
europeu para a Ciência e as Tecnologias que, por essa altura, desempenhava as
funções de secretário de Estado encarregado da coordenação do "programa de
ajustamento". Porém, curiosamente, nenhum dos membros do Governo que foram
convidados - Maria Luís Albuquerque, Pedro Mota Soares e Carlos Moedas - se
disponibilizou para lhe conceder a entrevista! Em conferência de Imprensa
divulgada na edição do jornal "Público" de 4 de julho de 2014, o
jornalista alemão queixou-se de que os ministros e o secretário de Estado
portugueses sistematicamente adiavam ou pura e simplesmente deixavam sem
resposta os seus pedidos sucessivos de audiência. "Oficialmente,
disseram-nos que os governantes não queriam participar num documentário que só
será exibido em janeiro próximo e que, até lá, muitas coisas poderiam
acontecer, tornando os seus depoimentos desatualizados. Como o que queríamos
deles era uma avaliação do que aconteceu ao longo do programa de ajustamento,
creio que estas razões não são credíveis".
Este
comportamento dos governantes portugueses torna-se ainda mais surpreendente
quando confrontado com a atitude de outros governantes europeus que não se
furtaram à "incomodidade" das perguntas que lhes fizeram. Com efeito,
o documentário pode contar com os depoimentos de Brian Hayes, ministro-adjunto
das Finanças da Irlanda, de Luis de Guindos, ministro das Finanças de Espanha,
de Jorg Asmussen, membro do Conselho Executivo do Banco Central Europeu, e até
inclui uma conversa bem esclarecedora com Wolfgang Schäuble, o ministro das
Finanças da Alemanha!
O
que fica claramente demonstrado, sem contestação - apesar de todos os entraves
levantados à divulgação dos nomes dos "beneficiários" - é que foram
os bancos alemães, franceses e ingleses os reais destinatários dos resgates das
dívidas soberanas e que os investidores que provocaram a crise financeira
internacional, motivados por intuitos especulativos com base numa deficiente
avaliação dos riscos existentes, puderam apesar de tudo recuperar os seus
créditos à custa dos contribuintes dos países endividados. O que o ministro das
Finanças alemão não conseguiu refutar é que, ao contrário da ideia de que
seriam os contribuintes alemães que estão a "ajudar" os países
endividados, efetivamente, são os cidadãos destes países quem está a pagar as
dívidas dos seus bancos, a pretexto da necessidade de evitar a qualquer custo
aquilo que designam como um "risco sistémico" que ficou por
demonstrar: que a insolvência de um banco fatalmente arrastaria, como as pedras
do "dominó", a falência de todos os outros.
Como
pode a União Europeia mergulhar nesta espiral de miséria e desespero? Eduardo
Paz Ferreira publicou agora um livro - "Da Europa de Schuman à
"Não" Europa de Merkel" - onde nos oferece um importante contributo
para a indispensável compreensão das raízes profundas da decadência europeia. É
o testemunho lúcido de um europeísta que se atreve a exercer a sua autonomia
crítica para identificar os erros cometidos e abrir caminho ao
"resgate" urgente da própria Europa. Temos razões para acreditar que
o novo líder do principal partido da oposição, António Costa, compreende a
complexidade deste cenário e será capaz, em Portugal e na Europa, de congregar
vontades para promover a solidariedade de que a Europa anda tão esquecida e
promover novas políticas cuja necessidade começa a recolher um crescente
consenso.
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