Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
Mário
Soares disse aquilo que boa parte do PS quer dizer, mas não tem coragem: José
Sócrates está a ser vítima de um julgamento político. Desconhecem-se os
fundamentos que levaram o fundador do PS a largar esta bomba deflagradora, para
além da convicção pessoal, amizade com o visado e vontade férrea de blindar o
partido ao escândalo, mas esta é uma linha de pensamento que ameaça fazer o seu
caminho.
Falar
de um julgamento político como fez Mário Soares é o mesmo que recuperar a
malfadada tese da cabala, de que repetidamente Sócrates disse estar a ser
vítima. É sugerir que a máquina judicial se mobilizou apenas com o intuito de
se vingar do ex-governante. Que não há base documental, não há indícios, que
não há suspeita de crime. Improvável, no mínimo.
Certamente
que deter um ex-primeiro-ministro na manga de um aeroporto a uma sexta-feira à
noite e andar a passear com ele por Lisboa durante dias à vista dos flashes e
das câmaras televisivas não contribuiu em nada para a seriedade dos
procedimentos judiciais - aliás, suspeito mesmo que tenha havido aqui um desejo
retorcido de humilhar o homem perante o país, condená-lo na mesa do café e no
sofá de casa.
Agora,
não confundamos as coisas. Quem está a ser acusado é o ex-primeiro-ministro e
não o sistema judicial. Podemos discutir os meios para atingir os fins, mas não
devemos reescrever esta narrativa. Seja ou não ele culpado. Porque foi como tem
de ser. A justiça funcionou na detenção de Sócrates. A democracia funcionou na
eleição de Sócrates.
O
desabafo emocionado de Mário Soares cria, porém, um problema bicudo ao PS. Irá
o partido impor uma barreira entre o passado e o futuro? Será possível não
falar de Sócrates no congresso deste fim de semana? Poderá António Costa
visitar o camarada na prisão num gesto de amizade e, no momento seguinte,
convencer os portugueses de que o "seu" PS não tem nada que ver com
aquilo? E quanto tempo resistirá a Direita a enveredar por uma campanha negra
que contamine o debate eleitoral do próximo ano?
Sim,
porque agora está tudo calado. Mas não é por comedimento. O circo arde melhor
em lume brando.
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