sábado, 1 de novembro de 2014

União Europeia - Itália: RENZI E OS SEUS IRMÃOS



José Goulão – Jornal de Angola, opinião

Em Itália, o artigo 18 do Código de trabalho transformou-se numa fronteira e num símbolo.

É a disposição que obriga os empresários a readmitir trabalhadores despedidos sem justa causa e que sobreviveu até agora no meio do avassalador processo de “flexibilização” do mercado de trabalho, a designação propagandística com que se apresenta o desmantelamento de leis, direitos e regras que asseguravam alguma dignidade ao trabalho e aos trabalhadores.

Nestes tempos em que a “riqueza” circulante no mundo é criada sobretudo pela especulação, outros truques e crimes da alta finança e em que os bens criados pelo trabalho são subprodutos submetidos à selva da manipulação financeira, o artigo 18 em Itália, como outros afins que ainda restam aqui e ali, erguem-se como barreiras ou escolhos que só atrapalham.

Em Itália chegou a hora de o liquidar. Silvio Berlusconi, figura da direita e da trapaça neoliberal, tentou fazê-lo mas não conseguiu. Quem se apresenta agora na primeira linha do combate pela revogação do artigo 18, e com fôlego para não desistir, é Mateo Renzi, o Primeiro-Ministro dito o “chefe da esquerda”, nova vedeta de referência do mundo do “socialismo”.

Ao contrário do que dizem alguns politólogos, MateoRenzi não é nada de novo no panorama do regime global. É um seguidor natural do trabalho desenvolvido por Blair em Inglaterra, Schroeder na Alemanha, Zapatero e outros em Espanha, Hollande em França,Papandreou na Grécia, Sócrates e outros em Portugal, estes com caminho livre desde o momento em que o dinossauro excelentíssimo do socialismo à portuguesa anunciou que metia “o socialismo na gaveta”.

O que distinguirá por ora Renzi, tal como Hollande em França, Sanchez em Espanha e outros que se perfilam, é o processo como chegaram ao poder, o das célebres eleições primárias, uma aberração da democracia representativa com base nos partidos. Através das primárias, os partidos – chamem-se como chamarem – dissolvem-se numa ganga onde desaparecem as ideias, as diferenças, a representatividade de sectores da sociedade, tudo se resumindo ao poder pelo poder numa política feita para gerir os padrões económicos únicos sob a tutela suprema do mercado, o instrumento da ditadura da finança.

A adopção das eleições primárias é mais um salto qualitativo no processo de transformação do multipartidarismo no bipartidarismo à americana, convergindo tudo para um regime de conteúdo único. São poucos, e anacrónicos, os que hoje ainda analisam a política norte-americana em termos de “esquerda”/Partido Democrata, “direita”/Partido Republicano.

A Europa vai por aí com a metáfora do “arco do poder”. Tal como o artigo 18, Renzi, o seu grande inimigo de agora, é igualmente um símbolo. Ele emergiu de primárias num partido que não se chama nem socialista, nem social democrata mas sim “democrata”, à imagem e semelhança do seu inspirador americano, depois de ter engolido socialistas e comunistas de antanho numa primeira amálgama. E Renzi, por seu lado, chegou da democracia cristã depois de, através da conversão ao catecismo neoliberal, ter feito gato sapato da própria doutrina social da Igreja Católica.

As luzes que envolvem MateoRenzi como apóstolo do renascimento da “esquerda” ao serviço da governação única neoliberal são tão óbvias como justas tendo em conta a sua missão. O  primeiro passo que deu quando se tornou chefe do Partido Democrata foi chamar Berlusconi – que caíra completamente em desgraça – para com ele cozinhar uma lei eleitoral capaz de eternizar o bipartidarismo esquerda-direita, acabando com a “ingovernabilidade” e “as crises governamentais” decorrentes da “fragmentação partidária dos parlamentos”, garantindo assim a estabilidade absoluta para as “reformas” necessárias à consolidação do regime de ideologia única. Os êxitos e a ribalta de Renzi reflectidos na imprensa convertida em propaganda ajudaram a criar uma confraria, pelo que vão surgindo os seus irmãos políticos tocando a mesma flauta encantatória, arrastando crédulos, desiludidos, descrentes e desesperados.

A verdade, porém, é que estes renzis trazem mais do mesmo, vêm para acabar com os artigos 18 e afins, mesmo que alguns acordes pareçam pertencer a uma música diferente. Pura ilusão.

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