
Martinho Júnior,
Luanda
1 – O 4 de Fevereiro de 2014 ocorre numa altura em que Angola assume um papel
preponderante na busca pela paz em África e a candidatura, pela 2ª vez, a
membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU!
Enquanto em África a integração e a paz começam a ocupar um espaço
preponderante nas preocupações em prol dos relacionamentos internacionais no
âmbito do continente, no outro lado do Atlântico, com toda a experiência que
advém do passado de dois séculos de bandeiras soberanas erguidas com tanto
sacrifícios e à custa dos seus melhores filhos, a América Latina e o Caribe dão
passos cada vez mais incisivos com a CELAC e outras organizações continentais
como a UNASUR, o MERCOSUL, a ALBA ou ainda o PETROCARIBE, face a face ao
império de cultura anglo-saxónica dominante!
As veias da América Latina e do Caribe já não estão tão abertas, nem tão
disponíveis, nem tão esvaídas em sangue sugado pelos vampiros do império como
estavam antes!
As lições que a América Latina e o Caribe dão agora ao mundo, são ainda
insuficientemente percebidas em África!
Elas resumem-se no seguinte: ao dar luta ao capitalismo neo liberal, as
democracias latino americanas e do Caribe garantem resposta à hegemonia
unipolar do império, ganhando espaço próprio no quadro da globalização e
reforçando por outro lado as potencialidades de integração, o aprofundamento da
democracia, bem como os laços de internacionalismo e solidariedade!
Perante a conjuntura que se oferece a África e ao mundo tão vilipendiado pelas
manipulações acarretadas por uma globalização que favorece os interesses de
apenas 1% da humanidade, Angola destaca-se mesmo assim pelo seu esforço na
construção dum mundo melhor, mais justo, mais respeitador do homem e do planeta,
após os impactos da aplicação da doutrina de choque com a guerra dos diamantes
de sangue, por via dum instrumentalizado quão tenebroso Savimbi!
Os programas que assentam na Reconstrução Nacional, na Reconciliação e na
Reinserção Social, são a substância do que tem sido possível após a implosão do
socialismo real, com o exemplo da resistência lúcida e sensível da Revolução e
da identidade cubana, com os exemplos alternativos das nações e estados
emergentes, com a resistência que se vai disseminando perante a contra
revolução liberal tisnada pelas “revoluções coloridas”, as “primaveras árabes”,
o mercenarismo rampante e tantas outras formas de manipulação e ingerência
promovidas pelo império!
Sobre essas manipulações e ingerências remeto os leitores para o arsenal de
divulgações conseguidas nos últimos anos pelo Wikileaks e por tantos outros,
entre os quais destaco Edward Snowden!
2 – O 4 de Fevereiro de 1961 foi um acto de heroísmo e coragem por parte de
alguns dos filhos do povo angolano e a única resposta legítima perante o
fascismo, o colonialismo, o “apartheid”, a “bantustanização” programada para
neutralizar África… perante ainda as suas respectivas sequelas e as injustiças
que se arrastavam e, pelo menos algumas delas, ainda se arrastam, 39 anos
depois do passado de trevas!
A data passou a oferecer para os vindouros a abertura à possibilidade dos
imensos resgates que há que realizar sobre esse passado, numa altura em que era
letra morta, entre muitos outros direitos, os próprios direitos humanos… ou
ainda não tinham nascido sequer as preocupações sobre os direitos respeitadores
da Mãe Terra!
O passo arriscado que então se deu, passou a ser uma autêntica viragem para o
povo angolano, garantindo-lhe o passaporte para a sua libertação, independência
e soberania… para a sua identidade e emancipação no concerto justo das nações e
dos povos!
É precisamente sobre a libertação, a independência e a soberania com que nos
devemos preocupar hoje, uma vez que muitos dos impactos da globalização
capitalista neo liberal nos estão a atingir de forma mais oportunista,
perversa, manipuladora e promotora de ingerências, dando cobertura precisamente
aos mesmos interesses que em redundância, século após século, sempre oprimiram
os povos africanos, ou jogaram com as imensas riquezas apetecíveis e
disponíveis no continente!
O 4 de Fevereiro de 1961 foi também levado a cabo para que África não mais
fosse “aquele corpo inerte onde cada abutre viesse depenicar o seu pedaço”!
3 – Perante a “plataforma” servil ao império unipolar que alguns subtilmente
procuram erguer em Angola, perante a insistência nos argumentos fomentadores de
ingerências e manipulações que abrem caminho a essa hegemonia unipolar, perante
os impactos sensíveis da contra revolução liberal e seus dilectos “cavalos de
Tróia”, perante tantos actos de mercenarismo que se foram disseminando por
causa do deus-mercado, perante os exemplos alternativos de resposta a esse tipo
de enredos, dos quais tenho ressaltado os de Cuba, os da América Latina e
Caribe e os da Rússia, que 4 de Fevereiro se espera hoje em Angola?
Em primeiro lugar constata-se que não basta o exemplo e a memória desse
longínquo mas tão próximo 4 de Fevereiro de 1961!
Em segundo lugar, o 4 de Fevereiro obriga-nos não só a mais uma prova de identidade,
mas também ao conhecimento e à inteligência sobre onde, quando, por quê e com
quem nos devemos situar e consolidar em laços as opções comuns!
