sexta-feira, 3 de outubro de 2014

SEGREDOS DO RESGATE FINANCEIRO



Pedro Bacelar Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião

A TVI 24 exibiu esta semana no "Observatório do Mundo" um excelente documentário de Harald Schumann, editor do jornal diário berlinense, "Tagesspiegel". O filme está disponível na Internet e intitula-se "Os segredos do resgate financeiro" (PBS - Frontline). O autor confronta os responsáveis políticos com os resultados da aplicação dos programas de austeridade nos países resgatados, as dramáticas consequências económicas e sociais que provocaram, a incapacidade de travar o agravamento da dívida onerada por encargos financeiros galopantes, em casos tão diversos como o da Irlanda, Espanha e Chipre. No verão passado, Schumann veio a Portugal para avaliar os efeitos do resgate na sociedade portuguesa e tentou entrevistar a ministra das Finanças, o ministro da Solidariedade e o recém-nomeado comissário europeu para a Ciência e as Tecnologias que, por essa altura, desempenhava as funções de secretário de Estado encarregado da coordenação do "programa de ajustamento". Porém, curiosamente, nenhum dos membros do Governo que foram convidados - Maria Luís Albuquerque, Pedro Mota Soares e Carlos Moedas - se disponibilizou para lhe conceder a entrevista! Em conferência de Imprensa divulgada na edição do jornal "Público" de 4 de julho de 2014, o jornalista alemão queixou-se de que os ministros e o secretário de Estado portugueses sistematicamente adiavam ou pura e simplesmente deixavam sem resposta os seus pedidos sucessivos de audiência. "Oficialmente, disseram-nos que os governantes não queriam participar num documentário que só será exibido em janeiro próximo e que, até lá, muitas coisas poderiam acontecer, tornando os seus depoimentos desatualizados. Como o que queríamos deles era uma avaliação do que aconteceu ao longo do programa de ajustamento, creio que estas razões não são credíveis".

Este comportamento dos governantes portugueses torna-se ainda mais surpreendente quando confrontado com a atitude de outros governantes europeus que não se furtaram à "incomodidade" das perguntas que lhes fizeram. Com efeito, o documentário pode contar com os depoimentos de Brian Hayes, ministro-adjunto das Finanças da Irlanda, de Luis de Guindos, ministro das Finanças de Espanha, de Jorg Asmussen, membro do Conselho Executivo do Banco Central Europeu, e até inclui uma conversa bem esclarecedora com Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças da Alemanha!

O que fica claramente demonstrado, sem contestação - apesar de todos os entraves levantados à divulgação dos nomes dos "beneficiários" - é que foram os bancos alemães, franceses e ingleses os reais destinatários dos resgates das dívidas soberanas e que os investidores que provocaram a crise financeira internacional, motivados por intuitos especulativos com base numa deficiente avaliação dos riscos existentes, puderam apesar de tudo recuperar os seus créditos à custa dos contribuintes dos países endividados. O que o ministro das Finanças alemão não conseguiu refutar é que, ao contrário da ideia de que seriam os contribuintes alemães que estão a "ajudar" os países endividados, efetivamente, são os cidadãos destes países quem está a pagar as dívidas dos seus bancos, a pretexto da necessidade de evitar a qualquer custo aquilo que designam como um "risco sistémico" que ficou por demonstrar: que a insolvência de um banco fatalmente arrastaria, como as pedras do "dominó", a falência de todos os outros.

Como pode a União Europeia mergulhar nesta espiral de miséria e desespero? Eduardo Paz Ferreira publicou agora um livro - "Da Europa de Schuman à "Não" Europa de Merkel" - onde nos oferece um importante contributo para a indispensável compreensão das raízes profundas da decadência europeia. É o testemunho lúcido de um europeísta que se atreve a exercer a sua autonomia crítica para identificar os erros cometidos e abrir caminho ao "resgate" urgente da própria Europa. Temos razões para acreditar que o novo líder do principal partido da oposição, António Costa, compreende a complexidade deste cenário e será capaz, em Portugal e na Europa, de congregar vontades para promover a solidariedade de que a Europa anda tão esquecida e promover novas políticas cuja necessidade começa a recolher um crescente consenso.

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