domingo, 14 de dezembro de 2014

Angola: OS GENERAIS NÃO TÊM AMIGOS



José Eduardo Agualusa – Rede Angola (ao), opinião

O julgamento de Rafael Marques, que devia começar amanhã, segunda-feira, 15 de Dezembro, foi adiado para Março do próximo ano. O debate em torno dele não.

Lembro-me, na febre da adolescência, de ter lido o famoso discurso de Fidel Castro publicado em livro com o título “A História me Absolverá”. O discurso foi proferido em 1953, em tribunal, por um jovem Fidel, que acabava de ser preso após a frustrada tentativa de assalto ao Quartel Moncada. Fidel aproveitou o julgamento para julgar os seus captores. Seis anos mais tarde reentraria triunfante em Havana. Está lá até hoje.

Alguns dos generais que pretendem levar Rafael Marques a julgamento devem ter lido o mesmo livro, e muito provavelmente na mesma época em que eu o li. Contudo, esqueceram a lição.

Rafael Marques publicou um livro, “Diamantes de Sangue”, no qual denuncia um rosário de crimes, cada qual mais terrível do que o anterior, envolvendo empresas pertencentes aos referidos generais. O trabalho, um verdadeiro catálogo de horrores, terá erros e incorrecções, como qualquer obra do género, mas no essencial é claro e arrasador.

Num país normal, ou seja, num país onde o sistema judicial fosse independente do poder político, tais crimes estariam a ser investigados, e os referidos generais há muito que teriam sido chamados a tribunal. Entre nós, o denunciante torna-se o réu. Os acusados, acusadores.

O julgamento de Rafael Marques, caso se realize, poderá transformar-se num amplo espectáculo, aberto ao mundo, durante o qual assistiremos à condenação do próprio regime. Rafael Marques contribuirá para o escândalo com a clara evidência das suas denúncias e o regime pagará o palco, as luzes, os microfones – pagará, afinal, a corda e o cadafalso onde será enforcado. “A História me absolverá!” – proclamará, no final, o jornalista. Maior certeza não há.

Que belo tiro no pé!

Que belas gargalhadas soltaremos todos. Que belo espectáculo se prepara.

Fico com a impressão de que os generais não têm amigos. Alguém que lhes dê uma pancada afável no ombro: “como é, kota?! Acorda! Você vai se dar mal.”

Também o Presidente da República não tem amigos. Tem empregados, tem clientes, tem sócios, tem protegidos – mas não tem amigos. Todos os iludem. Todos se servem dele. Está condenado a um cruel paradoxo: só os adversários lhe merecem confiança, pois são os únicos que não lhe escondem a verdade.

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