Em terceiro lugar é preciso reconhecer que, quando alguns se bateram em Angola
pela continuidade da opção socialista de forma a evitar prejuízos maiores que
se vieram a consumar na aplicação da doutrina de choque que fez fermentar a
guerra dos diamantes de sangue em 1992, face à implosão do socialismo real teve
de se de optar por longas “conversações” que só acabaram por dar alguns frutos
em 2002, com benefícios ambíguos no que toca à identificação em pleno com os
interesses soberanos do povo angolano, com a sua democracia e com a paz por
esse modo alcançada!
Por isso em quarto lugar, parece-me que não basta só a Reconstrução Nacional, a
Reconciliação e a Reinserção Social: o 4 de Fevereiro de 2014 obriga-nos à
lucidez da paz a que tanto aspiramos em Angola e, por tabela, em todo o
continente africano, sabendo que a construção da paz não comporta a alimentação
de mitos, nem de ilusões, nem de mentiras!... muito menos “benefícios” para uns
quantos, que obriguem à miséria, ou à morte prematura de milhões e milhões de
seres humanos!
O estado angolano é assim e hoje responsável nos actos de independência, de soberania,
de aprofundamento da democracia e da paz possível “que estamos com ela”, mas
deve optar em relação ao futuro, por decisões inclusivas que se abram muito
mais à justiça social, ao equilíbrio humano socializante, a uma melhor educação
e saúde!... neutralizando todo o tipo de mercenarismos que entretanto tendem a
renascer como cogumelos aproveitando-se da conjuntura favorável recém adquirida
graças aos impactos mais nefastos da globalização capitalista neo liberal!
Não basta alcançar índices de crescimento importantes: é necessário traduzir
esse crescimento em desenvolvimento sustentável para toda a sociedade e não
permitir as franjas de mercenarismo que muitos procuram implantar em Angola!
Alguns êxitos foram obtidos, mas há inúmeros obstáculos que é mister saber
enfrentar!
Nesse quadro a oposição, ao invés de dar a sua contribuição honesta, digna e
solidária, quantas vezes confundindo a árvore com a floresta, prende-se a
ninharias, esquecendo a história e as oportunidades que se abrem após 2002!
4 – A contra revolução liberal marca a sua presença nos mais recônditos
recantos do globo, invadindo-nos e aos nossos próprios lares,
sub-repticiamente, através dos meios de difusão massiva distendidos pelo
domínio dos senhores, ou fazendo-se sentir através de avassaladoras e
artificiosas crises, tensões, conflitos e guerras, ou ainda procurando-nos
confundir com “revoluções coloridas”, “primaveras árabes”, dilectos “cavalos de
Tróia”, religiões alienadas e estéreis… ou “plataformas” incautas e entorpecidas,
incapazes de crítica perante os tutores duma globalização inquinada, que
socorre aqueles 1% da humanidade dominantes e apostados na disseminação de
tantos becos sem saída, sorvedores de tantas vidas e riquezas… esvaindo as
potencialidades do próprio planeta!
Este 4 de Fevereiro continua a ser de luta, por que continua-se longe de vencer
o subdesenvolvimento crónico que é herança do passado, assim como necessário se
torna a lucidez e a clarividência face a um mundo conturbado, repleto de tantas
armadilhas, de tantos perigos e riscos de lesa-pátria, de lesa-independência,
de lesa-soberania, de lesa-democracia, de lesa-identidade, de lesa-paz... e,
para prejuízo de todos nós, quantas e quantas vezes de lesa-vida!
Aqueles que como eu pertencem ao socialismo por juramento perante a pátria,
convencidos que é com o socialismo, o internacionalismo e a solidariedade que
melhor se poderão beneficiar de forma equilibrada e justa todos os povos da
Terra, têm a obrigação de assumir a lucidez e a clarividência do momento que
passa, o momento que pode consolidar as conquistas até hoje obtidas com tanta
honra, honestidade, humildade, sacrifício, heroísmo e amor integral… sabendo
que, se assim não o for, se pode perder a consolidação dessas conquistas, em
proveito exclusivo daqueles que até a história pretendem fazer obliterar ou
esquecer!
Uma das armas da contra revolução liberal, é preciso lembrá-lo constantemente,
é o egoísmo, a arrogância e a vaidade, quantas vezes a coberto de argumentos
aparentemente contraditórios, que afinal não põem em causa a essência dos
desequilíbrios globais!
Os que se aproveitam disso julgam-se omnipresentes até perante a história, só
por que aspiram ou são detentores de riqueza, de propriedade, de capital, de
intelecto e por isso se tornaram mentores de processos ideológicos e económicos
que os levaram a esse tão inepto, quão desumano pedestal!
A paz nunca se poderá erguer com alienados triunfalismos, nem com a estupidez
crónica dos mercados de feição à imagem e semelhança dos deuses constituídos
naqueles 1% dominantes e opressivos da humanidade e do planeta, nem com seus
mercenários de fortuna desprovidos de ética, de moral e de amor, por isso este
4 de Fevereiro só o posso honrar na base duma lógica com sentido de vida, a
lógica substantiva que nos ergue dia-a-dia do chão como às árvores e nos
inscreve na passagem singular por um admirável planeta azul que nos
possibilitou algum dia existir!
Imagem: Alusão ao 4 de Fevereiro de 2013