José
Eduardo Agualusa – Rede Angola (ao), opinião
O
julgamento de Rafael Marques, que devia começar amanhã, segunda-feira, 15 de
Dezembro, foi adiado para Março do próximo ano. O debate em torno dele não.
Lembro-me,
na febre da adolescência, de ter lido o famoso discurso de Fidel Castro
publicado em livro com o título “A História me Absolverá”. O discurso foi
proferido em 1953, em tribunal, por um jovem Fidel, que acabava de ser preso após
a frustrada tentativa de assalto ao Quartel Moncada. Fidel aproveitou o
julgamento para julgar os seus captores. Seis anos mais tarde reentraria
triunfante em Havana.
Está lá até hoje.
Alguns
dos generais que pretendem levar Rafael Marques a julgamento devem ter lido o
mesmo livro, e muito provavelmente na mesma época em que eu o li. Contudo,
esqueceram a lição.
Rafael
Marques publicou um livro, “Diamantes de Sangue”, no qual denuncia um rosário
de crimes, cada qual mais terrível do que o anterior, envolvendo empresas
pertencentes aos referidos generais. O trabalho, um verdadeiro catálogo de
horrores, terá erros e incorrecções, como qualquer obra do género, mas no
essencial é claro e arrasador.
Num
país normal, ou seja, num país onde o sistema judicial fosse independente do
poder político, tais crimes estariam a ser investigados, e os referidos
generais há muito que teriam sido chamados a tribunal. Entre nós, o denunciante
torna-se o réu. Os acusados, acusadores.
O
julgamento de Rafael Marques, caso se realize, poderá transformar-se num amplo
espectáculo, aberto ao mundo, durante o qual assistiremos à condenação do
próprio regime. Rafael Marques contribuirá para o escândalo com a clara
evidência das suas denúncias e o regime pagará o palco, as luzes, os microfones
– pagará, afinal, a corda e o cadafalso onde será enforcado. “A História me
absolverá!” – proclamará, no final, o jornalista. Maior certeza não há.
Que
belo tiro no pé!
Que
belas gargalhadas soltaremos todos. Que belo espectáculo se prepara.
Fico
com a impressão de que os generais não têm amigos. Alguém que lhes dê uma
pancada afável no ombro: “como é, kota?! Acorda! Você vai se dar mal.”
Também
o Presidente da República não tem amigos. Tem empregados, tem clientes, tem
sócios, tem protegidos – mas não tem amigos. Todos os iludem. Todos se servem
dele. Está condenado a um cruel paradoxo: só os adversários lhe merecem confiança,
pois são os únicos que não lhe escondem a verdade.
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